Cade inicia debate sobre arbitragem e concorrência, por Bruno H. de Moura

Até que ponto a arbitragem pode somar à concorrência? Poderia o Cade impor como pena o uso de arbitragem? Essas foram algumas das questões suscitadas no Seminário Arbitragem e Concorrência, evento que ocorreu na sexta-feira (4/8), na sede do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Foi organizado pela autarquia em parceria com o Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr) e com a Câmara de Comércio Brasil Canadá (CAM-CCBC). E mediado pelo conselheiro do Cade Alexandre Cordeiro, aberto pelo presidente da entidade, Alexandre Barreto e debatido pelo conselheiro do órgão, Paulo Burnier, pelo presidente do Centro de Arbitragem e Mediação da CAM-CCBC, Carlos Forbes, pelo professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), Andrey Rank e pelo professor e advogado do CMT Advogados, Luciano Benetti Timm.
Na abertura, Alexandre Barreto comentou que “ (a arbitragem) dialoga perfeitamente com o direito concorrencial. ” E citou a decisão da autarquia na aquisição da Cetip pela Bovespa – caso a atual B3 não consiga acertar um preço para permitir o acesso de terceiros a parte de sua infraestrutura, o valor deverá ser definido em arbitragem.
Carlos Forbes apresentou um panorama da arbitragem no Brasil. Para o advogado, dentro dos atuais casos levados à CAM-CCBC, pode-se pensar no lado concorrencial de alguns.
“Tratar alguns casos que são colocados como contratos ou coisas econômicas. Talvez já é a hora de pensar qual é o aspecto concorrencial que esse negócio tem?”
O advogado e professor Luciano Timm vê a questão do uso da arbitragem como um trade off entre o custo e o benefício para as empresas.
Entre os aspectos que pesam favoravelmente ao uso do Judiciário como via de solução é o valor mais barato dos procedimentos. O custo de uma arbitragem numa causa de R$ 50 milhões beira os R$ 403 mil para cada uma das partes, segundo dados de Carlos Forbes.
Contudo, “a fila”, nas palavras de Timm, até o julgamento do conflito no Judiciário, que pode levar uma causa a ser julgada em 10 anos após a proposição, quando comparado a rapidez da arbitragem, pende ao método não estatal.
“É um trade off que a empresa tem de fazer na hora que assinam os contratos. O juiz não tem tempo e nem especialidade para julgar alguns assuntos”, pondera.
Coincidência de players
A relação entre  antitruste e arbitragem desembocará numa convergência. Ao menos na visão de Timm e Andrey Rank. A coincidência de players entre os sistemas, e a plena arbitrariedade do direito antitruste, seriam os principais fatores.
Conselheiro do Cade, Paulo Burnier apontou que já existe convergência entre as áreas. Dois grandes grupos em que a arbitragem pode ser explorada: 1) controle de estruturas; e 2) controle de condutas.
No primeiro, lembrou dos Atos de concentração ICL/Fosbrasil de 2014, no mercado de fertilizantes e ácido fosfórico, ALL/Rumo de 2015, negócio no setor de transporte ferroviário, e na compra da Cetip pela BM&F Bovespa.
O controle de condutas, por meio da reparação de danos, seria a área explorável. O private enforcement auxiliaria na identificação das vítimas e na quantificação do dano.
Imposição arbitral?
“Poderia o Cade impor uma sanção como arbitragem, baseado no art. 38, VII(Lei. 12.529)?”, provocação feita por Alexandre Cordeiro suscitou dúvidas nos debatedores.
O texto legal afirma no art. 38 que se pode aplicar penas isoladas ou cumulativas quando a gravidade dos fatos e o interesse público geral o exigir, e o inciso VII que “qualquer outro ato ou providência necessários para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica.”
Carlos Forbes defendeu que pela natureza da arbitragem não seria correto o Cade impor as partes participarem do instrumento. Andrey lembrou da autonomia da vontade quando da existência de uma arbitragem “Me causa espanto o Cade impor como espécie de sanção. Feriria a base de autonomia de vontade.”
Burnier demonstrou reservas a possibilidade. “Qualquer aplicação em sentido eu encararia com reserva.”.
Alexandre Cordeiro lembrou que no caso Cetip-Bovespa o tribunal autorizou o negócio com a existência de tribunal arbitral, previsto nos remédios necessários para a concretização da operação, em casos de discordância entre o player criado com a fusão, o B3 e uma nova empresa a entrar no mercado.
A criação da B3 leva à existência de apenas uma plataforma que concentra todos os dados das empresas participantes do mercado e ela define o valor cobrado pelo acesso de outras companhias que administram ações aos dados estruturantes das empresas que disponibilizam ações.
A alegação da SG era que, com a fusão, ficaria impossível a entrada de um novo player, já que além do alto poder de mercado da BM&F Bovespa e da Cetip, a primeira era dona dessa plataforma.
Para mitigar os prejuízos que poderiam ser causados, o tribunal do Cade definiu que caso a BM&F Bovespa e uma companhia que tente contratar o acesso a essa plataforma não cheguem a um valor de consenso, será acionado um tribunal arbitral independente, vinculado a CAM-CCBC, que definirá quem tem razão no litígio.
Burnier ponderou ver que a criação desse instrumento foi uma “espécie de cláusula arbitral incompleta”, já que foi acordado entre o Cade e a BM&F Bovespa, e para sua efetivação, necessita de provação de um terceiro.
Lembrando o caso, o presidente do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá afirmou que a matéria deve “servir de exemplo e estudo para muitas e muitas pessoas”. “Muito se precisa escrever, e acredito que nós teremos todo o interesse de desenvolver isso academicamente”, apontou.

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