Despejo liminar após o veto ao RJET: uma solução simples ,por Haroldo Lourenço

O Brasil publicou a sua lei emergencial (lei Federal 14.010/20) para enfrentamento à pandemia mundial do novo coronavírus, instituindo um Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET), tendo o seu art. 9º pretendido vedar a concessão de liminares nas ações de despejo1, contudo, foi totalmente vetado pela presidência.

É interessante que as razões do veto2 se mostraram alinhadas com alguns dos propósitos da lei 13.874/19 (Liberdade Econômica), que prestigia um modelo contratual mais liberal, pautado na autonomia privada e na valorização do pacta sunt servanda3.

Assim, restou um cenário nebuloso pois, a priori, a “resposta legislativa” diante do veto foi no sentido de se permitir o desalijo em todas as situações autorizadas pela lei, que inclusive são consideravelmente ampliadas pela jurisprudência4, não havendo nenhum dispositivo legislativo que regulamente da retomada dos imóveis durante o período pandêmico. 

Nessa linha, algumas questões merecem reflexão. 

A nomenclatura “liminar" virou expressão promíscua, utilizada indistintamente para várias decisões judiciais. Liminar é a decisão judicial proferida no início do processo5, antes da citação da parte contrária, contudo, em 1991, ano de publicação da lei de locações (8.245/91) não havia sido, sequer, generalizada a tutela antecipada6, portanto, grande mérito para a lei do inquilinato que se mostrou de vanguarda.

Atualmente, com o sistema processual está mais amadurecido sobre o tema e, genuinamente, o que se tem nos incisos do art. 59, §1º, da lei 8.245/91 são tutelas de evidência documentais, semelhante as hipóteses previstas no art. 311, II, III e IV do CPC/15.

Tutela de evidência é uma técnica processual fundada no alto grau de probabilidade do direito alegado, redistribuindo o ônus do tempo necessário para desenvolvimento de um processo e a prolação de uma decisão definitiva7, permitindo a imediata e provisória tutela da parte que demonstrar esse alto grau de probabilidade em detrimento da parte adversa e da improbabilidade de êxito em sua resistência8, não havendo que se perquirir se há ou não risco de lesão ou grave dano. 

Restrições à concessão de liminares em nosso ordenamento não é novidade9, já tendo sido enfrentada exaustivamente pela jurisprudência, não se podendo, peremptoriamente, rotulá-las de inconstitucional frente ao art. 5º, XXXV da CF/88, sendo um caso de norma constitucional no plano abstrato, que pode ser inconstitucional no plano concreto, caso o jurisdicionado demonstre que necessita de prestação jurisdicional, estando o magistrado autorizado a afastar tal vedação, exercendo o controle difuso de constitucionalidade10.

Não nos parece que o art. 9º seria inconstitucional caso não fosse vetado11, por outro lado, nunca nos agradou essa peremptória vedação, por ser processualmente desnecessária12.

Se, no caso concreto um magistrado entender que não é possível a sua concessão, que fundamente sua decisão adequadamente, observando o art. 489 §1º do CPC/15, expondo as suas razões que podem ser, inclusive, o risco de expor alguém ao contágio ou disseminação do novo coronavírus.

O propósito do RJET ao pretender proibir os despejos nos parece ser evitar o envolvimento de várias pessoas, como oficiais de justiça, chaveiro, transportadora, locatário, sua família, ocupantes, lojistas, funcionários, entre vários outras, além de proteger o direito à moradia (art. 6º CF/88), pois os desalijados terão que, em meio a um cenário pandêmico e de quarentena, buscar novas acomodações, o que realmente será tormentoso.

Há, contudo, diversas falhas no intento pretendido pelo RJET.

Não se cogitou, em nenhum momento, nas reintegrações e imissões na posse, a quais trariam o mesmo efeito, bem como se pretendeu limitar o despejo liminar somente em algumas hipóteses, como se as restantes fossem urgentes a justificar a sua efetivação em um cenário pandêmico, o que não é verdadeiro, pois, por exemplo, estava de fora das hipóteses do RJET o término do prazo da locação por temporada e a morte do locatário sem deixar pessoas autorizadas por lei, situações que não externam nenhuma urgência13.

O legislador trouxe muita poeira, sem, ao final, trazer solução, restando aos operadores do Direito se debruçarem sobre a questão. A restrição pretendida pelo RJET geraria mais confusões que soluções, tendo o legislador trilhado caminho equivocado sobre o ponto.

Um pouco de pragmatismo vem bem a calhar. Não é a decisão judicial que aumenta o risco de disseminação e contágio, mas a sua efetivação.

Nenhum óbice o magistrado autorizar a retomada de um imóvel, seja em tutela provisória ou em sentença, seja em uma ação de despejo, de reintegração ou de imissão na posse, contudo, a depender da situação concreta, será possível postergar ou condicionar a eficácia de sua decisão para um momento mais seguro, como por exemplo em locais onde o lockdown tenha sido reduzido.

Destarte, sem a pretensão de diminuir a questão, mas a solução nos parece simples e deve ser dada a luz da minuciosa análise do caso concreto.

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