O ano de 2022 foi movimentado para o mundo da arbitragem. Foram diversas as decisões marcantes, os eventos profícuos e as discussões relevantes havidas em torno de temas caros à comunidade arbitral. Este texto cobre alguns desses desdobramentos ― sem pretensão alguma de exauri-los ― e projeta tendências para o mundo da arbitragem em 2023.
O Poder Judiciário também seguiu como importante aliado da arbitragem — o que não chega a ser novidade, dado o histórico de decisões que contribuíram decisivamente para que o Brasil se consolidasse como uma jurisdição favorável à arbitragem. Para ficar apenas no Superior Tribunal de Justiça, reiteradas decisões reafirmaram o basilar princípio da kompetenz-kompetenz, deferindo aos tribunais arbitrais a determinação de sua própria competência [2]. Cabe aqui, de todo modo, a observação de que a arbitragem é um sistema cujas regras próprias são capazes de endereçar conflitos procedimentais relacionados à competência dos tribunais arbitrais e, no limite, têm o condão de tornar despiciendo o recurso ao Poder Judiciário (notadamente o conflito de competência junto ao Superior Tribunal de Justiça) para esse fim.
O ano também foi repleto de eventos de notável sucesso. Particular destaque se deu à arbitragem societária, tema que dominou os congressos da Câmara de Comércio Internacional (CCI) — 10th Brazilian Arbitration Day, realizado em junho, em São Paulo —; do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA) — V Congresso Internacional CBMA de Arbitragem, realizado em agosto no Rio de Janeiro —; do Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr) — 21º Congresso Internacional do CBAr, realizado em setembro no Rio de Janeiro —; e do CAM-CCBC — 5th São Paulo Arbitration Week, realizada em outubro, em São Paulo. A arbitragem societária também foi tema do seminário "Arbitragem Coletiva Societária", organizado pelo STJ em junho. Tratou-se de louvável iniciativa de intercâmbio, com profícuos debates, entre Poder Judiciário, academia e prática privada sobre tópicos de crescente importância no cotidiano da arbitragem societária, notadamente a litispendência e os efeitos da coisa julgada em matéria de arbitragem coletiva.
A comunidade arbitral também se reuniu em torno de debates no Congresso Nacional acerca de temas ligados à arbitragem. O mais candente deles foi o Projeto de Lei nº 3.293/2021, que propõe alterações na Lei de Arbitragem para, dentre outras providências, aprofundar o dever de revelação do árbitro e limitar a quantidade de arbitragens por árbitro. O Projeto de Lei — que ainda não chegou a ser votado na Câmara dos Deputados — vem sendo severamente criticado pela comunidade arbitral pelo potencial de causar insegurança jurídica especialmente no que diz respeito à extensão do dever de revelação do árbitro.
Esses temas têm em comum a interdisciplinaridade dos conflitos, a exigir dos advogados habilidade para navegar por temas de direito material (administrativo, societário, regulatório etc.) e temas técnicos (contabilidade, engenharia etc.), além de capacidade de coordenação de diferentes times especializados que trabalhem de forma organizada na construção do caso. Sem isso, mostra-se difícil entregar trabalhos à altura da crescente exigência dos clientes — os usuários da arbitragem — por qualidade técnica e profundidade de análise.
[1] A nova regra sobre composição dos tribunais arbitrais é reveladora da maturidade do mercado brasileiro de arbitragem, que conta com numeroso pool de árbitros(as) muito preparados(as) e está em sintonia com a tendência global de redução da importância (ou até de eliminação) das listas de árbitros.
[2] Veja-se, por todas, a decisão no REsp nº 1.959.435/RJ, pela qual a Terceira Turma, em acórdão da lavra da eminente ministra Nancy Andrighi, entendeu que nem mesmo a falência de uma contratante de uma cláusula compromissória é suficiente para afastar-se o princípio da kompetenz-kompetenz, atribuindo ao tribunal arbitral o dever de avaliar a viabilidade da instauração da arbitragem naquele caso.
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