O exame de pareamento do código genético (DNA) de parentes em demandas de investigação de paternidade: a Lei 14.138/2021 e suas possibilidades

 No dia 16 de Abril de 2021 foi promulgada e publicada a Lei 14.138 a fim de se permitir a utilização de exame de pareamento do código genético (DNA) em parentes do suposto pai no âmbito das ações de investigação de paternidade.

A novel legislação introduziu um § 2º ao artigo 2-A da Lei 8.560/1992, estatuto que regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento.

Dispõe o texto de lei em referência o seguinte: “§ 2º Se o suposto pai houver falecido ou não existir notícia de seu paradeiro, o juiz determinará, a expensas do autor da ação, a realização do exame de pareamento do código genético (DNA) em parentes consanguíneos, preferindo-se os de grau mais próximo aos mais distantes, importando a recusa em presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório” (grifo nosso).

Não é nova na sistemática processual brasileira a realização do exame de DNA para a aferição da paternidade biológica, possuindo a prova pericial certeza quase que absoluta em seu resultado.

Havia, no entanto, certa controvérsia quanto à obrigatoriedade do suposto pai a se submeter ao exame genético, tendo o Supremo Tribunal Federal, nos idos de 1994, assentado a impossibilidade de coerção física para a coleta do material genético (STF, HC 71.373/RS – Tribunal Pleno, Rel. para Acórdão Min. Marco Aurélio Mello – j. 10.11.1994).

Todavia, no mesmo precedente, o STF estabeleceu importante premissa processual para o caso da negativa do fornecimento de material genético para a realização do exame: haveria presunção relativa de que o suposto pai teria vínculos genético com a criança, autorizando-se então o reconhecimento da paternidade.

Referido entendimento acabou se consolidando na doutrina, na jurisprudência e na própria legislação.

Na legislação, o Código Civil de 2002 passou a estabelecer tal presunção em seus artigos 231 e 232, os quais dispõem o seguinte:

Art. 231. Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa.

Art. 232. A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame.

No âmbito da jurisprudência, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 301, nos seguintes termos: "em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade".

A partir de referido preceito sumular, passou o STJ a entender que a presunção acaba por gerar a inversão do ônus da prova em desfavor do suposto pai, de modo que passava ele a ter que provar, por outros meios lícitos, que inexistia o vínculo biológico seu com a criança, tudo a afastar a parentalidade.

Mesmo consolidada a posição jurisprudencial, em 2009 sobreveio a Lei 12.004 que introduziu na Lei 8.560/1992 norma expressa acerca da presunção, incluindo naquele diploma normativo o artigo 2º-A, nos seguintes termos: “Na ação de investigação de paternidade, todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, serão hábeis para provar a verdade dos fatos. Parágrafo único. A recusa do réu em se submeter ao exame de código genético - DNA - gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório".

Pois bem.

Legislação, doutrina e jurisprudência já haviam consolidado o entendimento acerca da presunção relativa de paternidade para os casos em que, em sede de ação de investigação, o suposto pai negava-se a fornecer material genético para o exame de DNA.

Todavia, para os casos em que suposto pai falecera sem deixar material biológico passível de análise (cremação, por exemplo), bem como para os casos de desaparecimento do suposto pai, conquanto fosse possível a realização do pareamento do código genético com seus parentes consanguíneos (avós e irmãos), não se mostrava lícito que a mesma presunção probatória fosse imposta aos parentes, caso houvesse recusa por parte deles no fornecimento do material.

Ainda que a ratio fosse semelhante, é certo que a legislação até então existente, escorada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, apontava para a presunção apenas em detrimento do suposto pai. Em outras palavras, tratando-se de regras de inversão do ônus probatório, sua interpretação deve ser sempre restritiva, especialmente diante de quadros de direitos personalíssimos, de modo que era desarrazoado adotar aquela premissa para impor aos parentes consequências jurídicas derivadas de vínculo biológico de paternidade (os quais, evidentemente, são relevantíssimos tanto em vista do direito de família quanto do direito das sucessões).

Nesse ponto, aliás, é interessante a lição de Rolf Madaleno (Curso de Direito de Família. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011) ao tratar do tema:

“O indício da omissão dos parentes, portanto, não se compara com a recusa do suposto pai, primeiro, porque as regras de presunção contidas na Lei n. 12.004/2009 e na Súmula n. 301 do STJ são endereçadas ao suposto pai renitente, e não para os seus parentes. Depois, diante do evento morte do indigitado genitor, o autor da ação dispõe de outras provas biológicas, que podem ser periciadas sobre os restos mortais do falecido com a exumação do cadáver, isso se o corpo não foi cremado, isto se não existir material biológico que ele tenha, ainda em vida, depositado em custódia em um laboratório ou banco genético, com a finalidade específica de esse material ser consultado pela autoridade competente e interferir positiva ou negativamente nos direitos constitucionais concernentes à identidade e origem genética de outras pessoas”.

E, diante de tal quadro, é que a novel legislação é bem-vinda e acaba por superar os problemas suscitados pela doutrina acerca da inexistência de legislação a respeito. A partir de agora, não só nos casos em que o suposto pai se nega a fornecer material genético para a realização do exame de DNA haverá a presunção relativa de paternidade, mas também quando os seus demais parentes, na impossibilidade daquele, sofrerão as consequências jurídicas de referida negativa, invertendo-se o ônus probatório.

Embora parte do drama vivido pelo filho não seja superado com tais presunções, na medida em que no mais das vezes se busca com as investigações de paternidade é uma identidade genética, a Lei viabiliza plenamente, a partir de agora, que os vínculos biológicos sejam estabelecidos processualmente para garantir minimamente a possibilidade de se estabelecer consequências jurídicas importantes para os envolvidos.

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