Previsões sobre o sistema de Justiça brasileiro em 2042, por Vladimir Passos de Freitas

 

O título induz a previsões lançadas com forte grau de possibilidade de acertos e desacertos, mas feitas com base na minha experiência de mais de cinco décadas em temas ligados ao sistema de Justiça, vividos com os olhos atentos ao visível e ao que se esconde atrás de frases de efeito, bem como ao permanente contato com os profissionais do Direito de diversas áreas, em especial a magistratura. Em tais condições, atrevo-me a apontar situações que considero de possível existência em 2042.

A primeira observação que faço é sobre o porquê da escolha do ano 2042. Ela foi feita porque será daqui a 20 anos, ou seja, tempo estimado para a duração de uma geração.  Além disto, é uma previsão não deve ser tão distante que não desperte interesse e nem tão próxima que leve a mudanças pouco significativas.

Vejamos agora o imaginado panorama mundial, deslocando-se no tempo para 2042 e, a partir daí, fazendo a narrativa.

A guerra da Rússia contra a Ucrânia terminou em 2023, fruto de negociações, plenas, ainda que com desconfianças recíprocas. Os resultados, contudo, fizeram-se sentir por décadas, inclusive o aumento da pobreza em diversos países. No entanto, paradoxalmente, eles se tornaram mais unidos do que nunca. E por uma razão muito simples: as mazelas do aquecimento global atingiram todos indistintamente e isto impôs uma salutar ação conjunta para o combate às dificuldades.

Neste cenário o sistema de Justiça do Brasil tornou-se mais fracionado, muito diferente do que se praticava nos anos 2020. Entre as inovações e modificações, merecem registro as seguintes:

1.     Os Tribunais do Poder Judiciário passaram a ser administrados de forma diversa da atual. As atribuições dos presidentes passaram a ser mais de representação, cabendo a gestão administrativa a um administrador judicial com formação em tecnologia da informática ( TI)

2.     A busca de inovações e aperfeiçoamento são permanentes, baseadas nos modelos dos Laboratórios de Inovação e Centros de Inteligência criados há cerca de 25 anos, ocupando espaços enormes e um grande número de magistrados e servidores escolhidos por seu poder criativo, inclusive, como sugerido em 2022 por Vânila Moraes, "para a concretização e gestão do sistema de precedentes no Brasil, a partir da conexão em rede das diversas instâncias do Poder Judiciário".[1]

3.     Os espaços dos Tribunais foram redimensionados. A evolução da tecnologia fez com que varas judiciais e gabinetes nos Tribunais ficassem ociosos,  pois, a partir de 2026,  os magistrados e servidores passaram a trabalhar em casa, ficando apenas um plantonista por unidade. Os espaços passaram ser direcionados para órgãos do Poder Executivo  mais carentes.

4.     Em 2038 foram criados os Tribunais Federais de Águas , como forma de dar-se tratamento especializado aos recursos hídricos que se tornaram escassos. Referidos Tribunais, administrativos mas criados nos moldes do Judiciário,  reportam-se diretamente à Agência Nacional de Águas (ANA) e julgavam em instância única, cabendo recurso contra suas decisões aos Tribunais Regionais Federais, com exame exclusivo da obediência do devido processo legal e da ampla defesa, vedado o reexame da prova.

5.     As ações judiciais diminuíram drasticamente. Os conflitos passaram a ser decididos, na maioria absoluta das vezes, através de conciliações ou mediações. Na esfera criminal elas passaram a ser feitas em todos os tipos de crimes, inclusive homicídio. Na área cível, aumentaram as possibilidades e a prática de mediações através de advogados especializados, as quais passaram a ter força de título judicial. No âmbito do Judiciário elas se desenvolveram ainda mais, principalmente em casos de menor valor ou repercussão.

6.     O Poder Judiciário passou a ter forte ação preventiva, a fim de enfrentar os graves problemas das demandas repetitivas surgidas no início do século. Atentando para a possibilidade de repetição, qualquer juiz podia comunicar a presidência do Tribunal que pode determinar a instauração de processo de soluções preventivas, em local preparado para tal fim, com amplas dimensões e estrutura adequada.

7.     A jurisdição relegou a casos comprovados de fraude o cumprimento do princípio do juiz natural. As ações judiciais passaram a ser distribuídas por número de processos, independentemente do local da Subseção Judiciária ou da Comarca. Se em uma Vara a distribuição é menor, o juiz recebe processos de outras comarcas.[2]

8.     As demandas estruturais e os litígios de alta complexidade passaram a merecer tratamento especial, com flexibilização das regras processuais e provas conduzidas sob a linha mestra centrada na efetividade e com "adequações e adaptações das normas processuais existentes", como alertado por César Bochenek em 2022.[3]

9.     A Justiça do Trabalho remodelou-se totalmente, adaptando-se aos novos tempos e decidindo online em cerca de 90% dos casos, inclusive em mais casos de relações informais e de curta duração e de brasileiros trabalhando em plataformas espaciais e em centros de exploração marítimos.

10.                       As provas tornaram-se preponderantemente tecnológicas. Filmadoras fixas ou em veículos aéreos não tripulados acompanhando a vida das pessoas permanentemente. Reconhecimento facial e identificação pela íris  estão em todos os prédios públicos e privados, perícias são feitas à distância através de drones contendo escâner corporal, depoimento pessoal e ouvida de testemunhas são lembradas apenas nas aulas, mas sem utilidade na rotina forense.

11.                       A Justiça Criminal, face à existência constante de protestos em massa, por vezes com  danos ao patrimônio público e privado, passou a contar com grupos especializados de pronto atendimento, conectados com as forças de segurança e com o Ministério Público.

12.                       A persistência de desastres ambientais levou à criação de grupos especializados em cada Tribunal, prontos a atender pessoalmente e on line as ocorrências com medidas de urgência em todo o território da jurisdição que dependessem de autorização judicial, como permissão de enterro de corpos não identificados e encaminhamento de crianças encontradas sem os seus genitores.

13.                       Decisões por computadores instruídos com programas de elevado nível de perfeição passaram a decidir em tempo reduzido questões de direito, com base em precedentes, deixando aos magistrados as questões mais complexas.

14.                       Para facilitar a compreensão da distribuição dos serviços judiciários, principalmente para as pessoas de nível cultural mais baixo, o design dos prédios da Justiça passou a ser colorido e contar  com figuras e desenhos, experiência que se revelou de grande sucesso.[4]

15.                       Os outros atores do sistema de Justiça também sofreram alterações significativas. O Ministério Público passou a atuar em grupos especializados, por questões de efetividade e segurança (não reconhecimento pelas facções criminosas). A Defensoria passou a atender de forma coletiva, através de grandes grupos em espaços outrora destinados a quadras esportivas. As Procuradorias deixaram de propor execuções fiscais, as quais passaram a ser julgadas administrativamente, indo para a Vara Judicial somente nos casos de embargos. A Polícia tornou-se mais tecnológica, exigindo-se nos concursos públicos conhecimentos desta área, além dos jurídicos.

Bem, estas são algumas conjecturas, a respeito de um futuro de médio prazo. Cabe-nos lutar para que estas, e outras que surgirão fatalmente, sejam aplicadas com humanismo e respeito às pessoas.


[1] MORAES, Vanila Cardoso André de. Centros de Inteligência Judiciário — uma inovação perfeita para 2022 (Parte 2). Revista Eletrônica Consultor Jurídico, 16 jan. 2022. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-jan-16/centros-inteligencia-judiciarios-inovacao-perfeita-parte. Acesso em 3 mai. 2022.

[2] Esta prática já faz parte da realidade da Justiça Federal da 4ª. Região desde 2020.

[3] BOCHENEK, Antônio César. DEMANDAS ESTRUTURAIS E LITÍGIOS DE ALTA COMPLEXIDADE. Brasília,  Escola de Formação de Magistrados – ENFAM, p. 7, 2022.

[4] Sugestão inspirada no programa do curso de pós-graduação lato sensu da Escola de Formação de Magistrados (Enfam), que teve forte colaboração do juiz federal Marco Bruno Souza Miranda (SJRN)

Erro em laqueadura

Criança não pode pedir indenização por ter nascido, decide TRF-4

4ª turma negou recurso da criança, que foi excluída do polo ativo de ação contra erro médico em laqueadura.

Não tem direito a indenização por erro médico criança que nasceu após procedimento malfeito de laqueadura, cabendo apenas aos pais serem os requerentes. Com este entendimento, a 4ª turma do TRF da 4ª região negou recurso da DPU impetrado após a criança de dois anos ser excluída do polo ativo da ação em que o pai pede indenização.

 

No recurso, a Defensoria alegou que a retirada da criança do processo "afronta o direito fundamental de acesso à Justiça". Mas o colegiado manteve decisão de 1ª instância, segundo a qual, da forma como descrito o cenário, optaria a criança por "não receber a dádiva da vida", em decorrência de dificuldades econômicas enfrentadas pela família. "Buscaria, então, indenização pelo fato de ter nascido." Mas, como "inexiste o direito de inexistir", a menina não pode figurar no polo ativo da ação.

O caso

 

Em razão do suposto erro médico, mãe e filha buscaram a Justiça, ambas representadas pela Defensoria Pública da União. No processo, ajuizado em maio de 2021, a genitora afirmou que, em 2016, foi submetida a procedimento de esterilização no Hospital da Universidade Federal de Santa Maria. Apesar disso, em 2019, teve confirmada a gravidez, tendo a criança nascido em dezembro daquele ano. 

 

Pelos fatos, requisitou indenização por danos morais no valor de R$ 50 mil, e uma indenização continuada mensal por danos materiais no valor de meio salário-mínimo, até que a menina atingisse 18 anos.

 

No entanto, logo após o ajuizamento da ação, a mulher morreu devido a complicações de saúde em razão da covid-19. Por isso, o viúvo e pai da criança foi habilitado como autor, substituindo a companheira falecida no processo.

 

"Dádiva da vida"

 

Em 1º grau, o juízo determinou a exclusão da filha do polo ativo da ação. Para o juiz Federal, da forma como descrito o cenário, optaria a criança por não "receber a dádiva da vida", em decorrência da miserabilidade econômica enfrentada pela sua família. "Buscaria, então, indenização pelo fato de ter nascido", analisou.

 

"Todavia, em face da inexistência do 'direito de inexistir', há que determinar-se a retificação, de forma a extrair do polo ativo da ação, a menina, passando a figurar, como autores, somente os sucessores habilitados da falecida."

 

A DPU, em nome da menor, interpôs recurso ao TRF-4. No agravo de instrumento, alegou que a decisão "afronta o direito fundamental de acesso à justiça, na medida em que nega à agravante a possibilidade de figurar como parte no processo".

 

Ainda foi argumentado que "não há qualquer elemento a indicar que a agravante pleiteia suposto 'direito de inexistir'; na realidade, o que ela busca é o direito à reparação dos danos que a família sofreu por culpa do hospital".

 

Recurso negado

 

A 4ª turma da Corte negou o recurso. Em seu voto, o relator, juiz convocado Sérgio Renato Tejada Garcia, ressaltou que, em que pesem os argumentos deduzidos pela agravante, não há quaisquer reparos à decisão proferida pelo juízo de origem.

 

Segundo o magistrado, "em regra, a legitimidade ativa para a causa diz respeito à possibilidade de ir a juízo, na condição de parte, para postular direito material que alega ser próprio, e não alheio; ou seja, por legitimidade ativa entende-se a legitimidade para titularizar o direito pleiteado".

 

"No caso dos autos, possui legitimidade ativa para buscar a indenização pelo suposto erro médico ocorrido na laqueadura de trompas a autora, que engravidou e deu à luz a menina, o que, segundo a tese da inicial do processo originário, configuraria dano a ser reparado", concluiu, negando a possibilidade da menor litigar em nome próprio.

 

Os autos seguem em 1ª instância, e ainda não houve julgamento de mérito. 

Epa! Vimos que você copiou o texto. Sem problemas, desde que cite o link: https://www.migalhas.com.br/quentes/365859/crianca-nao-pode-pedir-indenizacao-por-ter-nascido-decide-trf-4

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