A remoção de conteúdo ilícito da internet: um olhar processual sobre o pedido, por Maurício Antonio Tamer e Marina De Oliveira E Costa

O Código de Processo Civil, como sabido, define que o pedido formulado na petição inicial, como regra, deve ser certo e determinado, conforme previsto nos seus artigos 322 e 324 de forma muito clara. Deve o autor, portanto, delimitar o que busca da prestação jurisdicional com especificidade, qualidade e quantidade do que entende ter direito, ou seja, o quê, quanto e como quer.
Assim o é, entre outras razões, por orientação do princípio dispositivo e característica de inércia da jurisdição, ambas expressas nas máximas latinas nemo iudex sine actore e ne procedat iudex ex officio. "Nessas condições, para que seja acionada a jurisdição, faz-se essencial a atividade da parte ou do interessado".É preciso, portanto, que ao levar a lide ou o conflito de interesses à apreciação jurisdicional, o autor o faça com a dita especificidade de modo a delimitar com clareza sua pretensão e estanque de dúvidas os limites objetivos da demanda proposta. Pode-se dizer, portanto, que é pelos pedidos que se estabelece o alcance da atuação jurisdicional.
No entanto, há situações em que não é possível ao autor formatar seus pedidos de forma certa e determinada, tal como exigido e esperado, o que, mesmo assim, não é possível lhe negar a prestação jurisdicional, sob pena de se negar vigência ao princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, CF), o qual preconiza não só o acesso à jurisdição, mas a promoção constante de um estado ideal das coisas em uma jurisdição inafastável, adequada e efetiva.
Por essa razão, permite assim o Código de Processo Civil, a formulação de pedido genérico, onde o autor diz o que precisa, mas não de forma certa e determinada. É o que faz o §1º do art. 242. Não porque assim deseja, mas porque se mostra possível.
Falando nos casos de remoção de conteúdo na Internet, estabelece o Marco Civil, lei 12.965/14, no seu art. 193, a necessidade de ordem judicial específica que deverá conter, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente. A localização inequívoca do material que pretende a exclusão, pode se dar, por exemplo, com a indicação da respectiva URL (Uniform Resource Locator) pelo autor. Trata-se do endereço eletrônico identificador de um conteúdo na Internet, em forma de link, que consta da barra de endereços do navegador da Internet, seja de uma página, uma publicação, uma imagem, etc. De forma que a cada conteúdo criado na web, formar-se-á uma URL específica. Como consequência, deve o autor proceder com a indicação do conteúdo exato nos pedidos da ação.
Ocorre, porém, que como sabido, a Internet, meio dinâmico de propagação de conteúdo, é considerada um campo de fácil acesso e divulgação em massa de informação sem fronteiras, de modo que usuários do mundo todo interagem e acessam o mesmo conteúdo, simultaneamente inclusive.
Em reflexo à instantaneidade na Internet, é cada vez mais comum se estar diante de um conteúdo que pode ser chamado de viral. Ou seja, a partir do momento em que alguma publicação, notícia, página é criada e inserida na rede, esta é redisponibilizada, por muitas vezes, de forma massiva e sem controle, a partir da repercussão particular tomada no caso concreto.
Falando em conteúdo viral e remoção de conteúdo na Internet, lembra-se do caso emblemático da modelo Daniella Cicarelli e Google que, somado ao cenário legítimo de intensas discussões, marcadas pelo forte conteúdo ideológico relacionado à privacidade e à plena liberdade dos usuários na rede, impulsionou a aprovação do Marco Civil da Internet, aplaudido como a "Constituição Brasileira da Internet", considerada referência em todo o mundo.
No caso, a modelo propôs ação judicial visando a remoção definitiva de vídeo disponibilizado na plataforma Youtube, contendo momentos íntimos com seu namorado em praia na Espanha. Proferida ordem judicial nesses termos, genérica e abrangente, o Google foi impossibilitado de dar cumprimento e remover o conteúdo de forma permanente, em razão da viralização entre os usuários da rede. Assim, em razão do inadimplemento, houve a suspensão completa dos serviços da plataforma no Brasil, o que gerou reivindicação da sociedade civil e a posterior anulação da ordem do Juiz, em razão da disparidade em tela.
Em vista ao ocorrido, fato é que a cláusula de reserva de jurisdição estampada no artigo 19 do Marco Civil é apta a preservar a democracia e garantir a liberdade de expressão, tendo a providência de remoção de conteúdo na Internet pelos provedores condicionada à prévia ordem judicial que assim determine4. Não é o que se discute e sim a efetividade desse sistema normativo de remoção perante o Poder Judiciário em que há conteúdo disponível na internet que ataca os interesses jurídicos de outrem.
É curioso que na era da informação, a desinformação também está muito presente em nosso cotidiano, ao passo que os usuários compartilham pelos mais diversos meios (mídias sociais, blogs, whatsapp, dentre outros) conteúdo sem sequer checarem a veracidade ou a contemporaneidade da informação, por exemplo. Se no passado lutou-se tanto pelo direito à liberdade de manifestação livre de qualquer censura prévia, hoje é possível vislumbrar uma séria preocupação pela transmissão de informações corretas, verídicas e completas. A grande preocupação com as chamadas Fake News, tema que toma as manchetes em todo país, sobretudo no contexto eleitoral que se avizinha, é um grande exemplo do que aqui se fala.
Nesse contexto é que a discussão sobre o que prevê o artigo 19 do Marco Civil da Internet e a formatação do pedido na propositura da demanda se estabelece. A dúvida genuína é: como compatibilizar essa necessidade de rápida remoção de conteúdos pulverizados – que em última instância significa a própria efetividade da prestação jurisdicional – com a necessidade de indicação da URL específica, se por vezes o descompasso entre a velocidade de pulverização do conteúdo ilícito e a atuação jurisdicional é clara?
Faz-se necessário, assim, que o processo judicial se adeque à natureza dinâmica da Internet de forma que seja suficiente para combater os efeitos nocivos da má utilização da mesma. Os mecanismos processuais assim – dentre eles o pedido – devem ser interpretados e lidos de acordo com a configuração e características do direito material envolvido no conflito. De rigor, a prestação jurisdicional, como assegura o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF), deve sempre ser adequada e efetiva5.
Dito isso, parece que a compreensão da possibilidade de formulação de pedido genérico nesses casos é uma opção processual ajustada e interessante, precisamente no caso em que não for possível determinar, desde logo, as consequências do ato ou do fato (art. 324, §1º, CPC).
Parece ser exatamente esse o caso em que há a replicação em massa ou em quantidade significativa após a propositura da demanda, pois: (i) não é possível para o autor relacionar todas as URLs quando da distribuição da ação, simplesmente porque elas ainda não são identificáveis – mas apenas aquelas até o momento verificadas; (ii) não é possível para o autor, portanto, saber as consequências do primeiro ato de disponibilização que resultou da viralização; (iii) não faria sentido, a partir das premissas de adequação, instrumentalidade e economia processuais exigir a propositura de uma ação distinta para cada URL ou grupo de URLs assim que identificadas. Aliás, lembrando que a ideia de economia processual é justamente obter o maior resultado no menor número de atos processuais.
Não se está aqui ignorando o que dispõe o art. 19 do Marco Civil da Internet ou defendendo a desnecessidade de indicação da URL específica, mas sim se propondo uma alternativa processualmente viável que torne o processo, enquanto instrumento, mais efetivo a viabilizar resultados verdadeiramente práticos.
Essa solução proposta de equilíbrio parece inclusive tangenciar com o parecer feito pela Comissão Parlamentar de Inquéritos de Crimes Cibernéticos que sugere a inclusão do artigo 21-B ao Marco Civil da Internet6.
Trecho que traz o motivo porque se faz necessário a autorização de remoção de conteúdo idêntico e relacionado com base em uma única ordem judicial:
"O segundo ponto tratado pelo projeto, que guarda estreita relação com o primeiro, diz respeito à extensão das remoções a todos os conteúdos similares, postados em momento posterior à obtenção da decisão judicial. Pela prática atual, os provedores de conteúdo exigem nova decisão judicial para a remoção de réplicas do mesmo conteúdo. Essa abordagem penaliza sobremaneira as vítimas, uma vez que as principais aplicações dispõem de todas as condições técnicas e os recursos financeiros necessários para bloquear essas replicações. As vítimas, em contrapartida, precisam acionar de maneira contínua a justiça, depreendendo tempo e recursos, muitas vezes escassos. "
Ou ainda a decisão proferida nos autos de processo7 em trâmite perante o Tribunal de Justiça de São Paulo, sobre remoções futuras de conteúdo na Internet, entendendo como inadequado impor à parte que ingressasse com várias demandas para discutir algo que já obteve um provimento jurisdicional8.

O pedido genérico funcionaria, nesses moldes, como um quadro branco a ser preenchido pelo autor. Assim, seja em sede de tutela antecipada – inclusive liminar – seja em sentença definitiva parece ser possível a concessão de ordem genérica de remoção nos seguintes termos, por exemplo: "determino a remoção do conteúdo sobre os fatos alegados mediante apresentação da URL específica". Nesse caso, poderia o Autor, em sede de cumprimento – sem a necessidade de propor nova ação de conhecimento – apenas indicar as URLsespecíficas a fim de obter a ordem judicial de remoção que atenda à cláusula de reserva de jurisdição do referido art. 19. Desrespeito a esse seria uma ordem totalmente genérica do tipo “determino a remoção de todo conteúdo sobre os fatos”, a qual fatalmente implicaria o monitoramento prévio pelos provedores do conteúdo, defeso por Lei e rechaçado há muito pela doutrina e jurisprudência.

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