Vamos pedir um parecer? Essa expressão é comumente ouvida nas
conversas discussão de casos jurídicos, especialmente se envolvem
litígios. Quero explorar o conceito e a utilidade do parecer jurídico.
Busquei nestes últimos dias alguma bibliografia sobre o instituto do “parecer jurídico” e encontrei muito pouco.
Há uma entrevista do professor Nelson Nery Júnior. Chama a produção
de pareceres de “filé mignon da advocacia” por envolver trabalho
sofisticado, altos honorários e menor tempo de elaboração – o prazo de
entrega é de cerca de 30 dias -, em comparação a um acompanhamento de um
caso judicial como advogado – que pode durar mais de 10 anos[i].
Também há um artigo do professor e Ministro Eros Grau. Explica a
origem histórica dos pareceres, que remonta à jurisprudência romana,
formada pelas obras dos jurisconsultos. Eram consultas cuja autoridade
não era nem política, nem judicial, decorrendo do valor pessoal e
prestígio social dos jurisconsultos – “tratava-se, aí, de uma autoridade
intrínseca, fundada em um capital intelectual próprio, não em qualquer
poder que tivesse sido a eles atribuído”. [ii] O valor do parecer está ligado à reputação de quem o assina.
Em dicionários jurídicos e nas enciclopédias de direito, parecer está
definido como “a opinião emitida por um jurisconsulto sobre uma questão
de ordem jurídica, a qual, baseada em razões doutrinárias e legais,
conclui por uma solução que deve ser adotada no caso em questão e que
traduz a concepção de seu autor”.[iii]
Não entro em modelos correlatos que não se referem aos pareceres
jurídicos proferidos por professores e juristas. Há uso do termo
“parecer” para a manifestação do Ministério Público, como custos legis,
e também dos advogados públicos em procedimentos administrativos, com
ou sem efeito vinculante. Os peritos e as autoridades técnicas emitem
pareceres sobre pontos técnicos em casos judiciais, cíveis e criminais.
Essas vertentes do termo “parecer” não serão tratadas. Falo
exclusivamente do parecer jurídico de professor ou jurista.
Alguns exemplos de usos comuns de pareceres (no sentido de pareceres jurídicos proferidos por professores e juristas):
1) Em um caso complexo, uma das partes pede um parecer a um
professor, um jurista, formulando quesitos (perguntas) que serão
respondidas; o advogado irá anexar o parecer – que geralmente tem de 80 a
100 páginas, conforme relatou o professor Nelson Nery em sua entrevista
– à sua petição para aprimorar os seus argumentos de convencimento do
juiz, do tribunal. É um consultor para o caso. Exerce um papel passivo,
enquanto o advogado do caso se responsabiliza pela condução do caso.
Esse é o uso tradicional do parecer, que é juntado aos autos geralmente
em fases adiantadas, quando já estão submetidos à análise de tribunais
ou tribunais superiores. Como exemplo, o novo CPC traz dúvidas de
aplicação e interpretação que estão sendo discutas em casos diversos; os
professores de processo civil estão sobrecarregados de encomendas de
pareceres sobre os temas.
2) Em uma segunda situação, derivada da primeira, o advogado solicita
o parecer ao jurista para a elaboração e formulação de uma estratégia
do caso, de modo que não somente auxilia, mas participa dessa
estratégia; é um passo além do exemplo acima, uma vez que o parecerista
participa ativamente das discussões sobre o caminho a se tomar. O
advogado do caso e o parecerista sentam juntos à mesa e, a partir do
conhecimento teórico do parecerista que foi ou será deduzido por
escrito, elabora-se as estratégias de caminho em um novo caso.
3) Em caso de arbitragens sobre direito brasileiro com árbitros
estrangeiros, algumas vezes em outra língua (geralmente, inglês),
chamam-se pareceristas para que dissequem um ponto de direito brasileiro
para o julgamento pelos árbitros estrangeiros. Conhecem o direito, mas
desconhecem as peculiaridades do direito brasileiro. Nesses casos, comum
é a situação em que além do parecer, haverá um depoimento do
parecerista em audiência como testemunha-expert. Já vi alguns
casos de arbitragens com uma dezena de pareceres de professores
brasileiros. Em um mesmo caso, há vários pontos a serem “explicados”:
reconhecimento do abuso de voto, execução específica do acordo de
sócios, boa fé contratual, foram temas tratados por pareceristas; e,
mais, cada lado do caso chama um parecerista para cada um dos temas.
4) As companhias contratam pareceres para fundamentar decisões de
seus acionistas, diretores, conselhos, perante auditores externos e
internos, investidores, órgão deliberativos vários. O parecer jurídico
funciona como base para uma decisão empresarial – qual o risco em perder
um caso? Qual o valor envolvido? Essa informação pode ser relevante
para se colocar preço em um ativo com uma ponta em litígio.
5) Pareceristas são chamados para prepararem um texto que dará
“conforto” a uma decisão administrativa no Poder Executivo ou alimentará
a tramitação de um projeto de lei, quer quanto à forma
(constitucionalidade, legalidade), quer quanto à conveniência.
Os pareceres são apresentados em diversas instâncias, juízos,
tribunais ou tribunais superiores. Funcionam como opinião fundamentada,
sem, contudo, desconhecer-se que há uma vinculação contratual e
remuneratória que liga o contratante e o contratado.
Nesse sentido, conforme decisões do STF[iv] e do STJ[v],
pareceres não são documentos, mas apenas reforço de argumentação. Pela
jurisprudência nacional, não é obrigatória a oitiva da parte contrária
sobre o teor do parecer – normalmente, quando a parte apresenta novos
documentos no processo, a outra tem direito a se manifestar, em respeito
ao princípio do contraditório[vi].
A opinião legal é uma expressão importada dos advogados americanos – que a mencionam como “legal opinion”.
Texto mais curto, direto, podendo ser proferido por professores ou
juristas, profissionais do direito sem a autoridade acadêmica, ou mesmo
por um escritório de advogados. Nada mais que uma opinião, com a
responsabilidade profissional e técnica de quem o assina,
diferenciando-se do parecer. Segundo o professor Nelson Nery Junior,
principalmente pelo peso do nome de quem assina e também pela
profundidade da análise. Funciona bem e, às vezes, é até melhor que o
parecer, por ser objetiva – “direta ao ponto”.
Em nenhum lugar, está escrito o que é um parecer, o que é uma
opinião, quem pode conceder um parecer ou emitir uma opinião legal. Os
pareceristas vivem da sua reputação e do reconhecimento da comunidade
jurídica sobre seu arcabouço técnico e compromisso com a seriedade
científica.
Há um mercado na comunidade jurídica em ascensão e, hoje, vários
advogados e professores trabalham sua carreira profissional com esta
perspectiva. Resultado do merecido esforço para galgar graus e
reconhecimentos por teses e livros.
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