Formas alternativas de resolução de conflito como compliance consumerista - Por Flávia do Canto e Augusto Caye

 Sabe-se que o processo judicial per se não implica efetivo acesso à Justiça [1]. Assim, alternative dispute resolutions (ADR) [2] vêm ganhando força e sendo implementadas e encorajadas nos mais diversos ordenamentos jurídicos: a mediação e a conciliação são incentivadas dentro dos sistemas legais internos, e a negociação hoje é valorizada e reconhecida dentro das universidades [3].

A adoção de formas alternativas de resolução de conflito traz maiores vantagens à empresa na medida em que impede a formação de um litígio judicial, mais custoso e demorado [4]. Além disso, são uma contribuição significativa na accountability, na transparência e na governança de uma organização empresarial em razão da reconciliação das partes (como na conciliação) e obtenção de um resultado rápido [5], e, portanto, interessam à adoção de um programa de compliance. Da mesma forma que também a adoção desse programa serve aos interesses de entidades que provenham essas formas alternativas de resolução de conflitos [6].

compliance consumerista busca reduzir o número de sanções e a implementação de condutas de acordo com as normas consumeristas a serem implantadas pela empresa [7]. Essa área busca arrefecer riscos no que tange eventuais sanções administrativas e litígios judiciais, como também fortalecer o vínculo formado com o consumidor, fidelizando o público alvo ao formar uma relação de credibilidade [8]. As práticas abusivas devem ser eliminadas por interesse de todos os agentes econômicos: o Estado, os fornecedores e os consumidores. Assim, representa uma responsabilidade compartilhada entre todos os agentes pela criação de um mercado ético [9]. Ele se manifestará no agir da empresa no momento do atendimento, da oferta, na forma de realizar respostas para os órgãos fiscalizatórios como o Procon, na sua imagem pública, além de um bom atendimento ao consumidor por meio de Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) e ouvidoria.

No Brasil, a Política Nacional das Relações de Consumo e o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor formulam a base de uma estrutura que confere ao poder público a oportunidade de agir pela proteção do consumidor [10], o que se manifesta através de diversas entidades civis, promotorias e delegacias especializadas, entre outras. Faz parte dessa política a atribuição aos Procons e o exercício do poder de polícia administrativa, buscando a prevenção de violações contra o consumidor, a fiscalização dos atos e a punição de infratores econômicos, sendo notável que as condutas preventivas apresentam maior efetividade que as ações punitivas pecuniárias [11]. O próprio CDC traz em seu artigo 4º, inciso V, o incentivo à criação de formas eficientes de controle de qualidade e segurança, além de incentivos a resolução de conflitos por meios alternativos.

Observa-se que a massiva quantidade de ações ingressas nos Tribunais de Justiça versa sobre o Direito do Consumidor, dos quais apenas dez empresas concentram metade dos processos, a sua maioria bancos e telefônicas [12]. A maior parte das grandes empresas do mercado brasileiro possuem planos de compliance; estariam estas falhando em prever uma forma de compliance consumerista, acarretando no incremento de buscas de reparo por parte do consumidor no Poder Judiciário?

Em análise dos programas de integridade, manuais de regras, procedimentos e controles internos de grandes empresas que realizam o comércio business to consumer (B2C), se verificou que nenhuma trouxe qualquer previsão sobre como deve realizar o tratamento junto ao consumidor, apesar de ter extenso regramento sobre comportamento em combate à corrupção, fraude e lavagem de dinheiro [13]. Já em outros países, por exemplo, a adaptação ao compliance consumerista é ofertada como serviço por empresas de auditoria como a KPMG [14] e a PwC [15] no mercado financeiro estadunidense.

Em um processo de sustentabilidade institucional, a ouvidoria, o compliance e a auditoria interna se transformam em instrumentos que, empregadas em conjunto, fomentam o desenvolvimento a longo prazo da instituição [16]. A auditoria interna realiza a avaliação da eficácia da gestão dos processos de governança adotados pela empresa, identificando vetores em desalinho; o compliance busca a gestão de riscos como os de sanções legais, financeiros, reputacionais, e providencia com a adoção de procedimentos que asseguram à organização sua conformidade com normas internas e externas, tudo visando a um agir não só legal, como também ético; e, por fim, a ouvidoria constitui uma protagonista como canal de comunicação direto e eficiente, mediando as relações entre os consumidores e organizações.

Quando todos os setores dentro de uma organização estão voltados ao consumidor e esse está no centro do negócio (customer centric), a tendência é a redução de reclamações nos órgãos de defesa dos consumidores e a sua fidelização.

Os fornecedores que adotam pequenas mudanças no processo de resposta as reclamações, naturalmente reduzem os processos judiciais e administrativos. E, acima de tudo, contribuem para a política nacional de relações de consumo [17].

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