Paternidade póstuma não anula negócio jurídico, diz STJ

Em decisão inédita, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que o reconhecimento de paternidade póstuma não pode retroagir sobre negócios jurídicos firmados. Por unanimidade, os ministros consideraram que a falta de anuência de um filho reconhecido após a morte do pai não anula um acordo firmado anteriormente.
O caso julgado no Recurso Especial 1.356.431/DF discutia a validade da venda de cotas de sociedade realizada pelo pai a um dos filhos sem o consentimento da filha reconhecida por força de ação de investigação de paternidade póstuma.
A mulher alegava nulidade de pleno direito da venda de pai para filho por não haver a anuência de todos os filhos que, em momento posterior ao ato jurídico, venha a ser reconhecido como tal. Ela argumentava que “a sentença que declara a filiação na ação de investigação de paternidade alcança o filho desde a concepção para os efeitos do direito sucessório”.
O juiz de primeira instância reconheceu a nulidade da venda das cotas. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), porém, manteve a transferência da sociedade por considerar que, à época da realização dos negócios, a filha era desconhecida dos envolvidos.
No STJ, o relator do caso, ministro Luís Felipe Salomão, foi além: considerou que a paternidade reconhecida após a morte não pode retroagir sobre negócios realizados anteriormente.
“Embora seja certo que o reconhecimento da paternidade constitua decisão de cunho declaratório de efeito ex tunc, é certo que não poderá alcançar os efeitos passados das situações de direito definitivamente constituídas. Não terá, portanto, o condão de tornar inválido um negócio jurídico celebrado de forma hígida, dadas as circunstâncias fáticas existentes à época”, defendeu o ministro.
Salomão explicou que à época da concretização do negócio – alteração do contrato de sociedade empresária voltada à venda de cotas de pai para filho – a autora ainda não figurava como descendente do falecido, condição que somente foi reconhecida pela ação investigatória post mortem.
“Desse modo, penso que, dadas tais circunstâncias, o seu consentimento (nos termos da norma disposta no artigo 1.132 do Código Civil de 1916 – atual artigo 496 do Código Civil de 2002) não era exigível, nem passou a sê-lo em razão do posterior reconhecimento de seu estado de filiação”, afirmou o relator.
O ministro lembrou que o STJ entende que a alienação de bens de ascendente a descendente, sem o consentimento dos demais, é ato jurídico anulável. Mas que o reconhecimento póstumo da paternidade não pode alcançar os efeitos passados das situações de direito definitivamente constituídas.
Ele explicou que no momento do reconhecimento da paternidade, a transferência das cotas sociais já era uma situação jurídica definitivamente constituída.
A alteração contratual que resultou na mudança da sociedade ocorreu em fevereiro de 1990, época em que a filha tinha apenas dois anos e seis meses de idade. A ação anulatória foi ajuizada em 2008, quando a filha já era maior de idade.
“Não restou demonstrada má-fé ou outro qualquer vício do negócio jurídico, por isso que não merece reparo o acórdão estadual, que julgou improcedente a pretensão deduzida na inicial”, decidiu.

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