Breves considerações sobre o árbitro de emergência

 A figura do árbitro de emergência (também chamado de árbitro de urgência) não encontra menção na legislação brasileira. Nada obstante, trata-se de mecanismo que vem conquistando cada vez mais espaço no seio da arbitragem, encontrando previsão no regulamento de algumas importantes instituições, nacionais e estrangeiras, como alternativa à jurisdição estatal, na apreciação pedidos de tutela de urgência em caráter antecedente, antes de formado o tribunal arbitral [1].

O árbitro de emergência, em regra, é designado pela própria instituição arbitral e tem jurisdição, exclusivamente, para o exame de medidas urgentes. Instituído o tribunal arbitral, exaure-se a jurisdição emergencial, que, por natureza, é provisória e precária. O painel nomeado poderá, então, confirmar, modificar ou mesmo revogar a tutela anteriormente deferida, tal e qual ocorre no caso de tutela de urgência antecedente deferida pelo Poder Judiciário, a teor do artigo 22-B da Lei de Arbitragem [2]. Significa dizer que as decisões do árbitro de emergência não são decisões finais, mas de natureza meramente provisória [3].

O surgimento do instituto remete à Corte Arbitral da Câmara de Comércio Internacional, que, no ano de 1990, editou o "Regulamento de Procedimento Cautelar Pré-Arbitral" [4]. É até certo ponto um movimento natural de proteção da arbitragem. Isso porque a jurisdição estatal residual, no campo das tutelas de urgência, é de certa forma inconsistente com a escolha feita pelas partes, de submeter seus litígios ao juízo arbitral. Opta-se pela arbitragem, por se tratar de um ambiente mais técnico e especializado, mas é o judiciário que toma uma das decisões mais relevantes em caso de conflito entre os contratantes. Opta-se pela arbitragem, também, por ser um método confidencial de solução de conflitos, mas não raramente o litígio chega ao conhecimento público, porque os processos judiciais, como regra, submetem-se ao princípio da publicidade. O uso da via arbitral emergencial, ao invés da propositura da ação judicial, possui as vantagens de reforçar a escolha da arbitragem para solução da controvérsia e de preservar a confidencialidade.

Três motivos adicionais têm sido mencionados para justificar a adoção do chamado árbitro de emergência: a) os custos com a dupla contratação de advogados, para a arbitragem e para atuação no judiciário; b) uma possível ausência de neutralidade das cortes judiciais; e c) a ausência de expertise técnica do juiz estatal a respeito da questão litigiosa na arbitragem.

Existem dois sistemas distintos que disciplinam o emprego, na via arbitral, do árbitro de emergência: o modelo opt in e o modelo opt out. No modelo opt in, as partes devem convencionar, expressamente, que aderem à utilização do árbitro de emergência, nos termos do regulamento da instituição arbitral escolhida. Era o modelo adotado no Brasil, até bem recentemente, pelo Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC), por força da Resolução Administrativa 32/2018, cujo teor dispunha no sentido de que "não haverá intervenção do árbitro de emergência" "se as partes não convencionaram expressamente a aplicação das regras relativas ao árbitro de emergência" [5]. O silêncio das partes é compreendido como opção pela não utilização do instituto. Já a adoção do sistema opt out implica na adesão automática à jurisdição arbitral emergencial, salvo havendo manifestação expressa em contrário. Nesse sentido, já dispunha o anterior regulamento de arbitragem da CCI, de 2017, que "as disposições sobre o Árbitro de Emergência não são aplicáveis quando as partes tiverem convencionado excluir a aplicação das disposições sobre o Árbitro de Emergência" [6].

O árbitro de emergência é, em regra, nomeado em um curtíssimo espaço de tempo (entre um e três dias), após a apresentação do pedido de tutela de urgência. Dele se espera que profira decisão com o máximo de brevidade, considerando a urgência do pedido.

No Brasil, algumas câmaras arbitrais nacionais já regulamentaram o procedimento do árbitro de emergência, entre elas: a CAM-CCBC (Resolução Administrativa 44/2020) e a Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial-Brasil (Camarb) (Resolução Administrativa 06/2020) [7] [8]. A Camarb estabelece o prazo de dois) dias para nomeação do árbitro de emergência, após o aceite do requerimento pelo presidente do órgão (item 4.1 da resolução administrativa) [9]. Já a regulamentação baixada pela CAM-CCBC não estabelece prazo para a nomeação, mas estipula, no artigo 9º da Resolução 32/2018, que o presidente da instituição [10], ao admitir o procedimento, nomeará automaticamente o árbitro de emergência dentre os membros do corpo de árbitros da instituição.

Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA), em iniciativa inovadora, regulamentou a utilização do árbitro de emergência no campo da arbitragem esportiva [11]. O sistema difere dos demais porque não é opt in e nem opt out. Com efeito, prescreve o artigo 3.4 do regulamento de arbitragem esportiva do CBMA que "as partes automaticamente renunciam a possibilidade de requerer tais medidas perante o Poder Judiciário". É um modelo apropriado para o Direito Desportivo, ante a aversão que as entidades internacionais do esporte têm à utilização do Judiciário para resolução de conflitos.

O árbitro de emergência é livre para conduzir o procedimento da maneira que considerar mais apropriada, devendo estabelecer calendário provisório para as partes (vide, a título ilustrativo, o artigo 20 da Resolução Administrativa 44/2020 da CAM-CCBC [12]).

O Tribunal de Justiça de São Paulo já teve a oportunidade de reconhecer, ainda que indiretamente, a existência e validade da utilização da jurisdição arbitral emergencial. Na ocasião, assentou o desembargador Alexandre Lazzarini que, ao menos naquele caso específico, "sequer há a previsão de arbitro de emergência, que muitas Câmaras Arbitrais já estão incluindo em seus regulamentos" [13], a revelar que a escolha poderia ter sido feita e, se o fosse, seria juridicamente lícita.

Para finalizar, cabe a ressalva de que o emprego do árbitro de emergência tende a encarecer o procedimento arbitral, haja vista que, além dos honorários do painel arbitral, a parte requerente deverá arcar, ainda, com os honorários do árbitro de urgência. A referida afirmação, entretanto, há de ser considerada cum grano salis. De fato, conquanto a nomeação de árbitro de urgência possa incrementar os custos do procedimento arbitral, ao mesmo tempo isenta a parte tanto da necessidade de contratar advogado para atuar na esfera judicial, quanto das despesas com o processo correlato (de natureza cautelar) no Poder Judiciário. [1] Sobre a tema, veja-se: GOUVEIA, Mariana França & ANTUNES, João Gil. The suitability of the emergency arbitrator for investment disputesIn: e-Pública, Vol. 6, nº 2, setembro 2019, p. 9/35. Disponível em: https://www.e-publica.pt/volumes/v6n2a03.html. Acesso em 02.03.2021; GRION, Renato Stephan. Árbitro de emergência – perspectiva brasileira à luz da experiência internacionalIn: CARMONA, Carlos Alberto, LEMES, Selma Ferreira & MARTINS, Pedro Batista. 20 anos da lei de arbitragem. São Paulo: Atlas, 2017, p. 403-448; MARQUES, Paula Menna Barreto. Árbitro de emergênciaIn: CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro, GRECO, Leonardo & DALLA, Humberto. Temas controvertidos na arbitragem à luz do código de processo civil de 2015. Rio de Janeiro: LMJ Mundo Jurídico, 2018, p. 209-223. Para uma análise pela perspectiva das decisões tomadas pelas cortes judiciais americanas, confira-se: THOMAS, Erin. Review of emergency arbitral relief – recente developments in US case law. In: GONZÁLES-BUENO, Carlos. 40 under 40 international arbitration. Spain: Dykinson S.L., 2018, p. 349-356.

[2] Artigo 22-B da Lei de 9.307/96: “Instituída a arbitragem, caberá aos árbitros manter, modificar ou revogar a medida cautelar ou de urgência concedida pelo Poder Judiciário”.

[3] Vide, a título ilustrativo, o artigo 25 da Resolução Administrativa 44/2020 da CAM-CCBC: “Artigo 25 – As decisões tomadas pelo Árbitro de Emergência, por seu caráter provisório, não vinculam o Tribunal Arbitral o qual, uma vez constituído, será competente para modificar, revogar ou anular qualquer decisão previamente tomada”. Disponível em: https://ccbc.org.br/cam-ccbc-centro-arbitragem-mediacao/ra-44-2020/#:~:text=Artigo%201%C2%BA%20%E2%80%93%20A%20parte%20que,termos%20das%20regras%20dispostas%20abaixo. Acesso em: 02.03.2021.

[5] Reza o §2º do artigo 1º da Resolução Administrativa 32/2018 da CAM-CCBC: “§2º Não haverá intervenção do árbitro de emergência nos seguintes casos: (a) Se as partes celebraram convenção de arbitragem anterior à presente Resolução e não incluíram, posteriormente, a opção por se submeterem ao procedimento de árbitro de emergência, ou (b) Se as partes não convencionaram expressamente a aplicação das regras relativas ao árbitro de emergência.” Disponível em: ˂https://ccbc.org.br/cam-ccbc-centro-arbitragem-mediacao/resolucao-de-disputas/resolucoes-administrativas/ra-32-2018-ref-procedimento-do-arbitro-de-emergencia/˃. Acesso em: 02.03.2021. Ressalte-se, entretanto, que a CAM-CCBC alterou o regime jurídico aplicável ao árbitro de emergência, no ano de 2020, passando do modelo opt in para o modelo opt out. Confira-se, a propósito, a Resolução Administrativa 44/2020 da CAM-CCBC. Disponível em: https://ccbc.org.br/cam-ccbc-centro-arbitragem-mediacao/ra-44-2020/#:~:text=Artigo%201%C2%BA%20%E2%80%93%20A%20parte%20que,termos%20das%20regras%20dispostas%20abaixo. Acesso em: 02.03.2021.

[6] Vide artigo 29 (5) (6) do Regulamento de Arbitragem da CCI: “5 Os artigos 29(1)-29(4) e as Regras sobre o Árbitro de Emergência previstas no Apêndice V (coletivamente as “Disposições sobre o Árbitro de Emergência”) serão aplicáveis apenas às partes signatárias, ou seus sucessores, da convenção de arbitragem, que preveja a aplicação do Regulamento e invocada para o requerimento da medida. 6 As Disposições sobre o Árbitro de Emergência não são aplicáveis quando: a) a convenção de arbitragem que preveja a aplicação do Regulamento foi concluída antes da data de entrada em vigor do Regulamento; b) as partes tiverem convencionado excluir a aplicação das Disposições sobre o Árbitro de Emergência; ou c) as partes tiverem convencionado a aplicação de algum outro procedimento pré-arbitral o qual preveja a possibilidade de concessão de medidas cautelares, provisórias ou similares.” Disponível em: ˂https://iccwbo.org/publication/2017-arbitration-rules-and-2014-mediation-rules-portuguese-version/?preview=true˃. Acesso em: 02.03.2021.

[9] “4.1. Aceito o Requerimento, o Presidente da CAMARB individualmente ou, na ausência ou impossibilidade deste, o Vice-presidente de Arbitragem da CAMARB, em conjunto com outro Vice-presidente, nomearão, em até 2 (dois) dias, um Árbitro de Emergência dentre os membros da Lista de Árbitros da CAMARB.” Disponível em: ˂http://camarb.com.br/arbitragem/resolucoes-administrativa/resolucao-administrativa-n-06-20/˃. Acesso em: 02.03.2021.

[10] “Artigo 9º – A Presidência do CAM-CCBC, ao admitir o procedimento do Árbitro de Emergência, nomeará um Árbitro de Emergência dentre os membros do Corpo de Árbitros”. Disponível em: https://ccbc.org.br/cam-ccbc-centro-arbitragem-mediacao/ra-44-2020/#:~:text=Artigo%201%C2%BA%20%E2%80%93%20A%20parte%20que,termos%20das%20regras%20dispostas%20abaixo. Acesso em: 02.03.2021.    

[11] Vide o regulamento de arbitragem esportiva do CBMA. Disponível em: http://www.cbma.com.br/regulamento_esportiva_2019. Acesso em 02.03.2021.

[12] “Procedimento – Artigo 20 – O árbitro de emergência deverá conduzir o procedimento da maneira que considerar apropriada tendo em vista a natureza da controvérsia e a urgência do Requerimento, observados os princípios da ampla defesa, do contraditório e da igualdade de tratamento das partes. Parágrafo único – Após o recebimento dos autos, o árbitro de emergência deverá estabelecer calendário provisório para o procedimento”. Disponível em: https://ccbc.org.br/cam-ccbc-centro-arbitragem-mediacao/ra-44-2020/#:~:text=Artigo%201%C2%BA%20%E2%80%93%20A%20parte%20que,termos%20das%20regras%20dispostas%20abaixo. Acesso em: 02.03.2021.

[13] TJ-SP, Apelação Cível nº 1027689-46.2017.8.26.0506, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Relator Desembargador Alexandre Lazzarini, DJ 09.05.2019.


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