Advogados traçam estratégias para "fugir" do sistema de precedentes, por Cláudia Moraes

Participantes da XXIII Conferência Nacional da Advocacia, promovida até quinta-feira (30/11) em São Paulo, levantaram debate sobre a rotina dos profissionais do Direito a partir do Código de Processo Civil de 2015: com o tão falado sistema de precedentes, anunciado para acelerar processos, torna-se um desafio conseguir decisão em sentido contrário.
O vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), Cassio Scarpinella Bueno, listou no evento estratégias alternativas: ele sugere que os defensores entrem como amicus curiae de causas semelhantes em nome das partes, na tentativa de mudar a jurisprudência, e apresentem argumentos em audiências públicas, quando pautadas pelo Judiciário.

Cassio Scarpinella Bueno sugeriu caminhos para advogados com o novo CPC.

Patrícia Miranda Pizzol, advogada e professora da PUC-SP, entende que é importante ao defensor pensar formas de individualizar o seu processo, para evitar que seja tratado como apenas um dentre outros aparentemente semelhantes.
Mais do que nunca é preciso despachar com magistrados, na opinião do advogado Dierle José Coelho Nunes, professor da PUC-MG. Ele avalia que, em casos com tramitação em segundo grau, os profissionais devem procurar os desembargadores da turma julgadora para explicar a especificidade de seu caso.

Ampliar diálogo com desembargadores e alerta para IRDRs são sugestões do professor Dierle José Coelho Nunes.
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Nunes alerta para que os advogados fiquem atentos quando algum desembargador ou turma tiver opinião divergente e peça admissão de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR).
Esse instrumento, fixado pelos artigos 976 a 987 CPC de 2015, tem como objetivo uniformizar entendimentos. Em regra, a admissão do incidente deve suspender todos os processos com tema semelhante em tramitação nos juízos de primeiro e segundo graus vinculados ao tribunal. O prazo máximo para julgamento é de um ano.
Engessamento
O tema foi destaque na terça-feira (28/11), na segunda parte do painel “A importância da advocacia no novo CPC”, na XXIII Conferência Nacional da Advocacia. Diferentemente do painel do dia 27 de novembro, que enalteceu os pontos positivos do atual CPC para os defensores, o encontro apontou críticas à nova legislação.


Painel discutiu impactos do CPC na Conferência Nacional da Advocacia, em São Paulo
ConJur

Scarpinella Bueno, por exemplo, declarou que um dos defeitos do sistema de precedentes é enfraquecer o juiz de primeira instância: o artigo 489 do código, segundo ele, engessa a atividade de magistrados ao impedir que decidam algo diferente da jurisprudência.
Embora o texto brasileiro tente seguir a linha do common law americano, o professor acredita que no Brasil esse tipo de prática tem sido aplicado de forma equivocada, sem avaliar o caso concreto. Joaquim Felipe Spadoni, conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil, também entende que o magistrado está sem liberdade de convencimento.
Já o advogado José Rogerio Cruz e Tucci, professor titular e diretor da Faculdade de Direito da USP, defendeu o modelo quando procurado pela ConJur, fora do evento. “Num sistema de governo federalizado, o Poder Judiciário é organizado a partir de uma hierarquia de graus de jurisdição. Assim, o precedente judicial com eficácia vertical deve ser seguido pelos juízes de primeiro grau. Esse fenômeno não acarreta qualquer intromissão na convicção do juiz”, avalia.

José Rogerio Cruz e Tucci considera adequado exigir que juiz siga teses já definidas em graus superiores.
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Para Tucci, a magistratura de primeira instância “tem o dever institucional de se nortear pelo precedente do tribunal superior”, para gerar “segurança, igualdade e previsibilidade das decisões judiciais”.
O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, do Superior Tribunal de Justiça,  declarou em setembro à ConJur que os precedentes não substituem o papel do legislador, mas apenas reproduzem a estrutura da norma jurídica tradicional, a partir da interpretação.
“Fixar normas gerais com caráter prospectivo continua papel do legislador. Precisamos reconhecer que o juiz tem um papel criativo, cria normas individuais concretas para cada caso e essas normas têm eficácia que pode ser vinculante.”
Também fora da conferência da advocacia, o advogado e professor Nelson Nery Junior teceu uma série de críticas em entrevista à ConJur: ele considera a novidade inconstitucional, por entender que dá competência aos tribunais que não está prevista na Constituição Federal.

Para Nelson Nery Junior, sistema adotado no Brasil é inconstitucional; ainda assim, considera que questionar validade não é boa estratégia para advogados.

Apesar disso, ele alerta: advogados não devem questionar a constitucionalidade do sistema como tentativa de reverter decisões, pois a chance de emplacar a tese é remota.
O jurista Lenio Luiz Streck e o advogado Georges Abboudescreveram no ano passado, em coluna na ConJur, que o Brasil adotou “simplista equiparação do genuíno precedente do common law à jurisprudência vinculante pindoramense”. “No afã de implantar o tal ‘sistema’, suprimimos direitos. E aumentamos o poder do Judiciário”, escreveram.
Temor
No Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargadores já demonstraram em sessões receio no sentido contrário: de que advogados usem os IRDRs como estratégia para protelar a decisão final, quando sabem que terão uma sentença desfavorável. Com a admissão de um tema específico, outros processos com solução certa ficariam parados.

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