Chevron sai na frente em disputa com Equador, por Livia Scocuglia e Mariana Muniz

A petroleira norte-americana Chevron, acusada por grupos indígenas de contaminar parte da Amazônia no Equador, saiu na frente em julgamento da Corte Especial no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que analisa a possibilidade de homologar sentença estrangeira que condenou a gigante do ramo energético a indenizar os equatorianos em US$ 9,5 bilhões.
O processo foi apresentado por um grupo de indígenas equatorianos vítimas da poluição ambiental que teria sido causada pela Chevron. O julgamento desta quarta-feira (18/10) foi interrompido com pedido de vista da ministra Nancy Andrighi.
Por enquanto, apenas o relator, ministro Luis Felipe Salomão, e o ministro João Otávio de Noronha – que antecipou seu voto – se posicionaram no caso de forma favorável à Chevron. Ambos entendem que há falta de jurisdição do Brasil para analisar o processo.
Em longo voto, o relator relembrou os fatos que ocorreram no Equador, falou sobre a possibilidade de entrar no mérito neste caso, e discorreu sobre os requisitos para homologar a sentença estrangeira.
Salomão lembrou que a Chevron Corporation não está situada em território nacional e que a Chevron do Brasil – uma subsidiária em sétimo grau da petroleira – não integrou o pólo passivo da discussão. Por isso, não haveria conexão entre a discussão estrangeira e o estado brasileiro.
O ponto de conexão alegado pelos requerentes para justificar a homologação da sentença estrangeira seria justamente o fato de que a Chevron também atua na área de exploração de petróleo no Brasil, aqui possuindo bens. Porém, a Chevron Corporation não se encontra localizada no Brasil”, sustentou Salomão.
O relator foi além da falta de jurisdição para homologar a sentença e destacou pontos sobre a afronta à ordem pública. Isto porque, no caso, afirmou, há decisões do judiciário americano comprovando a corrupção de magistrados equatorianos.“O juízo exercido pelo STJ no âmbito da sentença estrangeira é o da delibação. Contudo, é possível ao STJ imiscuir-se quando trata-se de ofensa à ordem pública”, afirmou.
Mesmo após o pedido de vista de Andrighi, os ministros Herman Benjamin e João Otávio Noronha pediram a palavra para afirmar que concordam com o voto do relator. Para eles, é suficiente o argumento da ausência da jurisdição – não havendo necessidade de entrar na análise da ofensa à ordem pública.
“A justiça norte-americana não é a corregedora dos tribunais superiores do mundo inteiro. Creio que nós poderíamos parar apenas no primeiro fundamento para não nos obrigar a estudar as minúcias deste processo e julgar a justiça equatoriana”, afirmou Benjamin, referindo-se à alegação de que a sentença proferida no Equador, caso homologada no Brasil, ofenderia à ordem pública.
Antecipando seu voto, o ministro Noronha defendeu que a falta de jurisdição, por si só, afasta a possibilidade de homologação. “A sentença não será executada no Brasil, porque a ação nem deveria ser julgada aqui e não tem o que se executar aqui.”
Defesas
Defendendo os autores da ação, como indígenas do Equador, o advogado Sergio Bermudes começou a sua sustentação oral alegando que, no momento, não é a hora de discutir danos ambientais, mesmo que “a devastação cometida pela Chevron equivaleria a Quito, Buenos Aires, São Paulo e Cidade do México”.
“Não se está discutindo o fato de que ela exerceu uma política de ignorância da população afetada e destruiu por muitas décadas a ecologia. Prejudicou a fauna, danificou a flora e prejudicou a população atual e vindoura. Trata-se de ação de homologação de sentença estrangeira”, alegou.
Sobre o processo, Bermudes apontou que o STJ pode apenas analisar se estão presentes todas as hipóteses para homologar sentença estrangeira. Ou seja, se a pretensão dos autores da ação não fere nenhuma regra brasileira. “Não cabe a este tribunal rever o processo para ver se houve erro ou se não houve. Se houve erro, isto deveria ser discutido no Equador. Conforme jurisprudência do STJ, não cabe a este tribunal atuar como instância revisora das decisões proferidas no Equador”, afirmou.
Em seguida, os representantes da Chevron defenderam a necessidade de o tribunal analisar a forma como a sentença homologada foi obtida. Ainda mais porque, como já apontou o Ministério Público Federal, a sentença teria sido proferida de forma irregular, em especial sob desditosos atos de corrupção, ofendendo a ordem pública e os bons costumes brasileiros.
O advogado Celso Mori apontou que, apesar de não ser possível discutir o mérito do processo, é preciso garantir a ordem pública e, por isso, debater sobre o “demérito” da sentença estrangeira”. Mori ressaltou que não se trata de uma ação ambiental e sim sobre uma fraude processual no Equador.
“Não é uma ação proposta no interesse dos 46 indígenas dos quais pelo menos 21 nunca assinaram as petições em que suas ações foram forjadas. Trata-se de fraude processual no Equador. Fatos estão sendo afirmados porque foram comprovados em diferentes meios, de diferentes formas”, afirmou.
Já o advogado Carlos Velloso, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que o STJ não pode ser reduzido a “mero cartório homologatório de sentenças”. Para o ministro, insistindo na questão da ofensa à ordem pública e da moralidade administrativa, a sentença proferida no Equador contraria ato jurídico perfeito e o princípio da segurança jurídica.
O caso
O processo chegou ao STJ por meio de um pedido dos equatorianos de homologação de sentença estrangeira, a SEC 8.542.
No Equador, o tribunal de Lago Agrio proferiu uma sentença, em 2011, condenando a Chevron a indenizar os equatorianos em aproximadamente US$ 18,2 bilhões por danos ambientais. O montante, porém, foi reduzido para US$ 9,5 bilhões quando da confirmação da sentença pela Corte Nacional de Justiça do Equador – instância máxima do Judiciário equatoriano.
Apesar da decisão favorável no Judiciário equatoriano, a execução da indenização não foi efetivada porque a Chevron nunca operou no Equador e lá não tem ativos. A estratégia, então, passou a ser tentar homologar a decisão em países onde os equatorianos achavam que a empresa possui ativos, como forma de garantir que a decisão se cumpra. Isso explica o envolvimento do Brasil no imbróglio bilionário.
Segundo os equatorianos, com a homologação pelos ministros brasileiros, a decisão poderia ser executada no Brasil, onde a Chevron opera por meio de subsidiárias há anos. Há também uma tentativa de homologação de sentença no Canadá e na Argentina. O pedido é assinado por 46 indígenas – com sobrenomes como Huatatoca, Yumbo, Payahuaje.
Fraudes
A não homologação da sentença tem o apoio da Procuradoria-Geral da República (PGR). Em manifestação, a entidade apontou que a sentença do Equador é resultado “de uma série de fraudes”, e por isso ofende a soberania nacional e os bons costumes.
“É justamente quanto a esse último aspecto [soberania nacional e bons costumes] que se verifica a impossibilidade de validação de referido julgamento, não só pela Justiça brasileira, mas – obiter dictum – em qualquer outra jurisdição estrangeira, seja em Estado Democrático de Direito ou não. Isso porque, das peças que compõem o presente procedimento, observam-se inúmeros elementos que apontam a grande probabilidade de que a decisão homologada foi resultado de uma série de fraudes”, disse Nicolao Dino.
Em 2014, o Tribunal de Apelações dos Estados Unidos para o Segundo Circuito, em uma decisão de 127 páginas, confirmou as descobertas do juiz distrital dos Estados Unidos Lewis Kaplan – que em uma decisão de 2014 classificou o julgamento equatoriano como o produto de uma “fraude notória”.
Preliminar no STJ
Antes de começar a análise sobre a homologação da sentença estrangeira, os ministros discutiram uma questão preliminar, e decidiram indeferir o pedido de renúncia à homologação. Por nove votos a quatro a maioria dos ministros seguiu entendimento do relator, ministro Luis Felipe Salomão, que afirmou que o direito à homologação é bilateral, e para haver renúncia as partes do caso devem estar de acordo.
Salomão votou contra o deferimento da renúncia alegando que o advogado que postulava o pedido não tinha poderes expressos para tanto. Além disso, afirmou que não haviam os requisitos necessários para que a sentença estrangeira fosse eficaz no Brasil. O ministro ressaltou ainda que conceder a renúncia poderia dar a entender que haveria abandono ao direito que foi assegurado pela justiça do Equador.
De forma contrária, a ministra Nancy Andrighi citou o novo Código de Processo Civil e afirmou que não há motivo para indeferir a renúncia, já que tal decisão poderia contrariar a nova legislação processual, que prevê a liberdade e autonomia da vontade das partes. O voto foi acompanhado pelos ministros Mauro Campbell Marques, Raul Araújo e Herman Benjamin

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