Debates iniciais sobre distinção para precedentes em formação, por Silvano José Gomes Flumignan

 O Código de Processo Civil sistematizou os precedentes normativos no Direito brasileiro. Dentro dessa concepção de aplicação de regime jurídico, o legislador previu a importante técnica da distinção (distinguishing) ligada aos precedentes normativos. A distinção é uma técnica que busca comparar os pressupostos de fato e de direito preponderantes para a tese do precedente em relação a um determinado caso concreto. Se os pressupostos forem os mesmos ou, pelo menos, existir grande similitude fática e jurídica, o precedente é adequado àquele caso. Se, por outro lado, os casos não forem similares, haverá inadequação do precedente. A doutrina [1] costuma dedicar seu foco a precedentes já formados diante da previsão do artigo 489, §1º, V e VI, do CPC [2], resta ainda a discussão para precedentes em formação. A distinção para precedentes em formação tem gerado grandes celeumas práticas e vários aspectos doutrinários ainda não foram bem delineados. A partir do artigo 1.037, §9º, do CPC, o legislador disciplinou o procedimento da distinção em relação a precedentes em formação. Pela literalidade das regras previstas, o procedimento seria aplicável aos recursos especiais e extraordinários repetitivos [3]. Da análise dos dispositivos, pelo menos cinco indagações precisam ser respondidas pela doutrina e pela jurisprudência:

1) Qual a finalidade do procedimento de distinção para precedentes normativos em formação?

2) O procedimento é aplicável apenas aos recursos especiais e extraordinários repetitivos?

3) Qual a natureza jurídica do ato que determina a suspensão?

4) O ato que determina a suspensão é recorrível?

5) Qual o procedimento previsto pelo legislador?

A resposta à primeira indagação é obtida a partir da leitura conjunta do inciso II com o parágrafo 9º, do artigo 1.037, do CPC. O objetivo da distinção para o precedente em formação é afastar o efeito processual de suspensão do procedimento até a decisão do repetitivo. Como se vê, o incidente somente faz sentido se na decisão de afetação do tema para a formação de precedente existir a determinação de suspensão em algum grau. Caso não seja determinada a suspensão, não há que se falar em distinção e aquele que, eventualmente, requerer em juízo a aplicação do procedimento previsto a partir do artigo 1.037, §9º, do CPC carecerá de interesse jurídico no requerimento. A segunda indagação proposta foi enfrentada no REsp 1846109/SP em relação ao incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR). O acórdão determinou a aplicação do incidente de distinção ao IRDR mesmo sem previsão legislativa expressa [4]. De fato, o CPC criou um microssistema de precedentes e alguns tipos de atos decisórios, em regra, geram repercussões normativas em relação a outros processos. Entre essas hipóteses, destacam-se o incidente de assunção de competência (IAC), o IRDR e os recursos especiais e extraordinários repetitivos. Para todas essas hipóteses, é possível a aplicação do procedimento de distinção previsto nos §§9º-13, do artigo 1.037, ainda que seja por analogia. Aliás, além do referido REsp 1846109/SP, o enunciado 142 da II Jornada de Direito Processual Civil do CJF também prevê a aplicação [5]. A terceira indagação gera a necessidade de um importante enfrentamento que levará, necessariamente, ao debate do quarto questionamento. O ato que determina a suspensão do processo em curso na pendência da decisão da afetação tem conteúdo decisório de acordo com o disposto no artigo 1.037, §8º, do CPC:

"Artigo 1.037, § 8º, do CPC  As partes deverão ser intimadas da decisão de suspensão de seu processo, a ser proferida pelo respectivo juiz ou relator quando informado da decisão a que se refere o inciso II do caput" (grifo do autor).

No entanto, não é esse o entendimento majoritário do STJ. De acordo com a corte superior, o ato que determina a suspensão não teria conteúdo decisório, mesmo o legislador tendo previsão expressa em sentido contrário [6]. O entendimento do STJ é contrário ao Enunciado 81 da I Jornada de Direito Processual Civil do STJ, que prevê o recurso de agravo interno contra a decisão que determina o retorno dos autos ao tribunal de origem quando do ato que determina a suspensão pela afetação de tema para julgamento no formato dos repetitivos [7]. Em verdade, nenhuma das posições, STJ e Enunciado 81 da I Jornada, encontra correspondência na legislação processual civil. Pela previsão textual do CPC, em resposta à quinta indagação, o ato decisório que determina a suspensão é irrecorrível de imediato. Logo, o resultado das decisões do STJ que não conhecem do recurso de agravo interno encontra ressonância na legislação, mas não pelo fundamento lançado nos acórdãos. O ato de suspensão tem conteúdo decisório, mas não é recorrível de imediato. Pela previsão dos §§9º a 13, do artigo 1.037, do CPC, é preciso que a parte, por petição, demonstre a distinção. Essa postulação não tem a natureza de recurso, mas tem o condão de iniciar um incidente. As demais partes integrantes do processo deverão ser intimadas para apresentar manifestação no prazo de cinco dias sobre o requerimento de distinção. Depois da manifestação ou do decurso do prazo, o magistrado competente decidirá sobre a distinção. Dessa última decisão, cabe recurso. O recurso variará a depender do momento em que o processo foi suspenso. Se a suspensão ocorreu no primeiro grau, caberá agravo de instrumento. Se a suspensão ocorreu no âmbito de Tribunal de Justiça, Tribunal Regional Federal, Superior Tribunal de Justiça ou Supremo Tribunal Federal, caberá agravo interno. Assim, não significa que a decisão em relação à suspensão não tem conteúdo decisório. Significa, simplesmente, que ela não é recorrível de imediato. Com essa verificação, em caso de eventual recurso direto contra a decisão de suspensão, poderão ser tomadas duas saídas: não conhecimento do recurso pelo fato de a decisão ser irrecorrível imediatamente ou, pelo princípio da primazia do julgamento do mérito e da fungibilidade das manifestações processuais, converter a peça inaugural do recurso em requerimento de distinção, adotando o procedimento previsto a partir do artigo 1.037, §9º, do CPC.  Ante o exposto, o presente trabalho não tem o condão de esgotar o tema, mas de demonstrar que é preciso um estudo mais aprofundado sobre a distinção para precedentes normativos em formação.

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