TJ-SP remete ao STJ recurso sobre dever de revelação em arbitragem

 O Superior Tribunal de Justiça terá uma nova oportunidade para decidir em que medida o descumprimento do dever de revelação é capaz de justificar a anulação de uma sentença arbitral. O Tribunal de Justiça de São Paulo admitiu o processamento, pelo STJ, de um recurso especial contra acórdão da 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial.

O caso trata de uma rescisão de um contrato de parceria, consultoria e prestação de serviços oncológicos entre um médico e a Esho — Hospital Paulistano. A arbitragem entendeu que o profissional deu causa ao encerramento do acordo e o condenou a pagar R$ 4 milhões de reais ao estabelecimento, controlado pelo convênio médico Amil.

Na Justiça, o médico apontou violação ao dever de revelação e falta de imparcialidade de um dos julgadores, alegando que o árbitro era amigo de um dos advogados da empresa na disputa, além de terem dividido escritório e atuação em outros processos judiciais. O pedido de anulação da sentença arbitral foi rejeitado em primeira instância — decisão que foi mantida em segundo grau. 

A defesa do médico também indicou como paradigma uma liminar do mesmo colegiado, que apontou violação do dever de revelação de um árbitro na disputa entre a J&F e a Paper Excellence pelo controle da Eldorado Brasil Celulose e suspendeu, temporariamente, a transferência da propriedade da fábrica. O argumento também foi rejeitado em primeira e segunda instância.

"Nos referidos julgados, o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu a existência de vínculo entre um dos árbitros e o advogado de uma das partes na arbitragem, em razão de '...indícios de que tenha havido compartilhamento de endereço físico na cidade do Rio de Janeiro, linhas telefônicas, profissional(is) recepcionista(s) e, portanto, custos...'. Tal circunstância não se assemelha ao presente caso", escreveu o juiz Eduardo Palma Pellegrinelli.

Ao analisar o recurso em novembro de 2022, os desembargadores entenderam, por maioria, que é preciso verificar se o fato não revelado tem alguma relevância a ponto de afetar a imparcialidade e independência do árbitro. "Não é crível que em conflito desse jaez não tenham as partes e seus patronos promovido prévia e minuciosa consulta ao histórico profissional dos árbitros", acrescentou o desembargador Jorge Tosta, relator.

Ficou vencido naquele julgamento o desembargador Ricardo Negrão, que votou favoravelmente ao recurso para anular a sentença arbitral. "A violação do dever de revelação é em si mesmo causa de invalidade de todo o processo. Ou há ou não há violação do dever de revelação", observou.

Ao impetrar o recurso especial, a defesa do médico apontou que o acórdão não enfrentou todos os argumentos levados a julgamento, violou dispositivos de lei federal — no caso, a Lei de Arbitragem — além de existir divergência de entendimento entre tribunais. 

"A matéria controvertida — definir se, na aferição de ocorrência de violação ao dever de revelação do árbitro, basta concluir se o árbitro deixou ou não de informar fato relevante, uma vez que não cabe ao Judiciário avaliar e valorar a existência de prova de sua parcialidade ou dependência ou examinar o mérito do que foi decidido no procedimento arbitral, nos termos do voto vencido — foi satisfatoriamente exposta na petição de interposição e devidamente examinada pelo V. Acórdão, estando atendido o requisito do prequestionamento", escreveu o desembargador Beretta da Silva, ao determinar a remessa dos autos ao STJ. 

Não será a primeira vez que o STJ vai analisar o impacto do dever de revelação na validade de uma sentença arbitral. Em 2017, a corte não homologou uma arbitragem americana que havia condenado o empresário brasileiro Adriano Ometto a pagar US$ 100 milhões ao grupo espanhol Abengoa por descumprimento de um contrato. No caso, o STJ entendeu que um dos árbitros havia sido remunerado, durante o procedimento, pela empresa estrangeira para representá-la em outros processos. 

Está pendente de julgamento no STJ a disputa entre as corretoras Alper e Fazon. Neste caso, o TJ-SP anulou, em 2019, a sentença arbitral por entender que um dos árbitros não revelou que tinha sido contratado, pela Alper, para atuar em outra arbitragem. Há expectativa de que a tese da corte para orientar outros julgamentos sobre o dever de revelação venha da análise desse processo.


Processo 1097621-39.2021.8.26.0100.

Decisão: https://www.conjur.com.br/dl/tj-sp-remete-stj-recurso-dever.pdf 

Comentários