Ação de exibição antecedente no CPC/2015, por Fernando da Fonseca Gajardoni

O prévio conhecimento de certos dados contidos em documento ou coisa pode ser indispensável para a tomada da própria decisão pelo exercício (ou não) da ação em juízo. Ter ciência dos dados contidos no instrumento do contrato que não se tenha poder; do saldo da caderneta de poupança de vários anos atrás; ou do estado físico de uma coisa comum; é decisivo para que a parte defina não só se vale demandar, mas também se a demanda a se propor tem mínimas chances de êxito.
No regime do CPC/1973 a possibilidade do manejo da ação exibitória antecedente com esse fim era bastante clara. O art. 844 do referido diploma previa que tinha lugar, como procedimento preparatório, a exibição judicial: I – de coisa móvel em poder de outrem e que o requerente repute sua ou tenha interesse em conhecer; II – de documento próprio ou comum, em poder de cointeressado, sócio, condômino, credor ou devedor; ou em poder de terceiro que o tenha em sua guarda, como inventariante, testamenteiro, depositário ou administrador de bens alheios; III – da escrituração comercial por inteiro, balanços e documentos de arquivo, nos casos expressos em lei.
Doutrina era majoritária no sentido de que, apesar de alocada entre os procedimentos cautelares específicos, a nominada ação exibitória não tinha propriamente natureza cautelar, sendo, em verdade, ação de conhecimento (obrigação de fazer) de nítido cunho probatório[1]. Faltava-lhe o requisito básico da cautelaridade: o risco de dano ao direito ou ao processo pelo não exercício da pretensão exibitória de modo imediato, pois, afinal de contas, era lícito seu uso independentemente de haver risco à existência ou conservação do documento ou coisa que se pretendia visualizar.
Nada impedia que a parte, suspeitando do teor do documento ou coisa que se pretendia exibir, já se aventurasse em uma demanda dita principal para o exercício da pretensão, apresentando o pleito exibitório incidentalmente, na forma do art. 355 a 363, e 381 e 382, do CPC revogado. Mas se estes dados não fossem conhecidos ou supostos, não era razoável a propositura da ação cognitiva, por exemplo, para a cobrança de expurgos inflacionários dos anos de 1989, 1990 e 1991, ou de uma ação de revisão do teor de um contrato bancário, sem antes se obter, pela via da exibição antecedente (art. 844 do CPC/1973), o conhecimento do saldo da conta-poupança, ou dos termos do contrato celebrado com a instituição financeira.
O CPC/2015 – tanto quanto fez com praticamente todos os demais procedimentos cautelares em espécie -, deu fim à previsão legal específica da ação exibitória antecedente. Doravante, o exercício de qualquer pretensão de natureza cautelar, antecedente ou incidental, é feito com base no Poder Geral de Cautela do Juiz (art. 300 e 303 do CPC)[2], de modo que não existe mais previsão específica no CPC brasileiro da ação exibitória antecedente.
A partir desta discutível opção legislativa, a prática tem se digladiado sobre o procedimento adequado para se requerer a exibição antecedente. Apesar da manutenção da previsão legal específica da exibição incidental como meio de prova (vide arts. 396 a 404 do CPC/2015), não há expressa previsão legal que autorize o manejo de seu procedimento autonomamente, isto é, independentemente do exercício concomitante da pretensão principal.
Três soluções têm sido aventadas para solucionar o impasse.
A primeira, o manejo da pretensão exibitória pela via cautelar antecedente (art. 305 a 310 do CPC/2015). Proposta a demanda antecedente, e obtida a exibição (inclusive de modo liminar), a parte decidiria, à luz do que foi visualizado, pela propositura ou não, nos mesmos autos do pedido já formulado, da pretensão principal (art. 308 CPC/2015), seguindo-se daí em diante o procedimento comum do art. 334 e ss do CPC/2015.
A vantagem desta opção é a solução da questão de modo semelhante ao que já se fazia no CPC/1973 (o que conta com a simpatia de juízes e advogados), garantindo-se, inclusive, direito de defesa ao requerido em 05 dias (art. 306 do CPC/2015). A desvantagem é a reiteração do erro cometido na vigência do CPC/1973: a pretensão exibitória não é e nem nunca foi cautelar, de modo que o seu exercício não deve obediência aos requisitos das tutelas de urgência previstos no art. 300 do CPC/2015 (probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo), tampouco o exercício da pretensão principal deve se dar no prazo de 30 dias da exibição do documento ou coisa (art. 808 do CPC/2015).
A segunda opção seria a admissão de que, doravante, a exibitória antecedente é exercida pela via cognitiva, como ação de obrigação de fazer, na forma do art. 497 do CPC/2015. A vantagem desta opção é que a pretensão exibitória, de certa forma, seria exercida conforme sua real natureza jurídica: a de pretensão relativa à obrigação de fazer (de exibir), assegurando-se ao requerente a obtenção de tutela provisória de urgência ou de evidência (art. 294 do CPC/2015), e ao requerido amplo e completo direito de defesa (para afirmação da inexistência do dever de exibir ou impossibilidade de fazê-lo). As desvantagens, por outro lado, são inúmeras, advindas da necessariedade de duas ações cognitivas plenárias sucessivas (uma para assegurar o direito à exibição, outra para discutir a questão relacionado ao teor do documento ou coisa exibidas); da lentidão do trâmite das duas ações (com prazo de 15 dias para resposta em cada qual); do efeito suspensivo da apelação contra as duas sentenças que serão proferidas (a retardar o exercício da pretensão principal); da infinidade de recursos cabíveis; da dupla sucumbência, etc.
terceira opção é a admissão de que, na nova formatação do direito à prova do CPC/2015, o exercício da pretensão probatória é autônomo ao direito material e, portanto, o manejo da exibitória antecedente se dará na forma de produção antecipada de provas, conforme art. 381 e ss. do CPC (que não mais condiciona o seu exercício à obtenção antecipada da prova, exclusivamente, oral e pericial)[3].
As vantagens do uso deste procedimento alcançam a celeridade da medida probatória; o encaixe perfeito às necessidades que buscam ser tuteladas pela pretensão exibitória, conforme art. 381, II e III, do CPC/2015 (a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito; ou o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação), afastando a necessidade de se demonstrar urgência para que se obtenha a exibição antecedente; a previsão expressa de que que o juiz da exibitória não se pronunciará sobre o teor do documento ou coisa exibida, nem sobre as respectivas consequências jurídicas da (não) exibição, algo reservado para eventual ação principal a ser proposta (art. 382, § 2º, CPC/2015). A desvantagem, por outro lado, basicamente advém da ausência de previsão legal para o exercício do direito de defesa, vez que o art.  382, § 4º, do CPC/2015, é expresso que neste procedimento, não se admitirá defesa ou recurso, salvo contra decisão que indeferir totalmente a produção da prova pleiteada pelo requerente originário (o que impediria, por exemplo, que a parte demandada arguisse não ter o dever de exibir ou a impossibilidade de fazê-lo).
Mas mesmo o exercício do direito de defesa neste último modelo é possível. Basta que se interprete, à luz das teorias sobre flexibilização do procedimento (necessidade de adequação judicial dos procedimentos às vicissitudes do direito material)[4], as regras dos artigos 381 e ss. em conjunto com dos arts. 396 e ss do CPC/2015 (exibição incidental de documento ou coisa). Neste caso, o polo passivo será citado para dar sua resposta nos 5 (cinco) dias, permitindo-lhe que afirme a inexistência do dever de exibir ou justa causa para não o fazer (art. 398 e 399 do CPC/2015). Caso a recusa seja reputada ilegítima, o juiz determinará a exibição no prazo e sob as penas que fixar (vide art. 400, parágrafo, CPC/2015) e, eventualmente, fará a declaração de não exibição, para que o juízo da futura ação principal ajuizada eventualmente admita como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar (art. 400, caput, do CPC/2015).
Fato é que a inadequada disciplina da exibição antecedente no CPC/2015 leva a esta situação de absoluta perplexidade, em que se encontram 03 (três) vias possíveis e admissíveis para a obtenção do documento ou coisa antes do exercício da pretensão principal.
Ainda levará um tempo para que doutrina e jurisprudência cheguem a algum consenso (se é que possível) sobre a medida adequada para o exercício da pretensão exibitória antecedente. Até lá espera-se que os juízes, à luz da regra da cooperação (art. 6º do CPC/2015), ou admitam quaisquer destas 03 (três) medidas, ou ao menos indiquem aos interessados qual a via adequada para a postulação na forma do art. 321 do CPC/2015.
Em todos os casos, o que parece extreme de dúvidas é que: a) a pretensão exibitória antecedente ainda tem espaço no sistema processual civil brasileiro por conta de sua manifesta utilidade; e b) seja qual for a via eleita para pleiteá-la, ao polo passivo deve ser assegurada a plenitude do direito de defesa, a fim de que possa afirmar e comprovar que não deve ou pode exibir o documento ou coisa pretendidos, na forma do art. 404 do CPC.

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