Concepção equivocada sobre arbitragem , por Joaquim Muniz

Tradicionalmente, a arbitragem sofre críticas por supostamente ser um “countryclub”, sempre com os mesmos árbitros e advogados, que levariam vantagem no procedimento em virtude de seus relacionamentos. Mais recentemente, os questionamentos passaram a focar também na ausência de publicidade doprocedimento arbitral, que teria se tornado uma “sociedade secreta”, em que decisões importantíssimas têm sido tomadas sob o manto da confidencialidade, sem accountability.

Esses pensamentos equivocados parecem ter contaminado alguns membros do Poder Judiciário observarmos a decisão do Tribunal de justiça de São Paulo (Tj-SP), que não concedeu sigilo a uma ação anulatória de sentença arbitral, considerando inconstitucional o artigo do Código de Processo Civil (CPC) que prevê segredo de justiça em processos judiciais relacionados a arbitragens confidenciais.

A comunidade arbitral não é uma sociedade secreta, mas se alguém a vê assim, é sinal de que estamos fazendo algo de errado.

De fato, como regra geral, a publicidade é positiva. Como dito pelo ministro da Suprema Corte norte-americana Louis Brandeis há mais de um século, a luz do sol é o melhor desinfetante. Além disso, o fato de a arbitragem não ser um processo público traz desvantagens para todo o sistema jurídico, tal como a ausência de acompanhamento por terceiros de como as questões jurídicas estão sendo julgadas.

Contudo, a conveniência ou não da regra do sigilo não torna a norma processual inconstitucional. A Constituição Federal prevê que a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade e o interesse social o exigirem. “Defesa de intimidade” e “interesse social” representam conceitos abertos. O Código de Processo Civil de 2015 incluiu, por sugestão de grupo de estudos da PUC-SP e da OAB-Rj, liderado pelo professor Francisco Cahalie do qual participei, que o sigilo abrangeria ações relativas a arbitragens nas quais todas as partes convencionaram confidencialidade. Ora, por que as partes fariamisso? justamente para a defesa da intimidade.

Explica-se: uma das grandes vantagens da arbitragem está justamente na possibilidade de o litígio ser confidencial. Isso pode se justificar por pelo menos três motivos, todos legítimos. O primeiro é não revelar a terceiros que se estão litigando com determinada parte ou sobre certo assunto, seguido por evitar risco de vazamento de dados estratégicos, que podem ser discutidos, por exemplo, no curso de uma perícia, e permitir discussão ampla e franca sobre questões delicadas, como debates sobre passivos em arbitragens de M&A.

Todos esses motivos se referem à intimidade das partes, que deveria estar protegida à luz da Constituição. Com o devido respeito, as partes estão mais capacitadas do que o Poder Judiciário a definir até onde vai a sua intimidade. Portanto, se as partes determinam que certa arbitragem deve ser confidencial para proteger sua intimidade, não vejo razão para a justiça duvidar.

Supostamente, o maior argumento contrário ao segredo de justiça seria a ausênciade interesse social para a confidencialidade. Discordo desse ponto de vista, por duas razões. Em primeiro Iugar, arbitragens envolvem direitos patrimoniais disponíveis, geralmente de cunho econômico. Assim, o conhecimento de seu conteúdo não seria, em geral, de interesse social, mas apenas das partes. Em segundo lugar, e mais importante, o sigilo sobre questões sensíveis desempenha sim um papel de interesse para a sociedade. As partes provavelmente não litigariam determinadas matérias caso elas se tornassem públicas, hipótese em que o conflito ficaria reprimido e a questão pendente, com consequências econômicas adversas. A arbitragem confidencial permite a resolução da controvérsia, pacificando as partes e propiciando uma maior eficiência nas relações econômicas.

Porém, assim como o princípio da publicidade dos atos processuais não é absoluto, tampouco o direito à confidencialidade deve ser. A decisão do Tj-SP antes mencionada, embora esteja equivocada quanto à inconstitucionalidade do segredo de justiça, atingiu o ponto fraco da falta de prestação de contas dos árbitros, pela dificuldade de acesso às suas decisões pelos usuários da arbitragem.

A comunidade arbitral não é uma sociedade secreta, mas se alguém a vê assim, é sinal de que estamos fazendo algo de errado em termos de comunicação ao público. É urgente, portanto, que haja mais transparência – o que difere, contudo, da publicidade total.

Algumas instituições pioneiras apontam o caminho, ao revelar ao público o nome dos árbitros e publicar ementa das decisões dos principais casos. O ideal seria disponibilizar ao público os trechos principais das maiores arbitragens, devidamente anonimizadas, ou seja, sem o nome das partes e retirando todas as informações que possam identificá-las, porém com a decisão das matérias processuais e de mérito para que todos possam saber como os árbitros estão julgando. Trata-se de passo relevante para legitimar a arbitragem e permitir maior escrutínio da qualidade das sentenças.

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