Os vícios estruturais de construção estão cobertos pelo seguro habitacional obrigatório vinculado ao crédito imobiliário concedido pelo Sistema Financeiro da Habitação - SFH, ainda que só se revelem depois da extinção do contrato.

 
SEGUNDA SEÇÃO
Processo
REsp 1.804.965-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Segunda Seção, por maioria, julgado em 27/05/2020, DJe 01/06/2020
Ramo do DireitoDIREITO CIVIL
Tema
Imóvel adquirido pelo Sistema Financeiro de Habitação - SFH. Adesão ao seguro habitacional obrigatório. Vícios estruturais de construção (vícios ocultos). Revelação após extinção do contrato. Responsabilidade da seguradora. Boa-fé objetiva. Função social do contrato.
Destaque
Os vícios estruturais de construção estão cobertos pelo seguro habitacional obrigatório vinculado ao crédito imobiliário concedido pelo Sistema Financeiro da Habitação - SFH, ainda que só se revelem depois da extinção do contrato.
Informações do Inteiro Teor
Cinge-se a controvérsia a definir se os prejuízos resultantes de sinistros relacionados a vícios estruturais de construção estão acobertados pelo seguro habitacional obrigatório, vinculado a crédito imobiliário concedido para aquisição de imóvel pelo Sistema Financeiro da Habitação - SFH.
Em virtude da mutualidade ínsita ao contrato de seguro, o risco coberto é previamente delimitado e, por conseguinte, limitada é também a obrigação da seguradora de indenizar. Mas o exame dessa limitação não pode perder de vista a própria causa do contrato de seguro, que é a garantia do interesse legítimo do segurado.
Assim como tem o segurado o dever de veracidade nas declarações prestadas, a fim de possibilitar a correta avaliação do risco pelo segurador, a boa-fé objetiva impõe ao segurador, na fase pré-contratual, o dever, dentre outros, de dar informações claras e objetivas sobre o contrato, para permitir que o segurado compreenda, com exatidão, o verdadeiro alcance da garantia contratada, e, nas fases de execução e pós-contratual, o dever de evitar subterfúgios para tentar se eximir de sua responsabilidade com relação aos riscos previamente determinados.
Esse dever de informação do segurador ganha maior importância quando se trata de um contrato de adesão – como, em regra, são os contratos de seguro –, pois se trata de circunstância que, por si só, torna vulnerável a posição do segurado.
A necessidade de se assegurar, na interpretação do contrato, um padrão mínimo de qualidade do consentimento do segurado, implica o reconhecimento da abusividade formal das cláusulas que desrespeitem ou comprometam a sua livre manifestação de vontade, como parte vulnerável.
No âmbito do SFH, o seguro habitacional ganha conformação diferenciada, uma vez que integra a política nacional de habitação, destinada a facilitar a aquisição da casa própria, especialmente pelas classes de menor renda da população, tratando-se, pois, de contrato obrigatório que visa à proteção da família e à salvaguarda do imóvel que garante o respectivo financiamento imobiliário, resguardando, assim, os recursos públicos direcionados à manutenção do sistema.
A partir dessa perspectiva, infere-se que uma das justas expectativas do segurado, ao aderir ao seguro habitacional obrigatório para aquisição da casa própria pelo SFH, é a de receber o bem imóvel próprio e adequado ao uso a que se destina. E a essa expectativa legítima de garantia corresponde a de ser devidamente indenizado pelos prejuízos suportados em decorrência de danos originados na vigência do contrato e geradores dos riscos cobertos pela seguradora, segundo o previsto na apólice, como razoavelmente se pressupõe ocorrer com os vícios estruturais de construção.
Ora, os danos suportados pelos segurados não são verificados exclusivamente em razão do decurso do tempo e da utilização normal da coisa, mas resultam de vícios estruturais de construção, a que não deram causa, nem poderiam de qualquer modo evitar, e que, evidentemente, apenas se agravam com o decurso do tempo e a utilização normal da coisa.
A interpretação fundada na boa-fé objetiva, contextualizada pela função socioeconômica que desempenha o contrato de seguro habitacional obrigatório vinculado ao SFH, leva a concluir que a restrição de cobertura, no tocante aos riscos indicados, deve ser compreendida como a exclusão da responsabilidade da seguradora com relação aos riscos que resultem de atos praticados pelo próprio segurado ou do uso e desgaste natural e esperado do bem, tendo como baliza a expectativa de vida útil do imóvel, porque configuram a atuação de forças normais sobre o prédio.
Os vícios estruturais de construção provocam, por si mesmos, a atuação de forças anormais sobre a edificação, na medida em que, se é fragilizado o seu alicerce, qualquer esforço sobre ele – que seria naturalmente suportado, acaso a estrutura estivesse íntegra – é potencializado, do ponto de vista das suas consequências, porque apto a ocasionar danos não esperados na situação de normalidade de fruição do bem.
Desse modo, à luz dos parâmetros da boa-fé objetiva e da função social do contrato, que os vícios estruturais de construção estão acobertados pelo seguro habitacional, cujos efeitos devem se prolongar no tempo, mesmo após a conclusão do contrato, para acobertar o sinistro concomitante à vigência deste, ainda que só se revele depois de sua extinção (vício oculto).
TERCEIRA TURMA
INDENIZAÇÃO. CONSTRUÇÃO. DESMORONAMENTO. CULPA CONCORRENTE.
Concessionária de veículos (ora recorrente) decidiu ampliar suas instalações e, para uma das etapas da obra, ou seja, as paredes de alvenaria, contratou empresa de construção (ora recorrida). Algumas dessas paredes desabaram, danificando veículos novos. Daí a ação contra a construtora para reparar os danos morais e materiais. Nas instâncias ordinárias, o juiz julgou procedente a ação, considerando que os serviços de engenharia foram executados sem cautela, sem se preocupar em fazer cálculos ou projeto. Mas o Tribunal a quo reformou a sentença ao fundamento de que os serviços prestados pela construtora correspondiam a fornecimento de mão-de-obra e materiais, não incluindo cálculos e projetos estruturais. Considerou, ainda, que a concessionária ocupou o galpão inacabado, sem que tivesse o "habite-se". Julgados os embargos de declaração, dessa decisão este Superior Tribunal, no REsp 332.057-MG, entendeu pelo retorno dos autos ao Tribunal de origem para julgar as omissões apontadas. Isso posto, destaca a Min. Relatora que, agora neste REsp, a questão consiste em saber se o contrato de empreitada realizado com a construtora importaria responsabilidade em relação à parte técnica estrutural que precedeu à construção. Para a Min. Relatora, há natural restrição da responsabilidade do empreiteiro, que responde, de regra, apenas em relação à segurança e solidez da etapa para a qual foi contratado e, só se há comprovação de vícios nos limites de sua capacidade técnica, seria possível responsabilizá-lo quanto aos fatos pretéritos. Ressaltou que não houve manifestação do acórdão recorrido nem a adequada insurgência do recorrente quanto à tese da capacidade técnica do empreiteiro que o habilitaria a verificar os obstáculos impostos nos procedimentos anteriores para perfeita execução de sua obrigação. Por ausência de prequestionamento, não conheceu o recurso. Entretanto a tese vencedora, inaugurada pelo Min. Ari Pargendler, defendeu que quem contrata um engenheiro para levantar uma parede, em vez de um operário, conta com seus conhecimentos técnicos e sua experiência. Para o Min. Ari Pargendler, a alegação de que a empreitada foi ordenada sem projeto e especificações ou de que, embora existindo, a construtora desconhecia-os não serve de desculpa. Pois a lei exige que uma obra tenha responsável técnico, arquiteto ou engenheiro na suposição de que será edificada segundo regras técnicas para garantir a segurança das pessoas e a conservação de bens. Conseqüentemente, quem quer que seja e, especialmente, um engenheiro só pode levantar uma parede se estiver convencido de que ela suportará as intempéries normais. Conclui ainda o Min Ari Pargendler que, não comprovada a exoneração da responsabilidade de quem firmou, perante a municipalidade, o compromisso resultante do alvará de construção - o qual pode ser responsabilizado ainda emprestando apenas o nome para obtenção da licença da construção -, presume-se a concorrência de culpa. Com esse entendimento, a Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria, conheceu do recurso em parte, dando-lhe provimento nessa parte, para condenar a construtora a reparar pela metade os danos morais e materiais, mais correção monetária desde a citação, juros moratórios a partir da data do sinistro, compensadas as custas e honorários de advogado em razão da sucumbência recíproca. REsp 650.603-MG, Rel. originária Min. Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Min. Ari Pargendler, julgado em 3/4/2007.

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