Em 29/4/2021, foi publicado nesta coluna artigo intitulado "Majoração e redução da multa do art. 537, do CPC". Na ocasião, foi noticiado julgamento da Corte Especial do STJ nos autos do EARESP 650.536/RJ, ocorrido em 9/4/2021, por meio do qual se afirmou que o seguinte "(...) instrumento legal para forçar o cumprimento de uma decisão judicial, as astreintes (multa cominatória) podem ter o seu valor revisto a qualquer tempo, a pedido ou por iniciativa do próprio juízo, sempre que se mostrar desproporcional ou desarrazoado, ou causar enriquecimento ilícito a uma das partes (...)".
Apesar de tal acórdão ainda não ter sido publicado e a informação acima ter sido extraída do "site" de notícias do próprio STJ1, ela chama a atenção de todos porque o § 1º do art. 537 do CPC expressamente determina que só pode ser alterado a periodicidade e o valor da multa vencida. Entretanto, apesar da literalidade da lei, a Corte Especial do STJ, no EARESP 650.536/RJ, decidiu que haveria possibilidade de alteração, sim, das multas vencidas.
Porém, recentemente, o STJ, por meio de acórdão da Segunda Turma, proferido nos autos do REsp 1.778.885/DF, Rel. Ministro OG FERNANDES, julgado em 15/06/2021, publicado no DJe em 21/06/2021, foi firmado o entendimento de que a multa cominatória (astreintes) vencida não poderia ser alterada. Confira-se:
"PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. OBRIGAÇÕES DE FAZER. SUPERVENIENTE CUMPRIMENTO DO TÍTULO. INTERESSE RECURSAL QUANTO ÀS PARCELAS VENCIDAS. TERMO FINAL DAS ASTREINTES. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DO ART. 537, § 4º, DO CPC. CÔMPUTO DO PRAZO. DIAS ÚTEIS. APLICAÇÃO DA REGRA CONTIDA NO ART. 219 DO CPC. RECURSO CONHECIDO, EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, NÃO PROVIDO.
1. O cumprimento posterior da obrigação de fazer não interfere na exigibilidade da multa cominatória vencida, na linha do que dispõe o art. 537, § 1º, do CPC, que confere autorização legal para a modificação do valor, periodicidade, ou ainda, para a extinção da multa vincenda. Logo, as parcelas vencidas são insuscetíveis de alteração pelo magistrado, razão pela qual persiste o interesse recursal na presente insurgência.
(...)
3. O Superior Tribunal de Justiça, ao examinar a natureza do prazo fixado para o cumprimento das obrigações de pagar quantia certa, concluiu que "a intimação para o cumprimento de sentença, independentemente de quem seja o destinatário, tem como finalidade a prática de um ato processual, pois, além de estar previsto na própria legislação processual (CPC), também traz consequências para o processo, caso não seja adimplido o débito no prazo legal, tais como a incidência de multa, fixação de honorários advocatícios, possibilidade de penhora de bens e valores, início do prazo para impugnação ao cumprimento de sentença, dentre outras. E, sendo um ato processual, o respectivo prazo, por decorrência lógica, terá a mesma natureza jurídica, o que faz incidir a norma do art. 219 do CPC/2015, que determina a contagem em dias úteis" (REsp 1.708.348/RJ, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 25/6/2019, DJe 1º/8/2019).
4. A mesma ratio contida no precedente indicado acima deve ser aplicada ao presente caso, que diz respeito ao momento a partir do qual se considera que houve o descumprimento das obrigações de fazer constantes do título judicial. Ainda que a prestação de fazer seja ato a ser praticado pela parte, não se pode desconsiderar a natureza processual do prazo judicial fixado para o cumprimento da sentença, o que atrai a incidência da regra contida no art. 219 do CPC.
5. Tratando-se de instrumento de coerção para a efetividade da tutela jurisdicional, a incidência da multa prevista no art. 536, § 1º, e 537 do CPC é consectário lógico do descumprimento da ordem judicial, não se confundindo com a postulação de direito material apresentada em juízo. Por isso, o cômputo do prazo estipulado em dias para a prática das prestações de fazer não destoa do regime legal previsto para os demais prazos processuais, devendo-se considerar os dias úteis.
6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, improvido.
(REsp 1778885/DF, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/06/2021, DJe 21/06/2021, grifos nossos).
No julgamento, foi suscitada a perda superveniente do interesse de recorrer, pois houve o cumprimento posterior da obrigação de fazer, o que poderia levar à alteração da multa vencida e até a sua extinção da multa. Porém, o STJ afastou este argumento afirmando o seguinte:
"Como se observa, apenas há autorização legal para a modificação da multa do valor, da periodicidade, ou ainda, para a extinção da multa vincenda, o que significa que as parcelas já vencidas são insuscetíveis de posterior alteração pelo magistrado".
Note-se que a afirmação acima, extraída do REsp 1.778.885/DF, cujo julgamento ocorreu em 15.06.2021, pela Segunda Turma, é no sentido contrário da afirmação extraída do EARESP 650.536/RJ, julgado em 09.04.2021, pela Corte Especial do STJ.
Conforme já sustentamos em 29.04.2021, acreditamos que o entendimento da Corte Especial do STJ está correto, pois há situações em que até o valor da multa vencida deve ser alterado ou extinto, quando há flagrante desproporção do valor fixado ou enriquecimento ilícito do exequente. Assim, continuamos aguardando a publicação do acórdão do EARESP 650.536/RJ para verificar a íntegra da decisão e confirmar o seu acerto.
Obviamente, há outro tema de direito processual civil muito importante ventilado no acórdão cuja ementa foi acima transcrita (REsp 1.778.885/DF), que diz respeito a forma de contar o prazo para cumprimento de uma obrigação de fazer, que deve ser em computado em dias úteis, mas vamos deixar isso para ser objeto de outro artigo nessa mesma coluna.
Comentários
Postar um comentário