Exigência de imparcialidade dos outros sujeitos do processo judicial e arbitral, por Ana Luiza Nery

As partes têm direito ao julgamento da lide por um juiz imparcial que conduza o processo e decida de forma independente, isenta e impessoal. Trata-se de garantia própria do Estado Democrático de Direito e decorrência dos princípios do juiz natural e da igualdade. É por esse motivo, aliás, que a imparcialidade é um dos pressupostos processuais de desenvolvimento do processo, ou seja, sem sua presença o processo não se desenvolverá de forma válida e regular [1].

Mas a imparcialidade e a independência não são deveres restritos aos juízes: os auxiliares da justiça também se submetem às causas de impedimento ou suspeição, assim como, de maneira geral, todos os demais sujeitos imparciais do processo (artigo 148 do CPC).

Os auxiliares aparecem exemplificados no Código de Processo Civil. São, como regra, as pessoas cujas atribuições estejam determinadas pelas normas de organização judiciária, para auxílio na atividade jurisdicional: escrivão, chefe de secretaria, oficial de justiça, perito, depositário, administrador, intérprete, tradutor, mediador, conciliador judicial, partidor, distribuidor, contabilista e o regulador de avarias (artigo 149 do CPC). O CPC vai além: não só os auxiliares da justiça (os quais, por óbvio, precisam ser imparciais), mas, também todo e qualquer outro sujeito imparcial do processo. Portanto, todos os sujeitos que devem atuar no processo de modo imparcial sujeitam-se às regras relativas ao impedimento e à suspeição previstas pelos artigos 144 e 145 do CPC [2]. Assim, o membro do Ministério Público, quando atua como fiscal da lei, bem como os auxiliares da justiça devem ser imparciais, realizando suas funções de maneira impessoal, sem favorecimento a qualquer uma das partes.

Nesse caso, diferente do que ocorre com a suspeição e impedimento do juiz, para os demais sujeitos passivos acusados de parcialidade, a competência para o julgamento da alegação da parte é do próprio juiz que conduz o processo, porque nesse caso ele não será parte no incidente processual criado.

O CPC prevê o procedimento apenas para os processos em trâmite no primeiro grau, delegando de forma expressa aos regimentos internos a previsão do procedimento a ser seguido nos tribunais (artigo 148, § 3º, do CPC).

Ao perito e ao intérprete aplicam-se os motivos de impedimento e suspeição, por serem escolhidos pelo juiz e terem obrigação de atuar de forma imparcial. O mesmo não ocorre em relação aos assistentes técnicos, que, por serem auxiliares das partes, são ontologicamente parciais [3]. O fato de o perito ter posicionamento conhecido e favorável à tese de uma das partes não caracteriza a sua parcialidade. À vista da taxatividade das hipóteses de impedimento e suspeição, não se pode considerar o perito suspeito por simplesmente já ter trabalhado, em época anterior, para uma das partes do processo [4].

Também pode ser arguida a parcialidade do membro do Ministério Público, notadamente quando custos legis, mas, também, quando oficiar como parte, devendo os motivos da parcialidade ser examinados em atenção à função institucional do Ministério Público, por exemplo, em se tratando de ação relacionada a direitos difusos ou individuais homogêneos. [5]. O MP defende a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis (artigo 127 caput da CF), e por isso a ele devem se aplicar as hipóteses de impedimento suspeição, tendo em vista que não poderá agir extrapolando os parâmetros constitucionais [6]. Como não há previsão específica que crie qualquer limitação, as causas de imparcialidade e suspeição do membro do Ministério Público aplicam-se tanto no caso de o parquet participar do processo como parte, como fiscal da ordem jurídica.

funcionário público do Poder Judiciário (funcionários do cartório, escrivão, chefe de secretaria, oficial de justiça, partidor, contador do Juízo) também deve se revestir da necessária imparcialidade. Não existirá, porém, impedimento ou suspeição decorrentes de relação entre os serventuários, ou entre eles e o juiz. Evidentemente, se ocorre na serventia ocasião de reconhecimento de impedimento ou de suspeição de serventuário, deve ele abster-se de operar nos autos, devendo ser lançada certidão desse teor nos autos, para conhecimento público [7].

O mediador e o conciliador judicial são auxiliares da justiça e se submetem às regras de impedimento e suspeição por força dos artigos 148 II e 149 do CPC, além da previsão expressa do artigo 5º da Lei 13.140/2015. No mesmo sentido é a disposição do Código de Ética aplicável aos conciliadores e mediadores judiciais estabelecido pela Resolução CNJ 125/10.

As testemunhas também têm de ser imparciais, mas motivos de suspeição e impedimento da testemunha não são os dos artigos 144 e 145 do CPC, e sim os do artigo 447 §§ 2 e 3 do CPC.

Na arbitragem não é diferente: além de plenamente aplicáveis aos árbitros as causas de suspeição de impedimento de juízes por força do artigo 14 da Lei de Arbitragem, a imparcialidade e a independência também devem ser preservadas pelos secretários, assistentes do árbitro e peritos envolvidos no processo arbitral.

Na arbitragem internacional, recorremos às Rules on the Taking of Evidence in Internacional Arbitration da Internacional Bar Association (IBA) que estabeleceu, em seu artigo 5º, o dever do perito nomeado pela parte ser independente em relação às partes, aos advogados das partes e ao tribunal [8], se estendendo em relação aos regulamentos ao impor um dever de independência dos peritos nomeados pelas partes, sem, por outro lado, fazer qualquer menção a um dever de imparcialidade. Nesse particular, incumbe ao próprio tribunal arbitral assegurar que esses deveres sejam respeitados por todos aqueles que participarem enquanto sujeitos do processo arbitral, sob pena de nulidade da decisão e do procedimento [9].

Muito embora regulamentos de instituições internacionais, seguindo a orientação da Lei Modelo da Uncitral e das Regras da IBA, estabeleçam o dever de revelação do perito, criando, principalmente quanto aos peritos nomeados pelo tribunal arbitral, dever de independência e imparcialidade, tais deveres não aparecem expressos na Lei de Arbitragem e nos regulamentos de instituições brasileiras. Contudo, no Brasil, os peritos nomeados por um tribunal arbitral sediado no país estão sujeitos à legislação nacional. Ao fazer expressa referência ao Código de Processo Civil, a LArb permite concluir que o artigo 148, que equipara as hipóteses de suspeição e impedimento dos juízes aos peritos, seria também aplicável à arbitragem [10] [11].

Assim, mesmo que a lei não estabeleça dever de revelação do perito, pode-se afirmar que há dever implícito de que fatos que possam abalar sua imparcialidade e independência sejam previamente levados ao conhecimento das partes e do próprio tribunal arbitral.

Ao perito nomeado no processo arbitral é, portanto, plenamente aplicável o dever de revelação imposto aos árbitros, sendo exigível do expert que informe quaisquer circunstâncias que possam questionar a sua independência e imparcialidade, independentemente de regra legal ou convencional expressa. Caso isso não se verifique, poderá o comprometimento das conclusões da prova pericial embasar a sentença arbitral. Portanto, as partes e as instâncias arbitrais podem se manifestar pela não aceitação do expert, apresentando fundada recusa com base nos princípios fundamentais do processo [12].

Relevante ressaltar que a flexibilidade procedimental própria da arbitragem não pode se sobrepor à necessidade de observância de mecanismos que garantam um julgamento justo, por julgador imparcial e independente, o que se estende aos peritos de confiança por ele nomeados. A Lei de Arbitragem é clara ao assegurar, em seu artigo 2º, § 1º, ampla liberdade às partes desde que não haja violação à ordem pública. O mesmo se aplica para o tribunal arbitral ao estabelecer mecanismos de nomeação de peritos de sua confiança, que, devem, necessariamente, observar um procedimento transparente, marcado pela isenção na nomeação do expert [13].

 

[1] Cassio Scarpinella Bueno et alComentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, São Paulo: Saraiva Jus, 2017, p. 639.

[2] José Miguel Garcia Medina. Novo Código de Processo Civil Comentado, São Paulo: Revista dos Tribunais, 3.ª Ed., 2015, coment. I CPC 148, p. 261.

[3] Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery. Código de Processo Civil Comentado, 20.ª Ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022, coment. 5 CPC 148, pp. 560.

[4] Luiz Guilherme Marinoni et al. Código de Processo Civil Comentado, São Paulo: Revista dos Tribunais, 7.ª Ed., 2021, coment. 2 CPC 148, pp. 316-317.

[5] José Miguel Garcia Medina. Novo Código de Processo Civil Comentado, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 5.ª Ed., 2017, coment. I CPC 148, p. 282.

[6] Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery. Código de Processo Civil Comentado, 20.ª Ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022, coment. 3 CPC 148, pp. 560.

[7] Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery. Código de Processo Civil Comentado, 20.ª Ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022, coment. 4 CPC 148, pp. 560.

[8] Nestes termos o artigo da IBA:

“Article 5 Party-Appointed Experts

(...)

2. The Expert Report shall contain:

(…)

(c) statement of his or her independence from the Parties, their legal advisors and the Arbitral Tribunal”

[9] Ludmilla Vidal. O dever de revelação (duty of disclosure) à luz do princípio da confiança e o caso Tecnimont, in: Revista de Processo, vol. 284, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, pp. 507-534.

[10] André Chateaubriand Martins. Deveres de Imparcialidade e Independência dos peritos em arbitragem: uma reflexão sob a perspectiva da prática internacional, in: Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 39, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, pp. 99-229.

[11] Alguns regulamentos de centros arbitrais tratam da questão. A Câmara de Arbitragem Empresarial – CAMARB contém regra específica sobre o dever de revelação do expert ao estabelecer, no artigo 8.5 do seu Regulamento de Arbitragem, que “em relação ao perito, aplicar-se-á o disposto nos itens 4.10, 4.11 e 5.1 deste Regulamento, cabendo ao Tribunal Arbitral decidir sobre sua eventual impugnação”.

[12] Paulo Cesar Pinheiro Carneiro; Leonardo de Faria Schenk. O justo processo arbitral e o dever de revelação (disclosure) dos peritos, in: Revista Eletrônica de Direito Processual, vol. 12, n. 12, 2013, disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/issue/view/653, acesso em 14.10.2022, às 22h26min.

[13] André Chateaubriand Martins. Deveres de Imparcialidade e Independência dos peritos em arbitragem: uma reflexão sob a perspectiva da prática internacional, in: Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 39, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, pp. 99-229.

Comentários