Reclamação pré-processual na Justiça do Trabalho: advocacia para quê? Otavio Torres Calvet

Sou favorável à ideia de um sistema multiportas para solução de conflitos. Semana passada, inclusive, escrevi acerca da arbitragem trabalhista, instituto que sempre enalteci e não canso de incentivar.

Mediação, conciliação, acordos extrajudiciais homologados pela Justiça do Trabalho são métodos alternativos que fomentam a autossolução, que considero sempre um resultado melhor do que a decisão judicial. Depois de 27 anos julgando os outros, percebo que o juiz muitas vezes consegue apenas acabar com a discussão, não necessariamente distribuindo a almejada e abstrata justiça.

Permitir que os interessados possam, por contra própria, resolver suas questões, além de atestado de maturidade social, constitui caminho fértil para um ambiente harmônico, seguro e confiável nas relações trabalhistas.

Bem compreendida minha posição, passo à crítica construtiva da nova Resolução 377, de 22 de março de 2024, do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, que instrumentaliza a mediação pré-processual, criando o procedimento para uso das reclamações pré-processuais na Justiça do Trabalho (RPP).

Há na resolução uma capa de modernidade, mas ela não consegue esconder o viés autoritário típico da cultura intervencionista da área trabalhista, a começar por manter a centralidade da Justiça do Trabalho como instância para solução de conflitos, passando pelo afastamento da advocacia trabalhista e culminando com a condução do procedimento diretamente pelo magistrado quando desassistidos os interessados. Vamos por partes.

Spacca

Qualquer lógica de solução alternativa de conflitos, incentivadora da autossolução, não deveria impedir que os atores sociais pudessem dirimir seus interesses sem intervenção pública. A Justiça do Trabalho, que se propaga como justiça social e pioneira em matéria de conciliação, não permite, até hoje, que trabalhadores e tomadores dos serviços possam, com segurança, fazer mediação ou conciliação extrajudicial sem a participação de um magistrado.

Com raras exceções, ninguém se aventura a pactuar acordo extrajudicial para resolver litígio trabalhista pois sabe que, mais rápido do que um avião, um superjuiz anulará o pacto sob o desgastado fundamento de que o trabalhador não consegue emitir vontade de forma válida sem o manto protetivo da Justiça do Trabalho, ainda que assistido por advogado.

Curioso é que o mesmo acordo firmado diretamente entre as partes, após ser anulado, pode ser refeito em ação judicial, às vezes até de forma pior para o trabalhador, já que a presença do juiz tudo resolve, todos os males são repelidos e a visão além do alcance do magistrado é capaz de vislumbrar a ausência de fraude.

Viés autoritário

O primeiro viés autoritário da resolução reside, portanto, no fato de não incentivar — e reconhecer a validade — de mediações pré-processuais extrajudiciais, realizadas por outros atores sociais, que não a magistratura.

Em sequência, a resolução materializa o afastamento da advocacia trabalhista do procedimento, como previsto no artigo 3º, §2º:

“Estando o empregador e/ou trabalhador desassistidos, deverá comparecer ao Órgão de distribuição do TRT para fazer tomar a termo sua Reclamação Pré-Processual (RPP) ou efetuar a solicitação mediante o preenchimento de formulário disponível no Portal da Conciliação, cabendo ao próprio Tribunal Regional do Trabalho a distribuição da classe Reclamação Pré-Processual (RPP) ao órgão competente.”

Em uma lógica simples de análise econômica, não precisar contratar advogado para realizar um acordo trabalhista com garantia de homologação judicial gratuita pode gerar a consequência de enorme estímulo ao mercado de trabalho para uso de tal prática.

Se por um lado a notícia pode ser boa, principalmente para o empresário, que muitas vezes gasta dinheiro com sua defesa apenas para conseguir o reconhecimento de que nada havia feito de errado, por outro naturalmente surgirá um vácuo de proteção trabalhista ao trabalhador, que dificilmente conseguirá apreender o alcance e a extensão dos seus direitos para poder negociar com segurança.

E aí, neste exato ponto, está estampada a máxima intervenção estatal do novo procedimento: sem advogado, assume o próprio juiz a defesa dos interesses do trabalhador.

Vejam o que diz o artigo 11 da resolução:

“Caso o trabalhador e/ou o empregador estejam sem assistência de advogado na mediação pré-processual, a condução das reuniões unilaterais, bilaterais e das audiências deverão ser realizadas, necessariamente, pelo magistrado(a) supervisor(a) do Cejusc-JT respectivo.”

Na lógica do novo procedimento, se um trabalhador disparar o procedimento sem assistência de advogado, provocando a Justiça do Trabalho para “buscar seus direitos”, haverá uma redução a termo ou preenchimento de um formulário, onde será estampado o objeto a ser negociado de forma simples e, a partir daí, assumirá o magistrado e, não, os mediadores.

E o que isso significa na prática?

Para mim, que o procedimento deixa de ser uma mediação. Simples assim. Não se tratará mais de adoção de práticas que aproximem os interessados convencendo-os de que a autossolução é o melhor caminho, sem se imiscuir no objeto da transação.

A obrigatória presença do magistrado indica que há necessidade especial de velar o desassistido, analisando os termos do objeto da possível conciliação, valores, limites, impondo condições para homologação, pois o condutor da “mediação” será quem decide seu fim.

Da forma como posto, creio que apenas se cria uma alternativa para a Justiça do Trabalho continuar afirmando seu papel de protagonista mantendo o monopólio do conflito trabalhista, agora desprestigiando o papel da advocacia.

Não se fortalece a sociedade civil para que ela possa gerir seus próprios interesses, cria-se mais um mecanismo de dependência bem ao gosto da nossa tradição cultural, podendo a magistratura do Trabalho continuar dando o tom do que é certo ou errado, do que pode ser negociado ou não, até onde vale a vontade do próprio interessado.

Ao invés de simplesmente reconhecer a licitude de acordos extrajudiciais, independentemente de homologação da Justiça do Trabalho, ao invés de propiciar mediações e conciliação extrajudiciais, em câmaras especializadas, sempre com a assistência de advogados, capazes de orientar os interesses de seus clientes, novamente buscamos a intervenção do Estado que ditará o que é melhor ou pior para os cidadãos.

Está na hora de efetivamente amadurecermos e reconhecer que o magistrado do Trabalho não é um ser iluminado capaz de impedir todos os males do universo trabalhista. Passou do momento de deixarmos esses adolescentes, trabalhadores e empregadores, saírem da redoma para resolverem seus destinos amparados por seus advogados.

Se lá na frente ficar constatada fraude, aí sim, que venha o aparato estatal. Poder Judiciário sempre deve existir em segundo plano, jamais ser protagonista, sob pena de legalizarmos um Poder intervencionista sobre interesses privados. Alguém coloca a carapuça?

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