E agora? E as visitas? Direito de Família na pandemia, por Giselle Gabrielle de Andrade Moreira da Silva

A situação global da pandemia denominada coronavírus nos trouxe uma série de reflexões em todos os âmbitos da vida cotidiana, e, neste trilhar, seguem o direito e os juristas, que são convidados a novas decisões acerca da vida humana.
O reflexo da pandemia nas relações jurídicas é tão intenso, quanto às adaptações necessárias a esta nova forma de viver a vida. A mais complexa relação jurídica está atrelada ao afeto, que nestes tempos difíceis precisa de novas respostas para equilibrar o convívio das famílias e, principalmente, resguardar o direito das crianças e adolescentes.
No final da relação conjugal, variam os modelos adotados por cada ex-cônjuge na manutenção do convívio familiar com a prole: há famílias que conseguem se ajustar e se entender com equilíbrio; outras, com dificuldades de acerto na adaptação do novo modelo, seja para eleger o tipo de guarda, seja para estabelecer o regime de visitas, por vezes todos permeados pela rivalidade instaurada entre os genitores.
De qualquer forma, sempre é necessário sopesar os direitos em questão e as necessidades de cada família, para se ter a melhor resposta voltada ao interesse da criança e do adolescente.
Neste cenário de pandemia, surge então o direito à convivência, o direito ao afeto  e o direito à saúde.
É certo que a Constituição Federal, no seu artigo 227, aponta como dever da família, sociedade e Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à convivência familiar, entre outros.
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) vem para descrever e apontar no que consiste esta proteção de prioridade absoluta e a proteção integral das crianças e adolescentes. Em relação à saúde, ao direito de visitas e à convivência familiar merecem destaque os seguintes artigos:
“Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.
Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.
Art. 19. É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral.
§ 4º Será garantida a convivência da criança e do adolescente com a mãe ou o pai privado de liberdade, por meio de visitas periódicas promovidas pelo responsável ou, nas hipóteses de acolhimento institucional, pela entidade responsável, independentemente de autorização judicial.
Art. 21. O poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.”
Evidente que, na referida lei, há uma preocupação em assegurar o direito à saúde, à vida das crianças e adolescentes, mas também o direito à convivência familiar entre os genitores e a prole. Em tempos como o atual, são estes direitos que exigem ponderação e dependerão das peculiaridades de cada caso concreto.
Assim, devem ser levadas em consideração algumas importantes indagações: A criança/adolescente está no grupo de risco? Seria possível diminuir a visita do genitor e estabelecer a realização de exame para averiguar a existência do vírus a cada contato com a prole? O genitor/genitora exerce atividades que são extremamente sujeitas ao contato com o vírus? É possível estabelecer visitas por vídeo? Há outras pessoas que convivem com a criança/ adolescente que são do grupo de risco?
Para cada caso em concreto, deverá ser adotada uma medida que garanta um equilíbrio em torno da convivência entre os genitores e a prole e o direito à saúde das crianças/adolescentes (art. 227 da CF e ECA).
Neste sentido, recente decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo entendeu que era necessário suspender a visita do genitor, até que transcorresse o período de risco contágio, diante da profissão daquele:
(...) "Como no momento vivenciamos situação de excepcionalidade, dadas as restrições de locomoção de pessoas em todos os continentes, a situação a que a autora se refere guarda perfeita relação de pertinência. Em razão da pandemia decorrente da propagação do coronavírus, é realmente recomendável, por força da profissão exercida pelo requerido. As visitas do pai a filha até o dia 21 de março ficam suspensas, a partir da data ele deverá exercer seu direito normalmente, caso não tenha apresentado nenhum dos sintomas da gripe causada pelo coronavírus". (1014033-60.2018.8.26.0482, relator: Juiz Eduardo Gesse, Data da decisão: 18.03.20,TJ/SP)
No Tribunal de Justiça do Paraná, por outro lado, entendeu por bem estipular a convivência do genitor e prole por vídeo para evitar o risco de contágio:
(...) ''Não obstante a grande importância do direito à convivência familiar para o pleno desenvolvimento das crianças e dos adolescentes, entende-se que no caso em exame deve preponderar o direito à saúde, a fim de impedir que as crianças e os adolescentes vivenciem situações que possam acarretar sua contaminação pelo novo coronavírus.'' (Regulamentação de Visitas, relator: juiz Robespierre Foureaux Alves, data da decisão: 02.04.20 – TJ/PR)
Ainda, oportuno lembrar o direito à convivência da prole e do genitor/genitora privada da liberdade, situação que se mostra muito mais delicada, em razão do evidente aumento do risco de contaminação. Nesta situação, seria possível o Poder Público oferecer visita por vídeo  monitorada para que o vínculo não fosse prejudicado?
Neste sentido, importante mencionar a brilhante decisão interlocutória da Douta Juíza Dra. Paula Fernanda de Sousa Vasconcelos Navarro da 9ª Vara da Fazenda Pública do Estado de São Paulo, na qual deferiu a tutela antecipada para que o Estado garanta as visitas dos presos e suas famílias pelo meio virtual1 (processo 1024682-42.2020.8.26.0053).
O Conselho Nacional de Justiça, para amenizar o impacto da proibição de visitantes nos presídios, tem apoiado e promovido as visitas sociais virtuais.2
Enfim, muitas são as situações específicas e os desafios que o Poder Judiciário deverá enfrentar para garantir os direitos envolvidos em razão do novo cenário. Claro sempre lembrando que a medição é uma grande saída para os temores vividos na atualidade.
_________
2 Visitas virtuais amenizam impacto de fechamento de presídios, diz CNJ.
_________

Comentários