A resistência do réu e a estabilização da tutela antecipada antecedente

As tutelas de urgência sofreram grandes transformações com o Código de Processo Civil de 2015. Dentre as inovações, se destaca o instituto da estabilização da tutela antecipada antecedente, que vem suscitando muitas dúvidas nos operadores do Direito.
Uma das grandes controvérsias reside em se saber se a estabilização só pode ser evitada pelo ajuizamento de agravo de instrumento pelo réu ou se outras formas de resistência seriam suficientes para que não tenhamos a referida estabilização.
O "caput" do artigo 304 prevê que "A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso".
Portanto, na literalidade da lei, somente o ajuizamento do agravo de instrumento seria passível de evitar a estabilização. Entretanto, a doutrina tem amenizado tal exigência, permitindo que outras formas de resistência do Réu impossibilitem a estabilização.
Nesse sentido é o entendimento de Cássio Scarpinella Bueno ao prever que outras manifestações do réu são bastantes para evitar a estabilização, afastando, destarte, a literalidade do caput do art. 304: qualquer forma de inconformismo do réu com a tutela provisória antecipada em seu desfavor deve ser compreendida como veto à sua estabilização1.
No mesmo sentido é o entendimento expresso por Theotonio Negrão, José Roberto F. Gouvêa, Luis Guilherme A. Bondioli e João Francisco N. da Fonseca: "(...) qualquer ato de resistência do réu diante da demanda (p. ex., contestação) ou qualquer ato de insurgência contra a decisão antecipatória (p. ex., reclamação), manifestado no período de recorribilidade desta, barra a estabilização"2.
Já Fernando da Fonseca Gajardoni exclui a Contestação de tal rol ao prever que: "Em realidade, ao condicionar a inexistência de estabilização à interposição de recurso, o legislador usou atecnicamente a expressão recurso. Não haverá a estabilização se adotado pelo interessado qualquer expediente processual tendente a cassar a decisão que deferiu a tutela antecipada. Além do recurso de agravo de instrumento contra as decisões de primeiro grau (artigo 1.015, I, do CPC/2015), embargos de declaração com efeitos infringentes contra a decisão concessiva da tutela antecipada (art. 1.022 do CPC/2015), e agravo interno contra as decisões das relatorias nos tribunais nos pedidos de tutela antecipada antecedente de competência originária (artigos 932, II, e 1.021 CPC/2015), também afasta a estabilização o manejo de reclamação contra a decisão antecipatória de tutela (artigos 988 e 992 do CPC /2015), especialmente por conta da natureza de sucedâneo recursal do instrumento, quase um recurso per saltum. Pedido de reconsideração, por não ter o condão de reformar a decisão concessiva da antecipação de tutela, não impede a estabilização em uma primeira reflexão sobre o tema, à luz da disposição legal. A dúvida presente, e que ainda merece melhor reflexão, é a relacionada aos pedidos de suspensão da segurança (artigo 15 da Lei nº 12.016/2009) ou de liminar (art. 4º da Lei nº 8.437/1992): por não terem propriamente o condão de reformarem a decisão concessiva da antecipação de tutela, mas só de suspendê-las, impediriam a estabilização"3.
A possibilidade da contestação evitar a estabilização ainda se mostra controversa em nossa jurisprudência, sendo que temos decisões favoráveis nesse sentido do Tribunal de Justiça de São Paulo:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO – O deferimento da liminar não acolheu o disposto nos artigos 303 e 304 do NCPC – Decisões que refutaram o pedido de estabilização da tutela sem interposição oportuna de recurso pela autora- Matéria Preclusa- Condomínio réu contestou tempestivamente e expressamente a ação- Inércia não configurada- RECURSO NÃOCONHECIDO.

(TJSP; Agravo de Instrumento 2131939-16.2016.8.26.0000; Relator (a): Ana Catarina Strauch; Órgão Julgador: 27ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 24ª Vara Cível; Data do Julgamento: 25/10/2016; Data de Registro: 27/10/2016)
Em seu voto a Desembargadora prevê expressamente:
"Ademais, ainda que assim não fosse, o oferecimento da contestação, afasta por completo o pedido de estabilização da tutela".
Já o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em recente julgado, decidiu que a apresentação de contestação não seria apta a afastar a estabilização da tutela:
"PROCESSO CIVIL. ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA. CONFIGURAÇÃO. PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. INÉRCIA DO RÉU. NÃO APRESENTAÇÃO DE RECURSO. CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA.

- Em consonância com o princípio da instrumentalidade das formas não há nulidade na decisão que declarou a estabilização da tutela quando o autor deixa claro no âmbito da inicial que pretende se valer do instituto e na medida em que o réu não demonstrou qualquer prejuízo em razão do aditamento ter sido mencionado na inicial.
- Não é possível realizar uma interpretação ampliativa do art. 304 do CPC quando o legislador expressamente afirma que a decisão que concede a antecipação dos efeitos da tutela em caráter antecedente "torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso"
- Configura-se a inércia do réu caso não interponha recurso próprio da decisão que concede a antecipação dos efeitos da tutela, ainda que tenha apresentado contestação.” (g.n.)
 (TJMG - Apelação Cível 1.0372.16.002432-2/001, Relator(a): Des.(a) Alberto Vilas Boas , 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 29/05/2018, publicação da súmula em 13/06/2018)
Portanto, dada a insegurança jurídica causada pela dúvida quanto a estabilização ou não de tutelas que não foram agravadas, mas sofreram outras formas de resistência, faz-se necessário que o Superior Tribunal de Justiça defina, em definitivo, a referida questão.