Licenciamento ambiental municipal: como fazer funcionar? Por Flávio Henrique Unes Pereira e Bruna Rodrigues Colombarolli

Corolário do princípio da prevenção, o licenciamento ambiental constitui um dos principais instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente.
Por força do artigo 23, VI e VII, do texto constitucional, todos os entes federados são, em princípio, competentes para promover licenciamento ambiental. Todavia, a atribuição de competência comum em matéria ambiental gera, de forma recorrente, dissensos na definição da entidade federativa competente para realizar o licenciamento de determinado empreendimento ou atividade. Não é rara a situação em que o licenciamento é exigido por mais de uma unidade federativa.
Visando coibir o fenômeno da sobreposição de atuações administrativas, com fundamento no parágrafo único do artigo 23 do texto constitucional, foi editada a Lei Complementar nº 140/2011 que disciplinou os critérios definidores da competência das unidades federativas em matéria de licenciamento ambiental. Nesses termos, o artigo 7º, XIV, e parágrafo único da Lei Complementar nº 140/2011, definem as hipóteses de atividades e empreendimentos subordinados ao licenciamento ambiental em órbita federal. Segundo artigo 8, XIV, da Lei Complementar nº 140/2011, como regra, os Estados-membros ficam responsáveis pelos licenciamentos de atividades e empreendimentos que empregam recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes de causar degradação ambiental, ressalvadas as competências da União e dos Municípios. Finalmente, nos moldes do artigo 9º, XIV, “a” e “b” da Lei Complementar nº 140/2011, compete aos Municípios realizar o licenciamento ambiental de atividades e empreendimentos: (a) que causem ou possam causar impacto ambiental local, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade; (b) localizados em unidades de conservação instituídas pelo Município, exceto em Áreas de Proteção Ambiental ).
Além do estabelecimento dos critérios de repartição das competências em matéria de licenciamento ambiental, a Lei Complementar nº 140/2011 institui a salutar regra de que os empreendimentos e atividades são licenciados ou autorizados, ambientalmente, por um único ente federativo, visando inibir a sujeição de um mesmo empreendimento a múltiplos e paralelos procedimentos administrativos de licenciamento ambiental.
A atribuição de tal competência aos órgãos estaduais busca resguardar o pacto federativo e a segurança jurídica. Afinal, apenas dessa forma é possível conferir tratamento uniforme, dentro de um mesmo Estado-membro, acerca de quais atividades estão sujeitas ao licenciamento local. A partir da elaboração, pelos Estados-membros, de uma lista de empreendimentos que ficam sujeitos ao licenciamento municipal, atribui-se tratamento uniforme à matéria no âmbito do território de um mesmo Estado-membro. Evita-se, assim, o indesejável fenômeno de que certa atividade seja considerada como causadora de impacto ambiental de âmbito local e, portanto, sujeita ao licenciamento ambiental em um determinado Município e não seja assim qualificada por outro Município pertencente ao mesmo Estado-membro. Desse modo, a competência estadual para definir a tipologia dos empreendimentos sujeitos ao licenciamento ambiental municipal tem como finalidade evitar a instituição de “guerra ambiental” entre as Municipalidades, fenômeno nocivo à tutela ambiental.
Após alguns anos da edição da Lei Complementar nº 140/2011, os Conselhos Municipais de Meio Ambiente estão editando atos normativos para definir os empreendimentos sujeitos ao licenciamento ambiental municipal. A título ilustrativo, no âmbito do Estado de Minas Gerais, o Conselho Estadual de Política Ambiental – COPAM editou a Deliberação Normativa nº 213/2017 que elenca os empreendimentos e atividades que causam impacto ambiental de âmbito local, subordinados ao licenciamento de competência dos Municípios mineiros.
A definição das atividades licenciáveis pelos Municípios configura apenas o primeiro passo para afirmação da competência municipal em matéria de licenciamento ambiental. Isso porque, conforme estipulado pela Lei Complementar nº 140/2011, para que um ente federado promova licenciamento ambiental dois requisitos devem ser concomitantemente preenchidos: existência de conselho de meio ambiente e de órgão ambiental capacitado.
Os conselhos de meio ambiente são órgãos colegiados compostos por agentes públicos e membros da sociedade civil, que tem como finalidade promover a participação no âmbito dos processos decisórios ambientais. A legislação regente também impõe ao Município que pretenda realizar licenciamento ambiental a contratação de corpo técnico habilitado e com número de agentes compatível para atendimento das demandas concernentes a todas as etapas do processo administrativo de licenciamento ambiental, nos moldes estabelecidos artigo 5º da Lei Complementar nº 140/2011.
Ocorre que a estrutura administrativa da maior parte dos Municípios não é composta por órgãos de tais naturezas. Desse modo, tem-se o diagnóstico de que a carência de órgão técnico devidamente estruturado e capacitado constitui o principal óbice para promoção de licenciamento ambiental pelos Municípios.
Além das clássicas alternativas ligadas ao federalismo por cooperação (criação de convênios e consórcios), o mecanismo mais eficiente para superar o problema de déficit de infraestrutura e de pessoal para realização do licenciamento ambiental em âmbito municipal é a delegação de tal competência para terceiro, que comprove, em procedimento licitatório, o expertise necessário para realizar todas as etapas que compõem o devido processo administrativo de licenciamento ambiental.
Em um primeiro momento, tal tese pode despertar alguma perplexidade, uma vez que prevê a delegação do exercício de poder de polícia para particulares (sobre o tema: PEREIRA, Flávio Henrique Unes. Regulação, fiscalização e sanção: fundamentos para a delegação do poder de polícia administrativa a particulares, Belo Horizonte: Editora Forum). Nesse contexto, é oportuno citar a conclusão do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 817-534/MG, no emblemático caso da BHTRANS. Na oportunidade, o STJ considerou ser legítima a delegação dos chamados atos de polícia de consentimento e fiscalização para pessoas jurídicas de direito privado. A tese ora defendida sequer extrapola o entendimento sedimentado nesse precedente, na medida em que a delegação da competência para realização de licenciamento ambiental envolve tão-somente prática de atos de fiscalização e de consentimento.
Fato é que, por meio da delegação da competência da promoção de licenciamento ambiental, todos ganham – Município, inciativa privada, coletividade e meio-ambiente.
A própria arrecadação global da Municipalidade tende a crescer, pois unidades federativas que propiciam ambientes eficientes e seguros do ponto de vista jurídico passam a ser vistas como polos atrativos de investimentos. Acresce-se ainda que, por meio da delegação, o Município fica liberado do ônus de efetuar contratação de mão-de-obra permanente, segundo o regime jurídico estatutário, desafogando-se em relação aos limites orçamentários máximos de gasto com pessoal estipulados pela Lei de Responsabilidade Fiscal, sem esquecer do alto investimento em tecnologia para efetiva atividade fiscalizatória.
A delegação da competência de licenciamento para entidade especializada também gera benefícios para iniciativa privada que passa a contar com a infraestrutura capaz de prover de forma eficiente e tecnicamente adequada os serviços e atividades ligados ao licenciamento ambiental. Tal e qual ao órgão público, o particular delegatário estará sujeito à observância estrita do devido processo administrativo, aos prazos para conclusão do licenciamento ambiental, aos deveres de motivação, transparência e publicidade de seus atos, e, sobretudo, à responsabilização nas esferas civil, administrativa e criminal pela prática de atos incompatíveis com a ordem jurídica. Além disso, a delegação também tende a gerar ambientes regulatórios mais estáveis que resultam em ambiente de maior segurança jurídica.
Conforme visto, a delegação gera benefícios que transcendem a figura do empreendedor, pois, ao gerar maior eficiência, celeridade e segurança jurídica, o Município torna-se polo captador de investimentos o que gera empregos e produção de riquezas.
Finalmente, mas não menos importante, a delegação da atividade licenciadora tende ser extremamente benéfica à própria tutela do meio-ambiente. A atribuição da competência para promover o licenciamento ambiental – que é um dos principais instrumentos de prevenção de danos ambientais – à entidade tecnicamente competente e dotada de infraestrutura adequada torna a atividade preventiva mais atuante, perene e eficiente, evitando-se, assim, desastres ambientais por falta de eficiência ou estrutura.

Comentários