Dúvida não há de que a publicidade das demandas constitui uma garantia para o procedimento legal e imparcial dos tribunais, que se sobrepõe à vontade dos litigantes, devido à influência disciplinadora propiciada pela possibilidade que concede ao jurisdicionado de vigiar os atos e termos do processo. Ao mesmo tempo, a publicidade desvela a vertente pedagógica da Justiça. No mundo, a publicidade é a mais adequada técnica para uma boa justiça e um dos melhores meios de informação para a sociedade e para o desempenho da economia (Joan Picó i Junoy, "Las Garantías Constitucionales del Proceso", Barcelona, Bosch, 1997, página 116 ss).
Na mesma linha, Eduardo Couture, ao conceber a publicidade e transparência dos atos processuais como a própria essência do modelo democrático de tutela jurisdicional, assevera que representa ela um elemento necessário "para a aproximação da Justiça aos cidadãos" ("Fundamentos del Derecho Procesal Civil", 3ª ed., Buenos Aires, Depalma, 1966, página 87).
Atualmente, tem sido muito discutida a extensão da publicidade no âmbito do processo arbitral, regido, em regra, pelo princípio da confidencialidade, e, portanto, em regime de publicidade restrita.
A esse respeito, como já frisei em precedente artigo, as Varas Empresariais e de Conflitos Relacionados à Arbitragem da Comarca de São Paulo, de um modo geral, têm afastado a exceção constante do artigo 189, inciso IV, do Código de Processo Civil, em relação ao processo das ações anulatórias de sentença arbitral, por entendê-la incompatível com o texto constitucional.
A rigor, inconstitucionalidade não existe, mas, sim, uma antinomia com o princípio da ampla publicidade, sempre que o interesse público sobrepujar o interesse particular das partes.
Tanto é assim que a Comissão de Valores Mobiliários realizou audiência pública (SDM nº 01/21), visando a alterar a Instrução Normativa CVM nº 480, para estabelecer o dever de informação de demandas judiciais e arbitrais, em prol da proteção dos acionistas minoritários no mercado de valores mobiliários.
E, assim, diante da profícua cooperação de inúmeros especialistas, depois de intenso debate, foi baixada, em 29 de março de 2022, a Resolução CVM nº 80/22, que, dentre outras finalidades, determinou, às companhias abertas, "a comunicação sobre demandas societárias, nos termos e prazos estabelecidos no Anexo I".
Dispõe esse aludido Anexo I:
A comunicação das respectivas informações, acima especificada, torna-se obrigatória apenas para as demandas societárias que forem ajuizadas após a entrada em vigor da Resolução CVM nº 80/22, ou seja, a partir de 2 de maio p. passado.
Verifica-se facilmente que a confidencialidade, característica marcante do processo arbitral, deixa de existir em tais situações.
Ademais, como tais regras não têm o condão de revogar o artigo 189 do Código de Processo Civil, entendo que continua ele a vigorar integralmente, sendo que a segunda parte do caput desse dispositivo continuará incidindo em hipóteses excepcionais, podendo o juiz ou o tribunal arbitral deferir, de forma justificada, a publicidade restrita sobre determinados documentos protegidos pelo direito constitucional à intimidade ou que contenham, por exemplo, segredo industrial de patente.
Anoto, por fim, que o princípio da publicidade é de ordem pública e, por esta razão, não é passível de negócio jurídico processual celebrado entre as partes (artigo 190 do Código de Processo Civil), seja na esfera judicial, seja na arbitral, devendo ser considerado totalmente ineficaz.
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