O STJ admite a reclamação oral para fins de interrupção do prazo decadencial nas relações de consumo? Entenda a posição delineada pelo STJ sobre esse tema de significativa repercussão prática!

O tema de hoje é bastante interessante, sobre Direito do Consumidor, pois aborda situação corriqueira em nosso dia-a-dia. Refere-se ao vício dos produtos e a conseguinte responsabilidade dos fornecedores em repará-lo.

Como já vimos em alguns textos aqui no blog, os bens de consumos podem ser afetados por dois tipos de vício de qualidadea) vício de qualidade por inadequação (relacionado aos incidentes de consumo, que atacam a incolumidade econômica): protege o interesse econômico, de equivalência da prestação e contraprestação e refere-se à inaptidão do produto ou serviço de realizar o fim a que se destina; e b) vício de qualidade por insegurança (relacionado a acidentes de consumo – afeta incolumidade física ou psíquica): protege integridade pessoal do consumidor e seus bens.

Em caso de acidentes de consumo fala-se em fato do produto ou serviço, ao passo que em caso de incidente de consumo fala-se em vício do produto ou serviço.

O sistema da responsabilidade pelo vício do produto é semelhante ao dos vícios redibitórios (defeito oculto que torna o uso da coisa inapropriado ao fim a que se destina ou que lhe diminua o valor – art. 441 e seguintes do CC). No entanto, o CDC não se limita aos vícios ocultos. A distinção se o vício é oculto ou aparente não tem reflexo na responsabilidademas apenas na contagem dos prazos decadenciais.

O CDC traz, então, a previsão de prazo decadencial para reclamar de vícios (art. 26) e de prazo prescricional para reclamar de acidentes de consumo (art. 27 – danos sofridos pelo fato do produto ou serviço).

No caso de vício, o prazo decadencial para reclamar é de 30 dias para produtos não duráveis e 90 dias para duráveis. Como dito acima, é importante lembrar que a contagem deste prazo varia conforme se trate ou não de vício oculto, nos termos do §3o do art. 26.

Esse prazo é corrido ou há alguma causa que o obste? Vejamos o §2o do art. 26:

Art. 26: § 2° Obstam a decadência:

I – a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca;

II – (Vetado).

III – a instauração de inquérito civil, até seu encerramento.

O inciso I prevê que é causa obstativa da decadência a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor até a resposta inequívoca negativa, isto é, o prazo decadencial não corre após formulada a reclamação e enquanto o consumidor aguarda o atendimento desta ou sua negativa.

E o que é obstar a decadência? Significa suspensão ou interrupção do prazo? Há divergência, mas a melhor interpretação em favor do consumidor e considerando-se que os prazos são bastante exíguos é de interrupção (reinicia-se a contagem e é invalidado o prazo transcorrido).

Pois bem. Para, então, que o consumidor se beneficie dessa interrupção de prazo e possa fazer com que o fornecedor responda pelo vício do produto ou serviço adquirido, é preciso que comprove a realização desta reclamação administrativa a que alude o inciso I. Qual a forma, então, deve esta ser realizada? Apenas escrita, de maneira a facilitar a comprovação, ou é admitida a forma verbal, e por conseguinte qualquer meio de prova apto a comprová-la?

O STJ enfrentou a questão recentemente, entendendo que a reclamação que obsta a decadência pode sim ser feita verbalmente. Vejamos:

REsp 1.442.597-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 24/10/2017, DJe 30/10/2017 Ação redibitória. Reclamação que obsta a decadência. Forma documental ou verbal. Admissão. Comprovação pelo consumidor. A reclamação obstativa da decadência, prevista no art. 26, § 2º, I, do CDC pode ser feita documentalmente ou verbalmente. Na origem, trata-se de ação redibitória – extinta com resolução do mérito, ante o reconhecimento da decadência – por meio da qual se buscava a rescisão do contrato de compra e venda de veículo defeituoso. Nesse contexto, discute-se a forma pela qual o consumidor deve externar a reclamação prevista no art. 26, § 2º, I, do Código de Defesa do Consumidor. Nos termos do dispositivo supracitado, é causa obstativa da decadência, a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca. Infere-se do preceito legal que a lei não preestabelece uma forma para a realização da reclamação, exigindo apenas comprovação de que o fornecedor tomou ciência inequívoca quanto ao propósito do consumidor de reclamar pelos vícios do produto ou serviço. Com efeito, a reclamação obstativa da decadência pode ser feita documentalmente – por meio físico ou eletrônico – ou mesmo verbalmente – pessoalmente ou por telefone – e, consequentemente, a sua comprovação pode dar-se por todos os meios admitidos em direito. Afinal, supor que o consumidor, ao invés de servir-se do atendimento atualmente oferecido pelo mercado, vá burocratizar a relação, elaborando documento escrito e remetendo-o ao Cartório, é ir contra o andamento natural das relações de consumo. (grifei)

Ficou consignado, portanto, que a lei não exige o meio pelo qual deve o consumidor formular a reclamação administrativa, de modo que, comprovando-a, seja através de prova documental ou oral, há de ser obstado o prazo decadencial.

Embora o assunto seja simples, ele é de suma importância para que o consumidor seja adequadamente reparado em caso de vício, pois é importante lembrar que nessas hipóteses, não se tratando de produto essencial ou de substituição de parte que possa comprometer a qualidade ou características do produto ou ainda diminuir-lhe o valor, terá o fornecedor o direito de, no prazo de 30 dias, sanar o vício apontado.

O vício por inadequação confere primeiro o direito de o fornecedor reparar o consumidor, conforme art. 18, §1o e, apenas após o decurso do prazo de 30 dias poderá o consumidor exercer uma das escolhas elencadas nos incisos daquele parágrafo.

Neste sentido, julgado da Terceira Turma do STJ que esclarece a questão:

DIREITO DO CONSUMIDOR. DIREITO À REPARAÇÃO DE DANOS POR VÍCIO DO PRODUTO. Não tem direito à reparação de perdas e danos decorrentes do vício do produto o consumidor que, no prazo decadencial, não provocou o fornecedor para que este pudesse sanar o vício. Os vícios de qualidade por inadequação dão ensejo, primeiro, ao direito do fornecedor ou equiparado a corrigir o vício manifestado, mantendo-se íntegro o contrato firmado entre as partes. Apenas após o prazo trintídio do art. 18, §1o, do CDC ou a negativa de conserto, abre-se ao consumidor a opção entre três alternativas: a) a redibição do contrato; b) o abatimento do preço; ou c) a substituição do produto, ressalvada em qualquer hipótese a pretensão de reparação de perdas e danos decorrentes. A escolha quanto a alguma das soluções elencadas pela lei consumerista deve ser exercida no prazo decadencial do art. 26 do CDC, contado, por sua vez, após o transcurso do prazo trintídio para conserto do bem pelo fornecedor.[…] REsp 1.520.500-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 27/10/2015, DJe 13/11/2015 (Informativo 573).

Em suma, portanto, o consumidor deve provocar o fornecedor dentro do prazo decadencial para que este possa sanar o vício, o que pode ser feito tanto por escrito quanto verbalmente. Após o decurso de 30 dias sem que seja sanado, poderá o consumidor fazer uso de uma das alternativas elencadas no art. 18, §1o, CDC. E, por fim, se ao final daquele prazo não houver resposta negativa inequívoca, a decadência permanece interrompida, permitindo-se o ajuizamento da respectiva ação.


https://blog.ebeji.com.br/o-stj-admite-a-reclamacao-oral-para-fins-de-interrupcao-do-prazo-decadencial-nas-relacoes-de-consumo/ 

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