O NOVO CPC E A CHAMADA AÇÃO CAUTELAR DE CAUÇÃO PRÉVIA À EXECUÇÃO FISCAL

Por Carla Mendes Novo
Por Adolpho Augusto Lima Azevedo

Em 18 de março entrou em vigor a Lei nº 13.105/2015, que aprovou o novo Código de Processo Civil brasileiro ("CPC/15"), com o declarado propósito de harmonizar o aparelho processual às garantias constitucionais, com vistas a assegurar a simplificação, a operatividade e a eficiência do sistema processual e do ordenamento jurídico como um todo. [1]
Boa parte das "novidades" trazidas pelo Código reflete a opção do legislador por positivar interpretações jurisprudenciais e correntes doutrinárias predominantes.
No contexto do Direito Processual Tributário, merece especial atenção a chamada "Ação Cautelar de Caução Prévia à Execução Fiscal", construída na prática forense e consolidada na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça ("STJ") à luz do dever-poder geral de cautela.
Nesse breve estudo buscaremos traçar os contornos para a aplicabilidade dessa medida a partir da nova realidade instituída pelo CPC/15, traçando um paralelo com o surgimento e consolidação desse instituto à luz do CPC/73.
A "Ação Cautelar de Caução Prévia à Execução Fiscal"
Em atenção ao imperativo do devido processo legal e seus corolários, o procedimento de lançamento tributário pelo Fisco automaticamente proporciona ao contribuinte a prerrogativa de iniciar o contencioso administrativo fiscal e, com isso, suspender a exigibilidade do crédito tributário, à luz do art. 151, inciso III, do Código Tributário Nacional ("CTN").
Durante essa fase, o crédito tributário não representará óbice à expedição da Certidão Positiva de Débitos com Efeitos de Negativa ("CPD-EN"), documento muitas vezes indispensável ao regular desenvolvimento das atividades do contribuinte.
Uma vez encerrado o processo administrativo de forma desfavorável aos interesses do contribuinte, o crédito tributário será definitivamente constituído, iniciando-se o prazo prescricional de cinco anos (art. 174, do CTN) para que a Procuradoria responsável inscreva o débito em dívida ativa e proponha a competente Execução Fiscal.
Até que isso ocorra, o contribuinte fica impossibilitado de garantir o débito, de modo que figurará como devedor perante o órgão fazendário. Como consequência, estará também impedido de renovar sua CPD-EN e de exercer de forma regular suas atividades econômicas.
Isso significa admitir que o contribuinte que já tenha Ação de Execução ajuizada ostente nítida condição mais favorável do que aquele em relação ao qual o Fisco ainda permaneça inerte, configurando ofensa ao princípio da isonomia (artigo 5º da CF/88).
Diante desse "limbo processual", a prática forense viu, no dever-poder geral de cautela, uma solução processual para o contribuinte que pode antecipar a garantia do crédito tributário e oferecer caução dos valores controvertidos antes da propositura da Execução Fiscal. Construiu-se, assim, o instrumento da "Ação Cautelar de Caução Prévia à Execução Fiscal", à luz dos artigos 826 e 827 do CPC/73.
Uma vez aceita a caução, aguardava-se a propositura da Execução Fiscal, oportunidade em que a garantia era transferida para os autos dessa ação, e, então, opostos os competentes Embargos à Execução Fiscal para discussão do mérito.
Assim, apesar do CPC/73 dispor sobre as cautelares como um instrumento meramente preparatório ou incidente ao processo principal, reconheceu-se que a acessoriedade do processo cautelar poderia se dar não em relação a uma futura ação proposta pelo contribuinte (inexistente) mas em relação à própria Execução Fiscal, proposta pela Fazenda, havida como a ação principal.
Tal prática processual foi referendada pela jurisprudência, em especial no REsp nº 1.123.669/RS, submetido ao rito do artigo 543-C do CPC/73, por meio do qual o Superior Tribunal de Justiça firmou definitivamente o entendimento pela possibilidade de propor ação cautelar autônoma (sob a perspectiva do contribuinte) para assegurar a expedição de Certidão Positiva com Efeitos de Negativa.

As Tutelas Provisórias de Urgência
O CPC/15 disciplina, em seu Livro V (artigo 294 e seguintes), a Tutela Provisória, como gênero de que são espécies a tutela provisória de urgência (artigos 300 a 310) e a tutela provisória de evidência (artigo 311).
Em relação às tutelas de urgência, o Código adotou uma nova subdivisão, introduzindo as chamadas "tutelas provisórias de urgência antecipada e tutelas provisórias de urgência cautelar, que podem ser requeridas em caráter antecedente ou incidental.
A legislação traz um step by step de como deverá ser formulado o requerimento das tutelas de urgência, sejam elas antecipadas (satisfativas) ou cautelares (assecuratórias).
Dentre as modificações propostas, uma, digna de nota, é a extinção da autonomia do processo cautelar (não sua acessoriedade) [2], haja vista a extirpação dos procedimentos específicos previstos pelo CPC/73 (artigos 796 e seguintes) e a previsão de que pedido cautelar e principal sejam formulados no bojo de um único processo.
Em que pese a extinção do processo cautelar como categoria autônoma, o legislador, no que concerne às tutelas de urgência, manteve a dicotomia entre tutela cautelar e tutela antecipada, perdendo a oportunidade de solucionar a longa discussão acerca do que seriasatisfazer (tutela antecipada) e do que seria assegurar (tutela cautelar). [3]
A tênue linha que separa a tutela cautelar da antecipada insere o agente em uma zona de incertezas, levando-o a buscar critérios bem fundamentados para delimitar o campo de incidência de cada instituto. A diferença é por vezes tão sutil que o legislador autorizou a fungibilidade entre as medidas (art. 273, §7º, CPC/73 e art. 305, parágrafo único, CPC/15).
De toda forma, seja à luz do CPC/73, seja da novel legislação, não se pode perder de vista o fato de que as tutelas, sejam elas antecipadas ou cautelares, possuem a urgência como elemento determinante.

Conclusão: o instrumento processual para obtenção da CPD-EN no CPC/15
O fim da autonomia do processo cautelar com o advento do CPC/15 ensejou debates sobre a eventual subtração de base jurídica para a "Ação Cautelar de Caução Prévia à Execução Fiscal".
Relembre-se que a própria "Ação Cautelar de Caução Prévia à Execução Fiscal" nunca foi prevista de forma expressa no CPC/73 ou em outra legislação processual. O instrumento foi objeto de uma construção fundamentada na interpretação sistemática e teleológica das normas processuais do CPC/73, sendo posteriormente referendada pela jurisprudência.
A ação tinha como fundamentos principais: (i) artigos 826 e seguintes do CPC/73; (ii) artigo 206 do CTN; (iii) dever-poder geral de cautela; (iii)princípio da menor onerosidade ao executado (artigo 620, do CPC/73); e (iv) o fato de que o contribuinte que não teve contra si proposta execução fiscal encontrar-se-ia em situação anti-isonômica em face daquele que já pudesse oferecer garantia em execução em curso.
Apesar da unificação procedimental (pedido cautelar e pedido principal) trazida pelo CPC/15, os fundamentos utilizados pelos contribuintes e pela jurisprudência para fundamentar o cabimento da Ação Cautelar subsistem, a nosso ver com ainda mais força. Cabe agora ao operador do Direito Processual ajustar tais fundamentos ao instrumento processual adequado à luz do CPC/15.
Do cotejo das diretrizes postas pelos Tribunais pátrios com as normas do CPC/15 - em especial aquelas que se dedicam aos procedimentos da tutela de urgência –entendemos ser medida que se amolda à pretensão do contribuinte a "Ação com Pedido de Tutela Provisória de Urgência Incidental".
O primeiro passo para avaliação do instrumento processual cabível é a identificação da pretensão do direito material. Aqui, a pretensão é obter tutela jurisdicional que permita a antecipação de garantia no período anterior à propositura da Execução, de modo a permitir ao contribuinte que conserve sua situação de regularidade fiscal. Portanto, a ação respeitará o rito do procedimento comum e terá como pedido final a expedição da CPD-EM mediante oferecimento de caução idônea para garantia do crédito tributário.
Diante da urgência da medida, haja vista o risco ao desempenho das atividades normais do contribuinte, normalmente será necessária a formulação de pedido de tutela de urgência, nos termos do art. 300, § 2º do CPC/15. [4]
Como a tutela de urgência já deverá ser requerida conjuntamente com o pedido principal, entendemos que se trata de tutela de urgência de natureza incidental, nos termos do art. 294, parágrafo único, do CPC/15, justamente pela desnecessidade de aditamento ao pedido ou formulação posterior de pedido principal.
Resta saber se a tutela de urgência tem natureza cautelar ou antecipada. Em tese, há fundamentos para se defender uma ou outra alternativa. Para quem identifique, na tutela pretendida, natureza eminentemente assecuratória de um processo principal ulterior (execução fiscal / embargos), na linha do entendimento doutrinário e jurisprudencial construído sob a égide do CPC/73, a tutela será cautelar. Para quem entenda, sob outro giro, que a tutela de urgência pleiteada antecipa o próprio provimento principal que não depende de nenhum outro a cargo do autor da ação, a tutela será antecipada. Em nenhuma hipótese, a nosso ver, será necessária formulação de novo pedido ou aditamento, justamente pelo caráter incidente da tutela de urgência pleiteada.
De toda forma essa específica distinção parece-nos de nenhuma relevância, seja diante de expressa previsão legal quanto à fungibilidade da medida (art. 305, parágrafo único), que deve ser interpretada como abrangendo também a tutela de urgência incidente, especialmente porque a qualificação como uma ou outra não alterará o procedimento, não tendo nenhuma relevância prática.
Finalmente, não se descarta também que a tutela provisória pleiteada seja da espécie tutela de evidência, dispensando a prova da urgência ("periculum in mora") para que seja concedida. Embora também aqui a questão pareça ter menor relevância – porque o risco de dano em situações como essa constitui fato notório - verdade é que a pretensão encontra fundamento em precedente do STJ firmado em julgamento de caso repetitivo, sendo a prova dos fatos exclusivamente documental, nos termos do art. 311, II, do CPC/15. [5]
Diante de todo esse cenário, parece-nos que, à luz do novo Código de Processo Civil, não só o contribuinte não está desamparado, como há fundamentos ainda mais sólidos para tutela de seu direito na situação examinada.
[1] Exposição de Motivos da Lei nº 13.105/2015 disponível em: . Acesso em: 26/02/2016.
[2]  Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo / coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier. [et.al.]. – 1. Ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2015. Pg. 518.
A autonomia do processo cautelar, existente no CPC/73, decorria da circunstância de ser outro processo, distinto do processo de conhecimento ou de execução. O que não afastava seu caráter acessório, destinado a garantir o resultado do outro processo. No CPC/15 não está mais presente a autonomia, pois agora são tutelas jurisdicionais (cautelar e principal) requeridas no bojo de um único processo. Mas a acessoriedade permanece, tendo em vista seu objetivo assecuratório do resultado do pedido principal.
[3] Sobre o tema, assim leciona Luiz Rodrigues Wambier: "Alguns autores pensam que, além desta característica, para que se esteja diante de medida de natureza cautelar, é necessário que não se pleiteie, através dela, providência igual à principal: assim, segundo alguns, o art. 273, I, não seria cautelar porque o que se pleiteia, com fulcro nesse dispositivo, é a própria tutela (antecipada). Só seria cautelar a medida quando por meio dela se pleiteasse providencia diferente daquela que se pediu principaliter. Exemplo típico desta situação é o arresto (de que antes se falou), em que se faz o pedido de bloqueio dos bens cujo valor é suficiente para saldar o débito, sendo que, na ação principal, se objetiva o próprio pagamento" (Curso Avançado de Processo Civil, v.3: Processo Cautelar e Procedimentos Especiais / Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato Correia de Almeida, Eduardo Talamini; Coordenação Luiz Rodrigues Wambier. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998).
[4]  Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. (...)
§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
[5] Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando: (...)
II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;


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