O Poder Judiciário pode oferecer ao imóvel de propriedade da empresa, mas que é usado para moradia dos sócios, a proteção contra penhora que a Lei 8.009/1990 confere aos bens de família. Em troca, o patrimônio pessoal dos empresários poderá ser alcançado para saldar a dívida, caso necessário.
Essa foi a proposta feita em voto da ministra Maria Isabel Gallotti, do Superior Tribunal de Justiça. A tese delineada acabou não usada no caso concreto julgado pela 4ª Turma, que foi devolvido às instâncias ordinárias para reapreciação de questões relevantes.
O processo envolve a cobrança de uma dívida por meio da penhora de quotas sociais de uma empresa de propriedade dos devedores. Eles se insurgiram porque o capital da pessoa jurídica é composto por um imóvel usado por eles próprios como moradia.
Para o Tribunal de Justiça de São Paulo, o imóvel pode ser penhorado porque pertence à pessoa jurídica. A corte entendeu que a proteção de impenhorabilidade prevista pela Lei 8.009/1990 se restringe aos bens de família das pessoas físicas.
A jurisprudência do STJ, no entanto, tem diversos precedentes indicando a possibilidade de considerar impenhorável o imóvel de empresa que é usado como residência. A posição se baseia no escopo da lei de conferir ampla proteção ao direito de moradia.
Para romper essa barreira, é necessário usar a desconsideração da personalidade jurídica. Em regra, ela serve para usar o patrimônio dos sócios para quitar uma dívida da empresa, nos casos em que fique demonstrada a tentativa de ocultação desses bens.
No caso dos autos, os devedores requisitaram o que a doutrina classifica como "desconsideração positiva da personalidade jurídica" — a autonomia patrimonial entre empresa e sócios é rompida não para alcançar, mas para proteger um bem, no caso a residência da família.
Em seu voto, a ministra Isabel Gallotti destacou que o uso dessa medida na jurisprudência do STJ, inicialmente, limitou-se aos casos de imóvel de pequenas empresas familiares, cujas quotas são inteiramente pertencentes aos devedores e seus familiares.
A tese, mais tarde, passou a ser aplicada de maneira indistinta, sem observar a circunstância que justificou a flexibilização do princípio da autonomia patrimonial. Por isso, a relatora propôs a definição de algumas medidas para balancear os julgamentos sobre o tema.
Também deve-se levar em conta a boa-fé do sócio morador. Isso implica analisar, caso a caso, se há indícios de que, por exemplo, o imóvel já era usado como moradia antes do vencimento da dívida ou se, ao contrário, passou a ser justamente para evitar sua penhora.
"Condutas como a compra pela sociedade de imóveis residenciais para a moradia dos sócios, de forma a destituir a empresa de patrimônio apto a servir de meio para a satisfação das obrigações contraídas no giro de seus negócios, não devem dar ensejo a esse tipo de desconsideração", defendeu.
Por fim, destacou que a desconsideração da personalidade jurídica deve ser uma via de mão dupla. Se é possível tornar o imóvel da empresa impenhorável para garantir a moradia dos devedores, também deve ser possível atingir o resto do patrimônio pessoal deles para saldar a dívida.
"A confusão patrimonial de ordem prática entre a sociedade familiar e o sócio morador, base para o benefício, será igualmente a base para a excussão de bens particulares dos sócios", propôs a ministra.
"Considero que essa solução preserva, em alguma medida, o princípio da integridade do capital social da empresa, atendendo à necessidade de proteção da residência familiar, escopo da Lei 8.009/1990, sem descurar, na medida do possível, dos direitos dos credores da sociedade."
A tese não foi aplicada no caso concreto porque não há certeza sobre o imóvel ser, de fato, residência da família dos devedores. Como o acórdão não apreciou a prova sobre o tema, a relatora determinou o retorno dos autos às instâncias ordinárias para novo julgamento. A votação foi unânime.
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