Mais uma inovação do STJ sobre honorários de sucumbência, por José Rogério Cruz e Tucci

 Os honorários de sucumbência arbitrados em sede recursal, denominados “honorários recursais”, estão contemplados, como novidade, no artigo 85, parágrafo 11, do vigente Código de Processo Civil, ao dispor que: “O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação dos honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§2º e 3º para a fase de conhecimento”.

Spacca

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Justifica-se essa complementação da verba honorária, como facilmente se infere, pelo trabalho adicional do advogado, na esfera recursal, que também deve ser remunerado. No entanto, ao lado desta finalidade, é igualmente possível sustentar que o objetivo desta regra é o de refrear a interposição de recursos inconsistentes, fadados a serem desprovidos pelo tribunal. Nesta situação, o advogado que tem a obrigação profissional de ministrar orientação técnica ao seu cliente, deve lhe submeter a questão, explicando-lhe qual a melhor estratégia, baseada nas chances reais de êxito numa eventual investida contra a decisão que lhe é desfavorável.

Cumpre-me ainda aduzir que tal esclarecimento é deveras importante, porque o subsequente parágrafo 12 do artigo 85 do diploma processual é muito claro ao preceituar que, detectada a litigância de má-fé ou ato atentatório à dignidade da justiça, a parte deverá ser condenada ao pagamento de multa e, cumulativamente, de honorários recursais, uma vez que estas verbas têm diferente natureza e são independentes. Eis aí a prova cabal da responsabilidade do advogado, que não raramente abusa do direito de recorrer sem compartilhar qualquer confidência com o seu constituinte.

Saliente-se, por outro lado, que o supra transcrito artigo 85, parágrafo 11, não faz qualquer alusão à extensão do eventual êxito em sede recursal implicativa do descabimento da majoração da verba honorária de sucumbência ao ensejo do julgamento do recurso. O dispositivo simplesmente, de forma objetiva, refere-se ao trabalho adicional do advogado do vencedor. Ponto final!

Assim, valendo-me de conhecido critério hermenêutico, invoco, nesse particular, o velho aforismo ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus, para reafirmar que a norma legal em apreço não prevê a “medida” da vitória obtida pelo julgamento do recurso, relacionada à incidência ou não do artigo 85, parágrafo 11.

Não obstante, no julgamento do Recurso Especial n. 1.864.633/RS, da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça foi suscitada a tese no sentido de que a majoração dos honorários de sucumbência fixados anteriormente somente deve ocorrer se o resultado for de não conhecimento ou integral improvimento do recurso. E isso, porque, na hipótese de ser parcialmente provido, por menor que seja a extensão desse veredito, não se aplica o artigo 85, parágrafo 11.

Trata-se do Tema 1059, que foi afetado à Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, sob o rito dos recursos repetitivos, especificado nas seguintes premissas:

“1. Delimitação da controvérsia: (im)possibilidade da majoração, em grau recursal, da verba honorária estabelecida na instância recorrida, quando o recurso for provido total ou parcialmente, ainda que em relação apenas aos consectários da condenação.
2. Recurso Especial afetado ao rito do artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015 (artigos 256-E, II, e 256-I do RISTJ).
3. Determinada a suspensão da tramitação apenas dos recursos especiais e agravos em recurso especial cujos objetos coincidam com a matéria afetada.
4. Acolhida a proposta de afetação do recurso especial como representativo da controvérsia para que seja julgado na Corte Especial.”

Com arrimo nessa diretriz, a Corte Especial acabou estabelecendo, com acerto, uma interpretação lógica mais restritiva para a incidência da referida regra do Código de Processo Civil em vigor.

Trilhando esse posicionamento, quando o recurso for parcialmente provido,  mesmo sem alterar o resultado da demanda, a Corte Especial decidiu, por maioria de votos, que em tais situações não incide o artigo 85, parágrafo 11.

Assim, por exemplo, se o recorrente conseguiu apenas o provimento do recurso para alterar o índice da correção monetária, ou a diminuição da condenação do dano moral, não há se falar em aumento da verba honorária em prol de seu respectivo patrono, visto que a parte recorrida continuou sendo vencedora.

Daí a aprovação pela Corte Especial de duas teses correlatas, a saber:

A majoração dos honorários de sucumbência prevista no artigo 85, parágrafo 11, do CPC pressupõe que o recurso tenha sido integralmente desprovido ou não conhecido pelo tribunal, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente”; e
Não se aplica o artigo 85, parágrafo 11, do CPC, em caso de provimento total ou parcial do recurso, ainda que mínima a alteração do resultado do julgamento ou limitada a consectários da condenação.”

A posição do ministro Paulo Sérgio Domingues, que continuou relator perante a Corte Especial por força do disposto no artigo 256-I do Regimento Interno, parte do pressuposto de que o disposto no indigitado artigo 85, parágrafo 11, tem por finalidade desestimular o uso protelatório e contraproducente do recurso, atuação essa que conspira contra o princípio da duração razoável do processo.

É evidente — assevera o ministro relator — que nas situações nas quais a impugnação deduzida pelo recorrente se revela proveitosa, mesmo que mínima, seria um inequívoco paradoxo ampliar a condenação em benefício do advogado da parte recorrida, quando o recorrente vence em grau recursal, ainda que apenas para alterar os consectários fixados na decisão recorrida. Na verdade, destacou o ministro Paulo Sérgio Domingues: “não cabe penalizar o recorrente, majorando os honorários do advogado da parte vencedora, se a alteração do resultado do julgamento, mesmo que mínima, constitui decorrência direta da interposição do recurso”.

Importa outrossim refletir sobre o contundente argumento sufragado pelo ministro Humberto Martins, que, ao instaurar a divergência de entendimento, enfatizou que a majoração dos honorários sucumbenciais resulta do trabalho complementar executado pelo advogado. Desse modo, se o recurso foi parcialmente provido, mas a parte vencedora, a despeito desta circunstância, continuou com a vitória, é cabível o aumento da verba honorária em benefício de seu advogado. A rigor, acrescentou o ministro Humberto Martins: “A lei processual não faz distinção entre advogados das partes para o fim de saber em que hipótese cabe majoração da verba honorária sucumbencial. Se a legislação não traz essa exclusão, não caberá ao Judiciário fazê-la, sob pena de violação da legalidade”.

Anote-se que essa orientação divergente, que restou vencida, contraria a lógica e, ademais, a vontade do legislador. Como majorar os honorários do patrono do recorrido na hipótese de o recurso do recorrente ser parcialmente provido?

Ressalto, por fim, que, de fato, a alvitrada distinção encontrada pela expressiva maioria dos integrantes da Corte Especial compatibiliza-se, a meu ver, com a mens legis, bem como com a própria redação do artigo 85, parágrafo 11, do Código de Processo Civil, que alude à “fixação dos honorários devidos ao advogado do vencedor”. Por vencedor deve-se entender o litigante que figura como recorrido, mesmo que o recorrente obtenha uma posição de vantagem por ter conseguido, no julgamento do recurso, decotar algum item da condenação.

E isso significa que o advogado da parte vencedora não pode receber acréscimo aos honorários de sucumbência já fixados, pelo trabalho efetivado perante grau superior de jurisdição, quando o recurso da parte contrária, que fora derrotada, tenha sido parcialmente provido.

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