“Direito potestativo incondicionado”, diz juiz ao declarar divórcio antes da citação do cônjuge

O juiz de Direito Leonardo Aigner Ribeiro, da 4ª vara da Família e Sucessões de SP, deferiu tutela provisória de evidência para decretar divórcio de um casal antes da citação da esposa. Ao decidir, o juiz considerou que atualmente o divórcio é um direito potestativo incondicionado.
Em sua decisão, o juiz citou que a EC 66/20 autoriza o divórcio independentemente de qualquer condição, bastando para sua concessão a manifestação da vontade de um dos cônjuges. Para o magistrado, “o contraditório será formado no futuro e tem por finalidade apenas a ciência ao outro cônjuge”.
Quando um não quer, dois não ficam casados?
Migalhas noticiou em fevereiro deste ano decisão na qual também foi decretado o divórcio antes mesmo da citação do cônjuge. A decisão da juíza gerou e ainda gera controvérsia: pode o divórcio ser decretado antes mesmo da citação?
Sobre o assunto, o professor Flávio Tartuce, que comanda a coluna "Família e Sucessões" no Migalhas, destacou que não há nos Códigos Civil e de Processo Civil previsão que propicie este tipo de decisão, que conduz ao divórcio unilateral. Mas, por interpretação do art. 356 do CPC/15, que trata do julgamento parcial de mérito, o professor entende que seria possível chegar a essa conclusão.
Já para o advogado e desembargador aposentado do TJ/SP Carlos Alberto Garbi, diretor nacional de publicações da ADFAS - Associação de Direito de Família e das Sucessões, a decisão enfrenta dificuldades do ponto de vista processual.
Ele explica que, caso deferida como tutela provisória, o art. 300 do CPC/15 proíbe a tutela provisória de medida irreversível. "No caso, o divórcio, como questão de Estado, é irreversível. Ninguém pode ser declarado divorciado hoje, e voltar a ser casado amanhã."
Divórcio unilateral - Relembre
Em maio do ano passado, o Estado de Pernambuco regulamentou o divórcio unilateral. Pelo provimento 6/19, foi possibilitado o "divórcio impositivo", que se caracteriza por ato de autonomia de vontade de um dos cônjuges. De acordo com o provimento, desde a EC 66/10 o único requisito para a decretação do divórcio é a demonstração da vontade do(a) requerente, estando extinta a necessidade da prévia separação de fato (por dois anos) ou judicial (por um ano) para a dissolução do vínculo conjugal. A medida também leva em conta o art. 226 da Constituição e que “a autonomia de vontade da pessoa se insere no elevado espectro do princípio da autonomia privada em sua dimensão civil-constitucional”.
O Estado foi o primeiro a adotar a medida, mas não demorou para que o Maranhão também fizesse a regulamentação. O provimento do Maranhão considera “os princípios basilares do Estado Democrático de Direito”, notadamente a individualidade, a liberdade, o bem-estar, a justiça e a fraternidade; e menciona que a CF “acolhe, como corolários, o direito individual à celeridade na resolução das lides e a autonomia da vontade nas relações intersubjetivas”.
Mas, após as alterações, a ADFAS - Associação de Direito de Família e das Sucessões ingressou no CNJ com pedido de providências contra a regulamentação do divórcio unilateral, o que resultou em recomendação do corregedor nacional, ministro Humberto Martins, orientando os Tribunais a se absterem de editar atos que permitissem o “divórcio impositivo”.
Para o corregedor, além do vício formal e de não observar a competência da União, o provimento 6/19 descumpre o princípio da isonomia uma vez que estabeleceu uma forma específica de divórcio nos estados de Pernambuco e Maranhão, criando disparidade com outros Estados brasileiros que não possuem provimento semelhante.

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