Arbitragem nos setores de infraestrutura: é sempre benéfico utilizá-la?

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"Poderia o bater de asas de uma borboleta no Brasil causar um tornado no Texas?" A referida interrogação intitulou o artigo de Edward Lorenz, de 1972, que demonstra, em resumo, como a imprevisão é uma constante de tudo o que nos cerca, já que pequenas mudanças nas condições iniciais de grandes sistemas podem levar a modificações drásticas nos resultados. Trata-se daquele que é conhecido como efeito borboleta, um dos corolários da Teoria do Caos, que, entre outros ensinamentos, aponta para a ideia de que muito mais seguro do que tentar prever o imprevisível, por mais contraditório que isso pareça, é aceitar a existência da imprevisão e encontrar formas de lidar com ela quando o imprevisível se concretizar. Baseado nessas ideias, isto é, no fato de que o imprevisto é uma condição essencial da vida, pode-se apontar, então, que, muito mais produtivo do que tentar "prevê-lo", é aceitá-lo, e assim buscar meios efetivos para lidar, da melhor forma possível, com essas inúmeras situações que, necessariamente, surgirão e fugirão de qualquer escopo de predição

De certa forma, e transportando os apontamentos feitos acima para a temática proposta por este texto, pode-se afirmar que a previsão da arbitragem como meio de resolução de conflitos nos setores de infraestrutura encontra espaço justamente em um local de imprevisão. Isso porque, em virtude das suas características, o setor de infraestrutura é um campo em que os players devem lidar com a impossibilidade de prever todas as situações que surgirão na execução do contrato. Veja-se que o setor abriga instrumentos contratuais que são conhecidos por (1) serem instrumentos com altos valores envolvidos — necessitando, consequentemente, de avultados investimentos; (2) complexos; e (3) com longo prazo de duração. Essas características, somadas, criam um contexto em que a "segurança [é] advinda da certeza da mudança" [1] [2]. Portanto, encontrar formas e meios adequados para lidar com essas situações se mostra uma necessidade para uma devida execução dos contratos de infraestrutura. É neste ponto que o instituto da arbitragem surge e ganha espaço.

É de amplo conhecimento que dentre as principais características — e vantagens — da arbitragem está a possibilidade de nomeação de árbitros com base em sua especialidade, experiência, cultura, tempo disponível para dedicação ao assunto e confiança que a parte deposita na pessoa que julgará a desavença. Tratando-se de contratos complexos, como são os de infraestrutura, a possibilidade de escolha de árbitros, com as citadas características, especialmente a especialidade no tema, pode mostrar-se extremamente benéfica [3], já que "a previsão de cláusula compromissória melhor coaduna-se a contratos de alta complexidade e que demandem uma resolução altamente técnica e célere, como são os contratos da área de infraestrutura" [4]. Nessa linha, parte dos estudiosos do tema passaram a defender a ideia de que, necessariamente, a previsão da arbitragem é benéfica para a resolução de conflitos surgidos nos contratos de infraestrutura, principalmente pelos já adiantados motivos de: (1) uma maior celeridade na resolução dos conflitos; e (2) a capacidade de oferecer soluções especializadas para os litígios [5].

Todavia, e como já bem observado por Cristina M. Wagner Mastrobuono, embora haja um certo consenso de que a arbitragem deve ser um meio de resolução de conflitos extrajudicial previsto nos contratos de grande porte, justamente diante da perspectiva de que esse meio de resolução de conflitos proporcionará maior segurança jurídica e diminuirá os riscos inerentes ao contrato, "não há, no entanto, demonstração de que estudos sejam feitos previamente à inclusão de tal cláusula nos contratos" [6]. Igualmente, André Rodrigues Junqueira, ao analisar para a sua dissertação de mestrado os principais documentos que deram origem aos contratos de PPPs firmados pelo estado de São Paulo, concluiu, no que tange à escolha pelo uso da arbitragem, que essa opção não se deveu a um estudo prévio, mas sim em virtude de "uma tendência de mercado, baseada em sugestões colhidas nos procedimentos de manifestação de interesses, ou pela recomendação de consultorias especializadas" [7].

Nesse aspecto, a necessidade de estudos mais direcionados mostra-se ainda mais necessária no momento em que também não se pode negar alguns aspectos da arbitragem que podem, na verdade, ir de encontro a essa ideia de beneficies na resolução de conflitos envolvendo contratos de infraestrutura.

Esses aspectos são, por exemplo, a ausência de um sistema de precedentes, já que ainda não se tem conhecimento da existência, no Brasil, de ferramentas que permitam fácil acesso às decisões arbitrais que já foram prolatadas. Esse cenário faz com que a arbitragem, por produzir decisões apenas voltadas ao caso concreto e não passíveis de aplicação geral ou uniformização, possua uma limitação institucional mais acentuada do que a do Poder Judiciário. Com o aumento do número de arbitragens envolvendo o setor, aliado à ausência de precedentes, a via arbitral pode se tornar um campo passível de julgamentos contraditórios sobre o mesmo tema.

Outro aspecto negativo é o custo elevado dos processos arbitrais. Iniciar um procedimento arbitral no Brasil é, pelo menos inicialmente, significativamente mais custoso do que ingressar com uma ação judicial. Considerando que as principais normativas sobre o tema atualmente exigem que o particular arque, inicialmente, com as custas do procedimento, mesmo nos casos em que o ente público dê início ao procedimento arbitral, os custos de uma arbitragem podem ser um fator que tanto irá afastar os investidores, como causar impacto no valor dos contratos firmados junto ao poder público.

Ainda, um terceiro aspecto que pode ser mencionado é o grande risco de o procedimento ser anulado caso o árbitro não tenha o devido conhecimento das normas que regem a administração pública, isto é, aquelas que estabelecem direitos indisponíveis e que, portanto, não são passíveis de alteração pela via arbitral. Trata-se da hipótese em que o árbitro não terá o mesmo self-restraint (autocontenção que no Direito público é associada com a discricionariedade, mas que, no caso da arbitragem, deve referir-se sobretudo à impossibilidade do árbitro de entrar nos interesses indisponíveis da administração pública).

Portanto, embora seja inegável a tendência e possibilidade de a arbitragem promover benefícios no setor de infraestrutura quanto às decisões que serão fornecidas em eventuais conflitos, vive-se um momento em que seria positivo intensificar os estudos que analisem a questão de uma forma mais sóbria e, preferencialmente, empírica.

É relevante que as características da arbitragem sejam analisadas e confrontadas frentes aos contratos de infraestrutura e suas especificidades e, a partir disso, com base nos dados obtidos nesses estudos, possa-se ter de forma mais clara em quais momentos, para quais situações, e de que forma e com quais cuidados há, de fato, vantagens no uso da arbitragem como meio de resolução de conflitos no setor de infraestrutura [8].

Vive-se um momento em que passada, de forma geral, todas aquelas discussões que envolviam a possibilidade jurídica de se utilizar ou não a arbitragem para solução de conflitos que envolvem a administração pública, como são os do setor de infraestrutura, pode se agora qualificar essa discussão, direcionando-a para uma análise que não mais foque na possibilidade da utilização do procedimento arbitral, mas no exame das situações e momentos em que a sua utilização é, de fato, benéfica.

Assim, com o cenário melhor assentado, será possível que cada vez mais esse importante e necessário meio de resolução de conflitos seja aplicado e utilizado para situações em que a resolução do conflito por meio arbitral seja, de fato, a via mais adequada.

 

[1] MOREIRA, Egon Bockmann. Direito das concessões de serviço público: inteligência da Lei 8.987/1995 (parte geral). São Paulo: Malheiros, 2010, p. 37.

[2] Como bem define Flávio Amaral Garcia, os contratos de infraestrutura "são incompletos porque realisticamente impossibilitados de regular todos os aspectos da relação contratual, o que os torna naturalmente inacabados e com lacunas, que reclamarão tecnologia contratual capaz de resolver a infinidade de contingências que poderão surgir durante a sua execução". GARCIA, Flávio Amaral. Concessões, parcerias e regulação. São Paulo: Malheiros, 2019, p. 148-149.

[3] NANNI, Giovanni Ettore. Direito Civil e Arbitragem. São Paulo: Atlas, 2014, p. 3.

[4] OLIVEIRA, Gustavo Justino. Arbitragem e Contratos Públicos: Tendências e perspectivas. Revista Zênite ILC – Doutrina: 348/302/ABR/2019, p. 1-2. Ainda do mesmo autor, no mesmo artigo: "[...] a arbitragem não pode ser encarada como uma panaceia que resolverá todo e qualquer litígio administrativo". O autor é claro ao destacar que esta serve – e deve servir – a contratos mais complexos, como são os de infraestrutura, "que demandem uma expertise realmente elevada do decidido e cujo processo decisório ocorra em virtude dos interesses e valores envolvidos, em um tempo razoável bastante diverso dos prazos infindáveis em que os processos judiciais infelizmente vêm sendo solucionados".

[5] MAROLLA, Eugenia Cristina Cleto. A arbitragem e os contratos da administração pública. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 33-36.

[6] MASTROBUONO, Cristina Margarete Wagner. Opus citatum, p. 353-354.

[7] JUNQUEIRA, André Rodrigues. Arbitragem nas Parcerias Público-Privadas: um estudo de caso. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 106-115; 164-191.

[8] Ainda na sua dissertação de mestrado, em 2018, já chegava a essa mesma constatação André Rodrigues Junqueira. O autor apontava em sua pesquisa que, apesar de a afirmação de que a arbitragem é um instrumento adequado para a solução de disputas contratuais da administração Pública ser amplamente difundida em artigos e teses sobre Direito pdministrativo e arbitragem, os estudos para comprovar essa assertiva são escassos. Arremata o autor: "Ao que parece, trata-se de um 'lugar comum', repetido à exaustão, mas pouco explorado em profundidade." (JUNQUEIRA, André Rodrigues. Arbitragem nas Parcerias Público-Privadas: um estudo de caso. Dissertação (Mestrado em Direito). Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Orientação: Gustavo Justino de Oliveira. São Paulo, 2018, p. 106-107)

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