Um resumo de 2022 em Família e Sucessões, por Flávio Tartuce

 Como já se tornou costume em colunas jurídicas de fim de ano, neste meu último texto de 2022 procurarei fazer um resumo do que foi mais importante no período que se encerra, para o Direito de Família e das Sucessões Brasileiro, com o objetivo de fazer balanços e para o planejamento do próximo ano que se inicia.

Não se pode negar que 2022 foi um "ano de retomada" de vários projetos jurídicos que foram interrompidos com a pandemia. Destaco, nesse contexto, que voltamos às Jornadas de Direito Civil, tendo sido realizada em maio do último ano a sua nona edição, em Brasília. Na ocasião, foram aprovados seis enunciados doutrinários, analisados na minha coluna de junho último. A comissão de Direito de Família e das Sucessões foi presidida pelo Ministro Mauro Campbell Marques, com o auxílio na coordenação dos juristas Professores Otavio Luiz Rodrigues Jr., Rodrigo Xavier Leonardo e Maria Berenice Dias. A relatoria da comissão coube ao Professor e Magistrado Pablo Stolze Gagliano. Sem dúvidas, essa foi a Jornada de Direito Civil em que prevaleceram teses relativas aos direitos das mulheres, sobretudo em temas de Direito de Família.

Além da IX Jornada de Direito Civil, o Conselho da Justiça Federal e o Superior Tribunal de Justiça promoveram a I Jornada de Direito Notarial e Registral, na cidade de Recife, em agosto de 2022. Da mesma forma, foram aprovadas ementas com destaque para o Direito de Família e das Sucessões, sendo pertinente mencionar cinco delas, apenas para ilustrar o seu alcance: "o procedimento de reconhecimento de filiação socioafetiva não deve ser encaminhado para a análise do Judiciário, quando a ausência de consentimento do genitor ocorrer em razão de seu falecimento prévio" (Enunciado n. 6); "o divórcio extrajudicial, por escritura pública, é cabível mesmo quando houver filhos menores, vedadas previsões relativas a guarda e a alimentos aos filhos" (Enunciado n. 74); "podem os cônjuges ou companheiros escolher outro regime de bens além do rol previsto no Código Civil, combinando regras dos regimes existentes – regime misto" (Enunciado n. 80); "podem os cônjuges, por meio de pacto antenupcial, optar pela não incidência da Súmula 377 do STF" (Enunciado n. 81); e "em regra, é válida a doação entre cônjuges que vivem sob o regime de separação obrigatória de bens" (Enunciado n. 82). Como se retira dos enunciados aprovados, a extrajudicialização parece ser um caminho sem volta do Direito de Família e das Sucessões em nosso país.

Essas duas Jornadas foram os principais eventos de Direito Privado do ano de 2022, com a aprovação de enunciados doutrinários de grande relevância teórica e prática, inclusive para o Direito de Família e das Sucessões, com a orientação de teses que devem ser muito aplicadas nos próximos anos.

Além da volta desses eventos de forma presencial, houve a retomada de congressos de Direito de Família e das Sucessões por todo o País, sobretudo os capitaneados pelo IBDFAM, que sempre congregam grande público. No nosso caso, tivemos a oportunidade de realizar e organizar novamente o X Congresso Paulista de Direito de Família do IBDFAMSP, entre os dias 22 e 26 de setembro de 2022, na sede da Associação dos Advogados de São Paulo. Com o auditório lotado e um total de quinhentos inscritos, voltamos aos intensos debates técnicos presenciais que sempre marcaram esse evento e prestamos uma justa homenagem ao nosso ex-presidente, o grande advogado familiarista Sérgio Marques da Cruz Filho.

Tivemos também a aprovação de leis importantes, como foi o caso da lei 14.382/2022, que instituiu o Serviço Eletrônico de Registros Públicos, SERP. Além de instituir o sistema de registro eletrônico, que ainda será regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça, a nova norma trouxe alterações relevantes importantes na Lei de Registros Públicos (lei 6.015/1973), facilitando e desjudicializando a alteração do nome, a conversão da união estável em casamento e o registro da união estável. Também foram efetivadas modificações nos procedimentos do casamento, facilitando-os. Os temas foram analisados em nossas colunas Famílias e Sucessões de julho e agosto. E também na coluna Migalhas Notariais e Registrais, em dois textos do mês de setembro, em coautoria com Carlos Eduardo Elias de Oliveira.

Além da Lei do SERP, foram efetivadas modificações na Lei da Alienação Parental (lei 12.318/2012), por meio da lei 14.340/2022, sobretudo nos procedimentos relacionados a ela (arts. 4º e 5º). Além disso, foi retirada a dura sanção da suspensão da autoridade parental, que estava no art. 6º, inc. VII, da Lei da Alienação Parental. Nesse último preceito também foram incluídos dois novos parágrafos. De acordo com o primeiro deles, caracterizada a mudança abusiva de endereço, a inviabilização ou a obstrução à convivência familiar, o juiz que analisa a alienação parental também poderá inverter a obrigação de levar para ou retirar a criança ou adolescente da residência do genitor, por ocasião das alternâncias dos períodos de convivência familiar. Ademais, conforme o segundo parágrafo acrescido, o acompanhamento psicológico ou o biopsicossocial deve ser submetido a avaliações periódicas, com a emissão, pelo menos, de um laudo inicial, que contenha a avaliação do caso e o indicativo da metodologia a ser empregada, e de um laudo final, ao término do acompanhamento.

No plano das decisões judiciais, sobretudo nos Tribunais Superiores, destaco o reconhecimento da repercussão geral a respeito da inconstitucionalidade do art. 1.641, inc. II, do Código Civil, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, em outubro de 2022. Como é notório, a norma estabelece a imposição do regime da separação obrigatória de bens para a pessoa maior de setenta anos, havendo tese de alegação de sua inconstitucionalidade há muito tempo, no âmbito da doutrina. Isso se deu nos autos do Agravo no Recurso Extraordinário 1.309.642/SP, com a Relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso (Tema 1.236). Assim, em breve a Corte deve trazer um veredicto acerca da temática, resolvendo esse antigo debate.

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