Por uma tutela de efetividade ao Direito do Consumidor, por Vitor Hugo do Amaral Ferreira

A década de 1990, com a publicação do Código de Defesa do Consumidor, inaugurou mais do que uma ação legislativa, mas também a discussão de viabilidade prática da base principiológica que surgia com a vigência do código. Quase três décadas depois, a sociedade de consumo apresenta outras barreiras a serem transpostas pelo Direito do Consumidor. Além das novas demandas que surgem com a conectividade, a interatividade e a internet, direitos já consagrados precisam de manutenção.
O ensaio proposto neste texto parte do disposto no artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor. Da previsão sobre a política nacional das relações de consumo, que, em síntese, visa promover a harmonização dos interesses do consumidor e do fornecedor, temos em sua essência o bem-estar do sujeito vulnerável da relação jurídica de consumo. É nesse cenário que uma série de iniciativas compreende o direito e a defesa do consumidor.
A sociedade de consumo é protagonista de uma diversidade de temas que oscilam entre desafios, avanços e perspectivas, seja pela complexidade do próprio consumo ou pela necessidade de construção de políticas públicas efetivas de proteção.
Ocorre que, mais do que nunca, o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor precisa ser efetivo. Somente instituições fortes poderão coibir abusos capazes de vulnerar o consumidor. Uma política efetiva de tutela ao consumidor não é apenas necessária, mas também urgente.
Observa-se que as bases constitucionais que sustentam o Direito do Consumidor fazem dele um direito e garantia fundamental (artigo 5º, XXXII, CF) e um princípio da ordem econômica (artigo 170, V, CF). Eis então o dever de proteção imposto ao Estado.
Nesse sentido, defende-se a necessidade de uma tutela de efetividade. Uma efetividade plena consubstanciada à dignidade (da pessoa/consumidor) humana e ao dever de proteção. Cotejar a dignidade humana repassa pelo vínculo necessário entre os direitos humanos e os direitos fundamentais, um dos postulados em que se assenta o Direito Constitucional contemporâneo. A dignidade da pessoa humana é o principal fundamento de apoio e legitimidade dos direitos fundamentais — inclua de forma especial o Direito do Consumidor —, que reconduz todo o sistema de proteção.
Implica, dessa forma, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem ao consumidor sua dignidade (tutela de efetividade plena)[1].
Muito temos a comemorar da edição do CDC: o reconhecimento de um direito autônomo; a harmonização das relações de consumo; a implementação do Sistema Nacional das Relações de Consumo. Em outro ponto, diversos são os desafios: o comércio eletrônico; o aumento da qualidade dos serviços de telefonia; o superendividamento; a ausência de regulamentação dos bancos de dados; e, em especial, o fortalecimento das instituições de defesa dos consumidores.
Enalta-se o Código de Defesa do Consumidor brasileiro em todo o mundo. A elogiada redação de tutela aos consumidores clama por maior efetividade. Pergunta-se: o que distancia o CDC, uma das mais completas legislações de defesa ao consumidor do mundo, de sua efetividade? A resposta merece cuidado, análise de várias conjunturas, mas certamente a ausência de uma política pública comprometida muito contribui.
Discutir política pública não é tarefa fácil, a sua efetividade é ainda de maior dificuldade. Como tratar de efetividade da política pública quando não há a própria política? Talvez essa seja a razão de um discurso estéril, o sentimento de jogarmos sementes em terreno infértil.
Indiscutível a arquitetura legislativa do Código de Defesa do Consumidor, bem como tudo que sua vigência representa, mas nos resta maior efetividade. A pauta é o fortalecimento do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, e só será possível falarmos de sistema se houver política pública.
A efetividade, tão mencionada, é elemento basilar do CDC já na ideia principiológica e fundamental da Política Nacional das Relações de Consumo, relacionando a efetividade à dignidade do consumidor, à proteção de seus interesses econômicos, à melhoria da sua qualidade de vida, bem como à transparência e à harmonia das relações de consumo.
Assim faz, de forma expressa, na previsão do artigo 4º, II (ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor), artigo 4º, V (incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo) e artigo 4º, VI (coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores). O que também ocorre nos direitos básicos, artigo 6º, VI (a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos).
Por certo, observaremos um futuro promissor, que pode se limitar ao já disposto no Código do Consumidor, considerando também a atualização necessária. Porém, o fortalecimento das instituições não se consolidará por repetições de normas, mas pela efetividade e aperfeiçoamento das existentes. Resta-nos aprimorar o diálogo acadêmico, institucional, legislativo e judiciário da informação/formação. É necessário ampliarmos as discussões.

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