Ano novo, família nova: temas emergentes em prospectivas 2024 - Planos de Parentalidade - Jones Figueirêdo Alves

Não será suficiente dizer que milhares de famílias, da rica região da Serra de Ibiapaba (PIB de 5% do estado, com 13 municípios), poderão “migrar” este ano do Ceará para o Piauí, em julgamento da Ação Cível Originará nº 1.831, pelo Supremo Tribunal Federal, após um século de disputa territorial (1) para afirmar-se que expressivas mudanças socioeconômicas na (re)formação da família brasileira, e no direito de família que as protegem, serão colocadas em prospectivas 2024.

Neste ano, o direito de família poderá obter importantes inovações consagrando a família em suas garantias jurídicas de melhores (re)vivências em novos temas emergentes. Situá-los, em termos de meras exemplificações, suscita reflexões para a doutrina e para o legislador atento às novas realidades sociais. Vejamos:

Spacca

Conflitos familiares expostos. A exposição pública de conflitos familiares severos mediante o uso das mídias sociais com discussões ácidas dos problemas de família tem causado impactos danosos, mormente em face dos filhos que são por ela afetados no presente ou a longo prazo. Alguns acreditam que trazer ao grande público questões da intimidade familiar possam merecer um tribunal popular de apoios ou de “cancelamentos”, não obstante malferindo essa exposição midiática o direito de privacidade e a dignidade dos envolvidos; suscetível de danos morais.

Já não bastam as “repercussões do conflito conjugal no desenvolvimento da prole” que vêm sendo estudadas de forma expressiva (2). Os impactos do conflito são gravemente multiplicados quando afetados por escândalos nas vias públicas virtuais. Esse modelo de violência virtual nas interações conflitivas dos casais separados está perdendo os limites e o controle, sem que a legislação ou a doutrina tenham com ele ainda se preocupado. Os estudos são escassos e a reiteração pública de tais conflitos deve desencadear uma maior atenção do direito de família e do legislador a respeito, durante este ano.

Especialistas em relacionamentos, nas áreas de psicologia e de psicologia comportamental, a seu turno, já estudam questões sobre relacionamentos afetivos colocados sob uma exposição midiática, mesmo inexistindo conflitos, notadamente quando se confronta a natureza intrínseca de um dos parceiros, como aludiu o psicólogo Alexander Bez.

Planos de parentalidade. Os planos de parentalidade são contratos que estabelecem cláusulas de convívio e de obrigações dos pais separados em face dos seus filhos. Eles pactuam regras gerais de relacionamentos, deveres e direitos da autoridade parental, assegurando, sobretudo, as garantias do futuro da prole, de modo a inibir litigâncias incidentais sobre os deveres de cuidado inerentes ao poder familiar. Devem ser elaborados quando ou após o divórcio, ao tempo da definição da guarda compartilhada ou não dos filhos ou. ainda, quando necessário, por divergências especificas e sazonais ou por mudança de domicílio.

O Plano Parental tem sido mais utilizado há cerca de quatro anos ao tempo da separação, em juízo ou fora dele, como um instrumento contratual de valiosa função social em proteção da família, nem sempre exigido, todavia, em toda a sua extensão e mais das vezes resumido apenas às obrigações alimentares.

Em termos de consensualidade, o PLS 2.569/2021, da senadora Soraya Thronicke, amplia as hipóteses do divórcio consensual, da separação consensual e da extinção consensual da união estável, incluindo os casos em que haja nascituro ou filhos menores. Na hipótese, “se houver nascituro ou filhos incapazes, a autorização para lavratura da escritura pública dependerá do Ministério Público” (artigo 733, § 3º, do Código de Processo Civil). (3)

Ocorre que o texto não cuida da produção de um plano parental para com os nascituros ou filhos capazes. Coloca admissível a alteração do regime de bens, dispensando a autorização judicial e a motivação fundada do pedido, mediante requerimento junto ao Ofício de Registro Civil, com simplificação, exigindo-se, a tanto uma escritura pública (nova redação destinada ao § 2º do artigo 1.639, CC). Ou seja, “tem como objetivo facilitar as relações jurídicas interpessoais, para que, havendo consensualidade, exista a possibilidade de não se ingressar com pedido judicial (…)”, não tratando, contudo, de um plano de parentalidade, mesmo existindo nascituros ou filhos incapazes.

Há que se falar, portanto, da dinâmica de divórcios colaborativos (ou de dissoluções de uniões estáveis), para uma prática corrente de planos de parentalidade, que sejam cuidadosamente organizados, ensejando a disjudicialização. Mesmo com a existência dos filhos nascituros ou filhos incapazes, sob o apoio, inclusive, de psicólogos, em atividade interdisciplinar. Assim, teremos o divórcio potestativo de forma mais eficiente e rápida.

A propósito, a “Riforma Cartabia”, em vigor na Itália, desde 1º de março de 2023, ao tratar da possibilidade de um “divorzi brevi”, estipula a necessidade dos planos de parentalidade em relação aos filhos (4). A nova lei assinada por Marta Cartabia, então ministra da Justiça do governo de Mario Draghi, determina que “os casais com filhos terão de apresentar um plano parental com todas as atividades para menores e um plano de visitas”. Destarte, os menores também serão ouvidos para as providências que lhes digam respeito.

O mais importante, por decisivo: “se um dos cônjuges aceitar o plano parental proposto, mas não o respeitar, poderá ser sancionado”, com multas coercitivas. As novas regras, para os processos italianos posteriores a 28/2/2023, também estipulam que se um dos cônjuges omitir suas reais condições econômicas para pagar menos manutenção dos filhos, terá que pagar uma indenização e custas judiciais. (5)

A experiência italiana orienta no sentido de que a nossa lei do divórcio administrativo e consensual (Lei nº 11.441, de 14.01.2007) seja alterada, urgentemente, dando nova redação ao artigo 1.124-A do Código de Processo Civil, a permitir que em mesmo havendo filhos menores ou incapazes do casal, seja procedida a escritura pública do divórcio.

Bastando que referida escritura pública cuide de incluir o plano de parentalidade a tratar do interesse dos filhos, com a ouvida do Ministério Público.

Separação de fato. Temos sustentado que a separação do casal significa fato jurídico relevante suscetível de exigir a demarcação temporal exata para os seus devidos efeitos jurídicos. É o começo do fim, impondo-se precisar, para a segurança jurídica, o seu termo a quoe, a tanto, justifica-se averbar em registro civil a data do começo da separação de fato (06). Veja-se que o separado de fato pode constituir união estável com outrem (artigo 1.723 § 1º do Código Civil).

Agora, a atualização do Código Civil vem disciplinar a respeito, ponderando o jurista Pablo Stolze Gagliano, integrante da Comissão, que a separação de fato do casal conjugal ou convivente irradia efeitos jurídicos imediatos, a exemplo da cessação dos deveres de fidelidade e de coabitação, do término do regime de bens, assinalando, outrossim, o direito aos alimentos.

Multas coercitivas. A organicidade de um sistema de multas coercitivas (sanções civis) deve ser compreendida como instrumento decisivo e influente na seara do direito de família, viabilizando o cumprimento da lei, pela coercibilidade que se extrai do potencial da multa aplicável.

Pais omissos, negligentes e irresponsáveis; casais de uma relação finda, beligerantes e incompatibilizados com os deveres de uma ética convivencial que deve subsistir, após finito o pacto da união, tornam-se agora alvos dessa linha de princípio, onde a multa funciona com a exegese de sua função social, a de prevenção ou de inibição de conflitos e desídias, apresentando intensa capacidade de persuasão (por valoração econômica) ao não delinquir civil.

Pena de Sonegados. Questão fundamental em tema emergente, diz respeito à pena de sonegados no processo de partilha, cuja consequência consistirá na perda do direito de meação cabível sobre aqueles bens não declarados, em suporte análogo ao artigo 1.992 do Código Civil. (7)

É curial que a não transparência patrimonial dos bens suscetíveis à partilha, com a sonegação de alguns bens e direitos, deve ser reprimida com o resultado lógico de aplicação da “pena de sonegação”, tal como defende Rolf Madaleno, expressando: “a aplicação da pena de sonegação é perfeitamente justificável no divórcio, como forma de reprimir a ocultação de patrimônio e assegurar a divisão justa dos bens” (8)

Nesse sentido, a jurisprudência mais avançada confirma a doutrina:

AÇÃO DE DIVÓRCIO – PENA DE SONEGADOS – Em primeiro lugar, deixo registrado que é perfeitamente possível a aplicação da pena de sonegados ao divórcio, em analogia ao que dispõe o artigo 1.992 do Código Civil. Com efeito, não se pode premiar a conduta de sonegação de bens e valores, pela qual um dos cônjuges busca vantagem própria em prejuízo do outro. (…)” (TJSP – 2ª Câmara de Direito Privado, Relator Des. Fernando Marcondes, Apel. Cível nº 1008152-50.2020.8.26.0606, j. em 27.08.2022).

Pais ausentes. Em 2023, 172,2 mil crianças nascidas no Brasil foram registradas sem o nome do pai, em percentual de 5% superior ao verificado em 2022, de 162,8 mil. Referidos dados são do Portal da Transparência do Registro Civil, administrado pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais(Arpen-BR), na seção “Pais ausentes” (9). Anota-se ali que: “a maior proporção de pais ausentes foi registrada no Norte do país: 10% do total, ou 29.323 deles, seguida do Nordeste, com 8% de pais ausentes do total de nascimentos, ou 52.352. Já o Sudeste teve a maior quantidade em números absolutos, 57.602, o que corresponde a 6% do total de nascidos, mesma porcentagem do Centro-Oeste. O Sul teve a menor proporção, com 5%.

Essa importante providência da Arepen-BR disponibilizando no portal uma nova página destinada à identificação do número de crianças registradas somente em nome da mãe, denominada Pais Ausentes, ao indicar essa alarmante estatística, fomenta inúmeras providências:

(i) Uma atuação vigilante do Conselho Nacional de Justiça pela aplicação eficaz da Lei nº 8.560, de 29/12/1992, no tocante à averiguação oficiosa da paternidade, como procedimento prévio, administrativo e consensual;

(ii) uma atuação também operosa do Ministério Público para as ações de investigação da paternidade (artigo 2º, § 4º, Lei nº 8.590/1992).

(iii) Uma cooperação judiciária, com a participação do IBDFAM, em níveis estaduais e nacional para a solução abreviada das referidas demandas.

Em via oposta, o reconhecimento voluntário da paternidade ganhou maior densidade. Precisamente 35,3 mil crianças tiveram a paternidade reconhecida em 2023, um aumento de 8% em relação aos reconhecimentos de 2022, que foram de 32,6 mil.

Subnotificação registral. O corregedor Nacional de Justiça, ministro Luís Felipe Salomão, do STJ, em entrevista (Veja, edição nº 2.836, de 12.4.2023), anunciou uma força-tarefa que “visa a dar cidadania a cerca de três milhões de brasileiros que beiram a invisibilidade por não terem sequer o registro do próprio nascimento, a maioria de moradores de rua”.

Embora aponte-se uma sensível redução nas taxas de sub-registro de nascimentos, com percentual abaixo de 2% (2019), certo é que aos poderes públicos cumprem arregimentar medidas para conferir cidadania a todos, zerando esse déficit. É um dos temais emergentes mais importantes do ano.

As orfandades e suas causas. Diante do que dispõe o artigo 80, em seu inciso 7º, da Lei de Registros Públicos, quando o dispositivo assinala que o assento de óbito deverá conter se o falecido deixou filhos, nome e idade de cada um, ponderemos, com a devida acuidade, que essa menção obrigatória do nome e da idade dos filhos do morto, carrega consigo, um registro da orfandade pelos Cartórios de Registro Civil, daqueles que se identificam como órfãos.

Cuidem-se, porém, inexatas as estatísticas que possam configurar as orfandades, diante de um déficit registral das realidades constantes nos assentos de óbitos lavrados acerca de filhos menores.

É caso da formação necessária de um Cadastro de Orfandades pelo Sistema de Registro Civil, monitorado pelo Conselho Nacional de Justiça, situando as causas dos óbitos (mortalidade materna em hospitais, feminicídio, violência urbana, etc.), regido por normativos, de modo a constituir base de dados adequada a subsidiar respostas públicas à proteção dos órfãos. (10)

Conclusões. Não há negar que muitos temas emergentes desafiam a doutrina e uma legislação mais atualizada no trato da Família 2024. Questões como as (i) dos “novos idosos” e as (ii) dos “idosos longevos”, em suas expectativas de um envelhecimento sustentável em melhor qualidade de vida; (iii) a das agrofamílias, que merecem políticas públicas mais protetivas; a (iv) do “sharenting”, como a prática de compartilhar vídeos e fotos do cotidiano dos filhos nas mídias sociais, a exigir maior controle e disciplina; a (v) “discussão sobre a renúncia à concorrência sucessória” e a (vi) discussão dos herdeiros necessários” (artigo 1.845 do Código Civil), serão também grandes temas prometidos para 2024. Um Feliz Ano para todas as Famílias.

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Referências:
1) O litígio, tratado na ACO 1831, remonta ao tempo do Império, quando foi alterada a linha divisória das então duas províncias, pelo Decreto Imperial 2012, de 22 de outubro de 1880. O processo foi promovido pelo Estado do Piauí, perante o STF, em 24.08.2011, tendo a relatora min. Carmen Lúcia determinado perícia técnica das áreas de fronteira pelo Exército brasileiro. Web: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4130927

2) GOULART, Viviane. WAGNER, Adriana. BARBOSA, Paola. MOSMANN, Clarice. Repercussões do Conflito Conjugal para o Ajustamento de Crianças e Adolescentes: Um Estudo Teórico. Interação Psicol., Curitiba, v. 19, n. 1, p. 147-159, jan./abr. 2015. Web:

https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/159795/001021348.pdf?sequence=1

3) PLS n. 2569/2011.

4) DE VELLIS, Aniela Missaglia Valeria. #Pattimatrimoniali. Milão: Sperling & Kupler, Edizione em Outubro/2023. Recentemente os juristas italianos Martino Zulberti (Università Statale di Milano) e Laura Baccaglini (Università degli Studi di Trento) proferiram na USP (11.09.23) a palestra “La reforma del CPC italiano: profili generali dela c.d. Riforma Cartabia” (A reforma do Código de Processo Italiano – Perfis gerais da chamada Reforma Cartabia).

5) Fonte: FIRSTonline, jornal web independente de economia, publicado pela AL Iniziative Editoriali Srl com sede em Roma. 28.02.2023.

6) ALVES, Jones Figueirêdo. Separação de fato por seus efeitos jurídicos reclama averbação em registro. Consultor Jurídico, 25.07.2022. Web: https://www.conjur.com.br/2022-set-25/processo-familiar-separacao-fato-efeitos-juridicos-reclama-averbacao-registro-civil/

7) ALVES, Jones Figueirêdo. Patrimônio comum do casal desfeito e bens sonegados, uma resiliência épica. Consultor Jurídico, 15.10.2023.web: https://www.conjur.com.br/2023-out-15/processo-familiar-patrimonio-comum-casal-desfeito-bens-sonegados/

8) MADALENO, Rolf. MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família, 2019, p. 837.

9) Web: https://transparencia.registrocivil.org.br/painel-registral/pais-ausentes

10) ALVES, Jones Figueirêdo. Uma nova cidadania registral como patrimônio personalíssimo da pessoa. Consultor Jurídico, 09.04.2023. Web: https://www.conjur.com.br/2023-abr-09/processo-familiar-cidadania-registral-patrimonio-pessoa/

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