Produção antecipada de provas e arbitragem à luz do recente julgado do STJ, por Leonardo Fonseca

O Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Especial tratou de importante controvérsia no que se refere à produção antecipada de provas e arbitragem.1 Antes de adentrar ao mérito do julgamento, segue breve síntese fática do caso.


Blue Moon Fundo de Investimentos Multimercado, entrou com uma ação de produção antecipada de provas em face da empresa do setor de energia elétrica renovável, Renova Energia S.A, visando obter maiores informações sobre documentos da empresa, tendo em vista o contexto das operações da Polícia Federal (PF) que apontaram desvios de recursos da Renova por meio de contratos superfaturados entre estatal CEMIG e a Renova.2


A Renova em sua defesa alegou, além de questões societárias que afastariam a legitimidade da Blue Moon, trouxe como preliminar a exceção de jurisdição arbitral ante a previsão de cláusula compromissória no seu Estatuto Social prevendo que:


"(...) toda e qualquer disputa ou controvérsia que possa surgir entre eles, relacionada ou oriunda, em especial, da aplicação, validade, eficácia, interpretação, violação e seus efeitos, das disposições contidas na lei das S.A, neste Estatuto Social (...)".


Em primeira instância, a alegação preliminar da Renova foi acolhida, tendo sido o processo extinto sem julgamento do mérito, com fundamento no art. 485, IV do CPC.


Em síntese, entendeu o juízo de primeiro grau, haver um conflito entre a produção antecipada de provas, que constitui um direito autônomo e a previsão de medida cautelar na lei de Arbitragem que permite às partes, ingressarem no Judiciário para obtê-la, quando ainda não constituído o tribunal arbitral. Logo, deu-se a fundamentação no sentido de descaracterizar a urgência e assim delimitar que o procedimento deveria ser proposto perante o tribunal arbitral, tendo em vista a previsão da adoção da arbitragem no estatuto da companhia (Renova).


Em sede de Apelação o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo conferiu parcial provimento reconhecendo a competência da Justiça estatal bem como atendeu parcialmente o pedido de produção antecipada de provas. Seguido de Embargos de Declaração que foram rejeitados, restou a interposição do Recurso Especial em comento, no qual entre outros pontos levados ao Superior Tribunal de Justiça, tratará detidamente este artigo sobre a alegada violação do seguinte dispositivo legal:


"arts. 22-A da lei 9.307/1996 e art. 381, II e III, do CPC/2015. Defende, no ponto, ser o Poder Judiciário absolutamente incompetente para apreciar um pedido de produção antecipada de prova, fundado os incisos II e III do art. 381 do CPC/2015, sem o requisito de urgência/cautelaridade, nos termos exigidos no art. 22-A da lei 9.307/96".


Julgado pela Terceira Turma, teve a Relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze. No seu voto apresenta o instituto da arbitragem com o seu substrato que é o da autonomia da vontade das partes, tendo como reflexo o afastamento da jurisdição estatal ante a nomeação de um terceiro imparcial aprecia a demanda. O que não significa um afastamento total da jurisdição estatal, isso porque a própria lei de arbitragem prevê em seu art. 22-A que as partes podem se socorrer do judiciário nos casos há urgência e que o tribunal ainda não tenha sido constituído, cabendo ao árbitro em momento oportuno reavaliar o que foi tratado pelo juiz.


Eis o deslinde da controvérsia. Do ponto de vista do processo civil, são duas as formas de obtenção de provas, podendo ser por meio de uma ação de produção antecipada de provas, resultado das inovações trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015, ou por meio da ação cautelar que como pressupostos requer a demonstração de urgência e a cutelaridade.


Mas no que tange ao processo arbitral, com as alterações da lei 13.129/15 que trouxe reformas à lei de Arbitragem, foi inserido o art. 22-A que demandou extensa interpretação da doutrina visto que tal artigo prevê o estabelecimento da jurisdição estatal para conhecer de medidas cautelares e de urgência antes da instauração da arbitragem, mas em nada trata sobre o direito autônomo à produção de provas que prevê o CPC.


Esse tema ainda divide doutrinadores. Entre os que entendem que os limites de atuação do tribunal decorrem unicamente da abrangência do compromisso arbitral, o presente Recurso aborda o entendimento de Arthur Ferrari Arsuffi, que no tocante à produção antecipada de provas esclarece que se não demonstrada a urgência, somente seria possível a apreciação pelo tribunal arbitral no caso de haver previsão expressa no compromisso arbitral.


Embora o respeitável posicionamento trazido acima não seja isolado, a prevalência doutrinária tem sido a de legitimar o caráter jurisdicional da arbitragem com todos os seus efeitos, bem como o que dispõe as partes segundo o que lhes confere a autonomia privada.


Nesse sentido, o entendimento firmado no Recurso Especial em apreço, seguiu pela primazia da autonomia da vontade das partes, como segue parte do voto do Ministro Relator:


"Ausente esta situação de urgência, única capaz de autorizar a atuação provisória da Justiça estatal em cooperação, nos termos do art. 22-A da lei de Arbitragem, toda e qualquer pretensão - até mesmo a relacionada ao direito autônomo à prova, instrumentalizada pela ação de produção antecipada de provas, fundada nos incisos II e II do art. 381 do CPC/2015 - deve ser submetida ao Tribunal arbitral, segundo a vontade externada pelas partes contratantes."


O julgado segue destacando o entendimento mui respeitado na doutrina na figura do Flávio Luiz Yarshell que bem distingue os limites entre a jurisdição arbitral e estatal, ou seja, sendo o árbitro, juiz de fato e de direito, é lhe assegurado o exercício jurisdicional. Nas palavras do professor e que foram trazidas ao voto:


"Assim, inexistindo distinção entre a tutela alcançada em um e outro âmbito, não faz sentido retirar o procedimento de produção antecipada da prova do rol de atribuições do árbitro, a menos que se entenda que estaria ele a exercer apenas uma jurisdição parcial."3


Desta forma, não esgotando todas lições que contém o presente Julgado, mas deixando uma tônica do que representa tal julgado, passa-se para as considerações finais deste modesto artigo.


Por fim, a Terceira Turma do STJ, por unanimidade, deu provimento ao Recurso Especial conforme o voto do Ministro Relator restabelecendo integralmente o que havia sido decidido em 1º grau pelo Juízo da 2ª Vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem que inicialmente acolheu a preliminar de exceção de jurisdição arbitral e extinguido o processo sem julgamento do mérito.


Em conclusão, o que se extrai do recente Recurso Especial 2.023.615-SP é entendimento doutrinário e jurisprudencial cada vez mais legitimando o instituto da arbitragem, de forma a se preservar o seu caráter jurisdicional da mesma forma que ambas as jurisdições se complementam em grau e importância que surge de acordo com o caso concreto ou por expressa disposição de vontade das partes.


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1 STJ, REsp n. 2.023.615/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 14/3/2023, DJe de 20/3/2023.


2 https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2019/07/25/pf-deflagra-2-fase-da-e-o-vento-levou-que-mira-em-desvios-na-cemig.htm


3 Produção Antecipada de Prova Desvinculada da Urgência na Arbitragem: Réquiem? YARSHELL, Flávio Luiz; PEREIRA, Guilherme Setoguti (Coordenadores). in Processo Societário IV. São Paulo: Quartier Latin, 2021, p. 455-472


Saiba mais em: https://www.migalhas.com.br/coluna/observatorio-da-arbitragem/383779/notas-ao-julgamento-do-stj-no-recurso-especial-n-2-023-615  

Epa! Vimos que você copiou o texto. Sem problemas, desde que cite o link: https://www.migalhas.com.br/depeso/385293/producao-antecipada-de-provas-a-luz-do-recente-julgado-do-stj

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