Leilões de imóveis em juízos diferentes: há preferência de penhoras? Por Ricardo Calcini e Leandro Bocchi de Moraes

 Indubitavelmente, sabe-se que há na prática uma enorme diferença entre o contrato de natureza civil e o contrato de trabalho, haja vista as desigualdades das partes envolvidas na relação jurídica. Por tal razão, consequência lógica os procedimentos adotados na Justiça Comum são igualmente divergentes daqueles praticados na Justiça do Trabalho.

Dito isso, inquietações surgem, principalmente na fase executiva, na qual se buscam bens para a satisfação do crédito, dentre as quais temos a situação abrangendo a penhora de bem imóvel do executado.

Nesse sentido, questiona-se: qual o procedimento a ser adotado nos casos em que há diversas penhoras realizadas sobre o mesmo bem imóvel em juízos iguais e diferentes? Se o imóvel for penhorado mais de uma vez quem terá a preferência? E, mais, qual a diferença pode haver se tal fato ocorrer na Justiça do Trabalho ou na Justiça Comum?

Por certo, a temática é polêmica, tanto que o assunto foi indicado por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, desta ConJur [1], razão pela qual agradecemos o contato.

Do ponto de vista normativo, o parágrafo único do artigo 797 do Código de Processo Civil (CPC) dispõe que "recaindo mais de uma penhora sobre o mesmo bem, cada exequente conservará o seu título de preferência". Aliás, o artigo 845, §1º, do mesmo Diploma Legal, disciplina como deverá ser efetuada tal penhora [2].

Já o artigo 449 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) preceitua que os créditos de natureza trabalhista terão preferência em comparação àqueles decorrentes de falência, concordata ou dissolução da empresa [3].

A respeito da penhora de bens imóveis, registra-se a doutrina clássica de Rafael Guimarães, Ricardo Calcini e Richard Wilson Jamberg [4]:

"Dentre todos os bens passíveis de penhora, os bens imóveis são os que normalmente despertam maior interesse em arrematação, não só por sua valorização de mercado e possibilidade de aquisição por baixo valor, como também — e principalmente — pela maior segurança que possui o arrematante, porquanto não há o risco de o bem se perder, como acontece com bens móveis.
(...) A penhora do imóvel deve ser efetuada, preferencialmente, por termo no próprio processo (artigo 845, § 1º, CPC), independentemente de sua localização, mediante simples certidão cartorária, o que dispensa a realização de diligência específica por oficial de justiça, conferindo maior agilidade no ato de penhora, notadamente para garantir ao credor o direito de preferência (artigo 797 do CPC), bem como dispensa-se a confecção de carta precatória executória, na hipótese de imóvel fora da circunscrição da comarca."

Sob esta perspectiva, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já foi provocado a emitir juízo de valor sobre a questão envolvendo um imóvel penhorado na Justiça Comum, na qual o primeiro arrematante pretendida a nulidade da segunda arrematação, em razão da posterioridade do ato e, em consequência disso, a invalidade da transmissão da propriedade [5]. Na ocasião, o entendimento foi de que embora a segunda arrematação tenha sido posterior, não haveria que se falar em irregularidade ou vício, vez que o primeiro arrematante não procedeu com o registro corretamente da penhora.

Em seu voto, o ministro relator ponderou:

"Não se pode imputar como irregular a segunda arrematação, porque o descaso da primeira arrematante em não registrar a penhora, bem como a sua carta de arrematação possibilitou o processamento de posterior procedimento executivo sobre o mesmo bem, na qual foram observadas todas as cautelas registrais. Sendo assim, é a segunda arrematante, a legítima proprietária do bem, pois ela procedeu ao registro de sua carta de arrematação (expedida no dia 5/11/1998), na data de 15/12/1998, enquanto a primeira arrematante, possuindo semelhante documento desde o dia 30.01.1996, não efetuou o devido registro." [6]

Portanto, verifica-se que, nada obstante a segunda arrematação tenha ocorrido depois, de acordo com o citado entendimento jurisprudencial o registro é imprescindível para validade do ato. Frise-se, a propósito, que no Cadastro Nacional de Indisponibilidade de Bens (Cnib) irá constar apenas a indisponibilidade do bem imóvel por decretação do magistrado ou autoridade administrativa.

Logo, para que seja a penhora seja considerada válida, se faz necessária a observância da averbação, por meio eletrônico, nos termos do artigo 837 do CPC [7], junto ao cartório de registro de imóveis para que seja possível a expedição de ofícios visando a averbação na matrícula.

Outra questão relevante diz respeito às penhoras de imóveis levados à leilão quase que simultaneamente, e que ainda podem ser arrematados em juízos diferentes. Nessa situação, é fundamental que todos os atos praticados sejam devidamente registrados, inclusive eventual determinação do cancelamento da penhora, sob pena de nulidade do ato.

Aliás, o artigo 54 da Lei 13.097/2015 [8] dispõe que "os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel".

Noutro giro, é importante pontuar que o crédito trabalhista é privilegiado dada sua natureza alimentar. Por isso, nos termos do artigo 908 do CPC, "havendo pluralidade de credores ou exequentes, o dinheiro lhes será distribuído e entregue consoante a ordem das respectivas preferências".

Nesse sentido, a Corte Superior de Justiça, num caso em concreto, ao decidir sobre o conflito de competência entre tribunais diversos, entendeu que este deve ser decidido em observância a preferência legal [9].

Em seu voto, o ministro assim destacou:

"A propósito, conforme elucidado no referido julgado da 2ª Seção, 'a regra de que o juízo competente é aquele em que efetuada a primeira penhora se mostra adequada quando as múltiplas penhoras advêm de juízos diversos pertencentes a mesma Justiça, especializada ou comum, o que não é o caso dos autos.' [...] No caso submetido a análise do STJ, de conflito entre Justiças diversas, a solução para a entrega da prestação jurisdicional mais adequada é do juízo do crédito privilegiado, conferido por lei. Desta forma, o juízo competente para instaurar incidente o concurso de preferências é o JUÍZO TRABALHISTA, a ordem de quem deverá ser depositado o dinheiro realizado."

Em arremate, pode-se concluir que para que a arrematação seja reputada plena e eficaz é fundamental que seja realizado o registro da penhora e a averbação na matrícula do imóvel. De igual modo, em se tratando de diversas penhoras, em juízos diferentes, deve-se observar, para além dos requisitos de validade para arrematação, a própria natureza do crédito e a ordem de preferência. Afinal, o crédito trabalhista logra de prelação e, por força de sua natureza alimentar, revela-se como superprivilegiado [10].

 

[1] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[2] Art. 845. Efetuar-se-á a penhora onde se encontrem os bens, ainda que sob a posse, a detenção ou a guarda de terceiros. § 1º A penhora de imóveis, independentemente de onde se localizem, quando apresentada certidão da respectiva matrícula, e a penhora de veículos automotores, quando apresentada certidão que ateste a sua existência, serão realizadas por termo nos autos.

[3] Art. 449 - Os direitos oriundos da existência do contrato de trabalho subsistirão em caso de falência, concordata ou dissolução da empresa.

[4] Execução trabalhista na prática – Leme, SP: Mizuno, 2021, página 231 e 232.

[7] Art. 837. Obedecidas as normas de segurança instituídas sob critérios uniformes pelo Conselho Nacional de Justiça, a penhora de dinheiro e as averbações de penhoras de bens imóveis e móveis podem ser realizadas por meio eletrônico.

[10] AGRAVO DE PETIÇÃO. CREDOR HIPOTECÁRIO. PREFERÊNCIA DO CRÉDITO TRABALHISTA. PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO TRABALHISTA EM FACE DO BEM IMÓVEL. O crédito trabalhista, em razão de sua natureza alimentar, especial, é superprivilegiado (artigos 449 da CLT, 186 do CTN e 83 da Lei nº 11.101/2005), suplantando inclusive o crédito do credor hipotecário e outros créditos com garantia real, independentemente de o crédito trabalhista ser anterior ou posterior à constituição da hipoteca e de a penhora trabalhista ser anterior ou posterior à penhora cívelO E. Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência há muito consolidada no sentido de que "no concurso de credores estabelecem-se duas ordens de preferência: os créditos trabalhistas, os da Fazenda Federal, Estadual e Municipal e os com garantia real, nesta ordem; em um segundo momento, a preferência se estabelece em favor dos credores com penhora antecedente ao concurso, observando-se entre eles a ordem cronológica da constrição" (STJ, REsp 594.491/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 08/08/2005), de forma que a simples existência da hipoteca, ainda que constituída anteriormente à constituição do crédito trabalhista, ou o fato de o credor hipotecário possuir ação em curso em face dos executados, e ainda que a penhora cível seja anterior à trabalhista, porque o título executivo trabalhista é superprivilegiado, não obsta, de nenhuma forma, o prosseguimento da execução trabalhista em face do bem imóvel constrito e, em consequência, o seu praceamento. (Agravo de Petição Nº 0000326-22.2011.5.02.0089- 2ª Turma - Relator Juiz Convocado Rodrigo Garcia Schwarz).


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