Legitimidade passiva na dissolução parcial da sociedade na jurisprudência do TJ-SP

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A dissolução parcial da sociedade, na qual ocorre o desfazimento do vínculo entre um ou mais sócios e sociedade, pode ocorrer judicialmente e foi prevista pelo Código de Processo Civil de 2015 sem que fosse feita distinção quanto à ação de apuração de haveres, por meio da qual é fixado e cobrado o valor devido pela sociedade ao sócio retirante.

Dentre as inconveniências de ordem prática decorrentes do tratamento unitário das duas ações pelo atual diploma processual [1], está a de se prever que, tanto na ação de dissolução parcial da sociedade, quanto na liquidação e cobrança dos haveres, o polo passivo deverá ser composto pelos sócios remanescentes e pela sociedade.

A decisão que extingue o vínculo de um ou mais sócios com a sociedade impacta a esfera jurídica dos demais integrantes, os quais devem ser cientificados e para os quais deve ser dada a oportunidade de intervir, razão pela qual deve haver litisconsórcio passivo necessário entre a sociedade e os sócios remanescentes na ação de dissolução parcial da sociedade.

Após a retirada do sócio, nasce para a sociedade, e não para os sócios remanescentes, o dever de liquidar a sua cota e pagar o valor da cota liquidada [2].

A relação jurídica de direito material que justifica a presença dos sócios que permanecem na sociedade no polo passivo da ação de dissolução parcial não subsiste para a apuração e cobrança de haveres.

Esse foi o entendimento da 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) ao julgar agravo de instrumento de sócio remanescente contra decisão que rejeitou sua exceção de pré-executividade fundada na ilegitimidade passiva [3].

Em seu voto, o desembargador relator doutor Sérgio Shimura frisou que seria necessário promover-se a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade antes que fosse atingido o patrimônio de seus sócios, o que não ocorreu no caso concreto.

O julgado, que parece oferecer a interpretação mais adequada dos dispositivos do Código de Processo Civil, vai ao encontro a outras decisões do tribunal [4].

Todavia, mais recentemente, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial vem decidindo de forma reiterada [5] que a desconsideração da personalidade jurídica não é necessária para a responsabilização do sócio remanescente:

"Os artigos 601 e 604, §1º do CPC de 2015 precisam ser interpretados de maneira conjugada e em consonância com a dinâmica funcional da atividade empresarial exercida por uma sociedade, como ente imaterial. Não é, nem mesmo, necessária a desconsideração da personalidade jurídica e a perquirição das hipóteses concretas previstas no artigo 50 do Código Civil, pois, conforme as regras processuais regentes do procedimento especial da ação de dissolução parcial de sociedades, os sócios remanescentes são, desde o início do trâmite do processo, incluídos na relação processual. Há de se destacar, inclusive, que esta inclusão obrigatória perderia sua razão de ser caso não pudessem ser extraídos os reflexos patrimoniais em relevo, os quais, como o acima exposto, derivam de uma interpretação sistemática da legislação vigente." [6]

Em contrariedade ao acima transcrito, entende-se que reflexos patrimoniais devem necessariamente resultar da responsabilidade por determinada dívida.

Não há na lei previsão de responsabilidade dos sócios remanescentes pelo pagamento dos haveres do sócio retirante sem a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade. Interpretação diversa violaria o disposto no artigo 49, A do Código Civil [7].

*Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Roma II—Tor Vergata, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT, UFBA, UFRJ e UFAM).

 

[1]  As diversas falhas na regulação do processo societário no tocante a este tema foram precisadas por Marcelo Vieira von Adamek no artigo https://www.conjur.com.br/2016-jun-20/problematica-disciplina-unitaria-dissolucao-sociedades-cpc

[2] Artigo 1.028 e artigo 1.031 do Código Civil.

[3] TJSP, AI 2033338-62.2022.8.26.0000, relator desembargador Sérgio Shimura; 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; j. 31/01/2023.

[4] TJSP, AI 2119461-05.2018.8.26.0000; relator desembargador Azuma Nishi; 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; j. 08/08/2018; TJSP, AI 2098950-20.2017.8.26.0000; relator desembargador Alexandre Lazzarini; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; j. 11/04/2018.

[5] TJSP, AI 2056902-75.2019.8.26.0000, relator desembargador CESAR CIAMPOLINI, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. 21/08/2019; TJSP, Ap 1000194-24.2015.8.26.0562, Rel. Des. Fortes Barbosa, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. 04/11/2021; TJSP, AI 2211127-82.2021.8.26.0000, relator desembargador Jane Franco Martins, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. 27/01/2022.

[6] TJSP, AI 2049489-06.2022.8.26.0000; relator desembargador Fortes Barbosa, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; j. 03/06/2022.

[7] Artigo 49-A. A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores.


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