A interpretação dos negócios jurídicos processuais atípicos pelos Tribunais, por Rafael Goldstein

Passados mais de cinco anos desde a promulgação do Código de Processo Civil, esses julgados são bastante úteis para traçar parâmetros mais concretos daquilo que as partes podem, ou não, flexibilizar no procedimento judicial.


O artigo 190, do Código de Processo Civil, permite que partes, capazes, estipulem "mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais". Essas estipulações, conhecidas como negócios jurídicos processuais atípicos, submetem-se ao controle judicial em caso de nulidade ou manifesta vulnerabilidade de uma das partes (art. 190, §º único, CPC). A seguir, segue um breve compilado das principais decisões localizadas sobre o tema.


No Superior Tribunal de Justiça, há decisões afirmando que as partes (i) não podem pactuar a dispensa de publicação de acórdãos ou decretarem segredo de justiça ao processo (REsp 1698696/SP); (ii) não podem pactuar contratualmente honorários de sucumbência em 20% do débito objeto de execução de título extrajudicial (AREsp 1727069); (iii) não podem pactuar a redução de prazos processuais, especialmente os peremptórios para a interposição de recursos (EDcl no REsp 1922986); (iv) não podem dispor contratualmente que, havendo inadimplemento, o credor poderá pleitear o bloqueio de ativos financeiros sem oitiva do devedor e sem prestar garantia (REsp 18010444/SP).


De acordo com o Tribunal de Justiça de Alagoas, as partes poderão dispor contratualmente sobre quem será responsável pelo pagamento de custas processuais de ação judicial, e essa estipulação sobreviverá a eventual recuperação judicial da parte obrigada (Ap. Cível 00014637520098020051).


No entendimento do Tribunal de Justiça do Ceará, as partes poderão convencionar, em audiência, os fatos incontroversos da lide e a desnecessidade de instrução processual, sendo considerada litigância de má-fé conduta processual que deixe de observar aquela estipulação (Ap. Cível  00383209420148060064).


Como já decidiu o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, as partes (i) não podem pactuar sobre prazos processuais já preclusos (Ap. Cível 07221811820198070001) e (ii) não podem convencionar a suspensão do feito por mais de seis meses (Ap. Cível  07015315420188070010 e Ap. Cível 00321687320168070018).


O Tribunal de Justiça do Espírito Santo, por sua vez, já decidiu que as partes poderão pactuar calendário processual (art. 191, do CPC), mas eventual feriado deverá ser somado ao prazo acordado, a fim de "garanti[r] a regra processual de contagem do prazo apenas em dias úteis" (Ap. Cível 0006729-78.2017.8.08.0024).


No Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, há decisões afirmando que (i) as partes de ação indenizatória envolvendo acidente de trânsito podem pactuar a denunciação à lide de seguradora, mesmo depois de iniciada a fase instrutória (AI 14040946920188120000); e (ii) as partes podem pactuar a venda de imóvel vinculado ao Sistema Financeiro de Habitação pelo valor de mercado, ainda que inferior ao saldo devedor, flexibilizando a exigência do artigo 6º, da lei 5.741/71 (AI 14097665820188120000).


O Tribunal de Justiça do Paraná já decidiu que (i) as partes podem pactuar a modificação do Juízo, mesmo que a ação judicial já esteja em curso, pois o autor, criança portadora de espectro autista, mudou de domicílio (CC 0006309-30.2019.8.16.0170); (ii) as partes podem pactuar a penhora de imóveis como garantia de acordo judicial, não podendo o juízo se recusar a homologar o referido acordo por entender que a penhora seria "instituto processual civil decorrente do processo de execução, e não do negócio jurídico na modalidade de transação" (AI 00400051920188160000); e (iii) as partes podem pactuar que o descumprimento de acordo judicial ensejará a expedição imediata de mandado de despejo forçado, com renúncia a prazo para desocupação do imóvel (AI 00526946120198160000).


No Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, há decisões afirmando que (i) as partes poderão dispor contratualmente que a citação, intimação ou notificação será válida mesmo quando não efetuada na pessoa da devedora, mas entregue a gerente, preposto ou outro encarregado (AI 00866375120208190000); (ii) as partes de ação coletiva ajuizada por sindicato pleiteando a restituição de proventos de aposentadoria de associados não poderão pactuar "sejam rejeitados liminarmente todos os pedidos de habilitação direta de sucessores, passados, atuais e futuros" (AI 00569162520188190000); e (iii) as partes poderão pactuar calendário processual, mas o prazo que terminar durante feriado/recesso forense deverá ser postergado até o primeiro dia útil subsequente (Ap. Cível 00112116320168190003).


O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul já decidiu que (i) as partes podem pactuar, em sessão de mediação, pelo chamamento ao processo de terceiros (AI 5076386782020821700); (ii) as partes podem modificar o termo inicial para contagem do prazo de contestação, especificamente quando aquele prazo estava previsto para se iniciar em audiência de conciliação que não foi realizada (Ap. Cível 03133611120178217000); (iii) as partes podem acordar, no curso de ação de execução, pela conversão da averbação premonitória em penhora do imóvel como forma de garantir o pagamento integral do débito pelo devedor (Ap. Cível 02292858320198217000).


Quanto ao Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, há decisões no sentido de que (i) ao celebrar contrato de compra e venda, as partes não podem convencionar sobre os honorários advocatícios de sucumbência de eventual ação futura, por tratar-se de direito de terceiro (advogado) (Ap. Cível 030308741.2017.8.24.0036); (ii) as partes poderão pactuar, no curso do processo, a dispensa de provas e o julgamento antecipado da lide, sendo vedado ao magistrado ignorar esse negócio jurídico e inverter o ônus probatório (AI 40046253920188240000); (iii) as partes poderão pactuar a suspensão do processo por prazo superior aos seis meses previstos no artigo 313, II, §4º, do CPC (Ap. Cível 0001425-45.2015.8.24.0082).


De forma semelhante, o Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe também já afirmou que as partes poderão celebrar negócio jurídico processual para suspender o processo por prazo superior a seis meses (Ap. Cível 201900801209).


O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por sua vez, decidiu que as partes (i) não podem pactuar o percentual dos honorários de sucumbência para eventual ação judicial futura, por ser essa atividade própria do julgador (AI 20813824920218260000); (ii) podem pactuar que, na hipótese de descumprimento de acordo extrajudicial pela parte devedora, o juízo procederá ao arresto cautelar de seus bens, com intimação a posteriori (AI 22979075920208260000); (iii) podem pactuar contratualmente que, em eventual ação de execução, a devedora poderá ser citada por e-mail (AI 20055460720208260000); (iv) não podem pactuar, em contrato de locação, que a citação para eventual ação judicial se dará por meio de carta com aviso de recebimento, dispensando-se a assinatura pessoal dos devedores (AI 22816699620198260000); (v) não podem celebrar negócio jurídico processual para que tramite sob segredo de justiça a ação que não se enquadre nas hipóteses legais cabíveis (AI 20307046420208260000); (vi) não podem prever o encerramento da recuperação judicial antes do prazo bienal de fiscalização judicial (AI 22453390320198260000); e (vii) não podem dispor sobre os honorários periciais, por não serem direitos das partes, mas sim, remuneração do expert (AI 22339545820198260000).


Finalmente, o Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins já confirmou que as partes não podem celebrar negócio jurídico processual para converter procedimento comum em procedimento de jurisdição voluntária (artigo 725, VIII, do CPC), com o objetivo de se isentarem de eventuais custas processuais (Ap. Cível 00013723320188272715).


O levantamento jurisprudencial feito para este artigo não pretende exaurir o tema, mas, tão somente, ilustrar como os Tribunais de Justiça têm interpretado os negócios jurídicos processuais em casos concretos. Passados mais de cinco anos desde a promulgação do Código de Processo Civil, esses julgados são bastante úteis para traçar parâmetros mais concretos daquilo que as partes podem, ou não, flexibilizar no procedimento judicial.


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