Parte não tem a obrigação de investigar árbitros, diz TJ de São Paulo

 Em uma arbitragem, as partes não têm obrigação de investigar os árbitros e eventuais conflitos de interesse. Mesmo se constatada depois da sentença arbitral, a violação do dever de revelação gera a nulidade do julgamento.

Para o TJ-SP, a violação do dever de revelação gera a nulidade do julgamento

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Foi com esse entendimento que a 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo anulou uma arbitragem. Um dos julgadores não revelou fatos relevantes sobre seu relacionamento com a defesa de uma das empresas. Os desembargadores também votaram para considerar o precedente válido para todos os conflitos semelhantes.

No caso, só depois da sentença arbitral, a companhia autora da anulatória descobriu a relação entre o advogado da empresa adversária com o presidente do painel arbitral. Com a arbitragem já em curso, os dois haviam atuado em uma mesma operação societária: um deles em temas relativos ao mercado de capitais; o outro, em relação a uma oferta de ações. Além disso, os profissionais representaram a empresa perante a Comissão de Valores Mobiliários em conjunto.

A anulatória havia sido negada na sentença de primeira instância — agora reformada. Para o juiz Andre Salomon Tudisco, da 1ª Vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem de SP, os fatos narrados pelos autores da ação não seriam “efetivamente capazes de causar dúvida razoável quanto à imparcialidade dos árbitros”. Ou seja, não haveria relevância para justificar o dever de revelação.

No TJ-SP, o único voto a dar razão ao juiz de primeira instância foi do desembargador Jorge Tosta, para quem seria obrigação das partes investigar a vida pregressa dos árbitros. No caso, destacou, a informação estava disponível na internet. Além disso, ele argumentou ser comum que profissionais altamente especializados atuem para uma mesma companhia e participem de um mesmo projeto.

"É até compreensível que não se preocupem em revelar algo que lhes parece corriqueiro, comum, de conhecimento público até que, como ressaltado, não seria relevante a ponto de prejudicar sua independência e imparcialidade como árbitro", afirmou o desembargador, que ficou vencido.

Voto condutor
Prevaleceu no colegiado o entendimento do relator, desembargador Maurício Pessoa, para quem a confiança no árbitro só pode ser garantida quando a relação é transparente. E cita doutrina de Ricardo Dalmaso: “A confiança somente é alcançada pelas partes no momento em que a elas é dada a oportunidade de conhecer o que há de relevante sobre o árbitro, independentemente de quem o indique, para que confiem (ou não) que exercerá seus deveres e obrigações à altura do quanto se busca contratar.”

Pessoa ainda destacou ser pacífico na jurisprudência o entendimento que o dever de revelação perdura durante toda arbitragem. “Caso surja algum fato superveniente que demande ser revelado, caberá ao árbitro revelá-lo, sob pena de macular a validade do procedimento.”

A anulação de sentença arbitral por causa de violação do dever de revelação não é um entendimento isolado no TJ-SP e, conforme o voto, já foi manifestado em outros julgados (Apelação Cível 1056400-47.2019.8.26.0100 e 1055194-66.2017.8.26.0100). Segundo o desembargador, o árbitro deveria ter revelado sua relação com o advogado da parte em nome da boa-fé objetiva.

“A possibilidade de a parte envolvida na arbitragem, por meios próprios, obter informações relevantes ao caso não relativiza o dever de revelação do árbitro; ao contrário, reforça-o no sentido e para o fim de concretizar a boa-fé objetiva, a lealdade e a transparência”, acrescenta.

Dever moral
Acompanhando o relator Maurício Pessoa, o desembargador Grava Brazil destacou que a regra da Lei de Arbitragem é clara: cabe ao árbitro revelar e à parte avaliar a informação revelada. "Não afasta o dever de revelação, a possibilidade de a parte, por diligência própria, obter informação a respeito", explicou.

"Havendo dúvida, por mínima que seja, o árbitro deve revelar o fato e se submeter ao juízo de valor da parte interessada. Afinal, arbitragem é uma opção da parte, é por ela instituída, ela que remunera o árbitro e é ela quem irá responder pelo que vier a ser deliberado pelo tribunal arbitral, diferentemente do juiz togado, que vive do seu ministério", disse o magistrado.

Para o desembargador Ricardo Negrão, o dever de revelação é o princípio garantidor da arbitragem e o mais importante instrumento encontrado pelo legislador para garantir a imparcialidade do árbitro.

"Nós não podemos admitir o completo afastamento de uma equidistância mínima que tem que ter o árbitro com as partes e nem tampouco admitir que vontade, nem mesmo a omissão das partes, possa flexibilizar o devido processo legal e regras imperativas da Lei de Arbitragem", disse.

Em seu voto, o desembargador Natan Zelinschi destacou que a capacidade de se buscar informações sobre o árbitro implicaria na transferência do dever de revelação como obrigação da parte contrária. "Ocorreria a inversão daquilo que o legislador disponibilizou", concluiu.

Clique para ler o voto do relator, Maurício Pessoa:parte-nao-obrigacao-investigar-arbitro.pdf (conjur.com.br) 

Processo 1116375-63.2020.8.26.0100


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