Eficiência da multa cominatória do art. 537, §1º do CPC 2015: impossibilidade de modificação da multa vencida, por Dante Olavo Frazon Carbonar e Rafaella Nogaroli H

A resistência ao cumprimento de ordens judiciais é um fenômeno cultural muito frequente no Brasil. Uma das maiores dificuldades enfrentadas por aqueles que buscam uma tutela jurisdicional sempre foi a efetividade do processo e, mais especificamente, do efetivo cumprimento das decisões judiciais. Já prelecionava Chiovenda que "processo devido é processo efetivo"1. A busca e a preocupação por esse ideário já eram tópicos constantes em discussões doutrinárias e jurisprudenciais sob a égide do CPC de 19732.

NCPC de 2015 realizou diversas modificações e aperfeiçoou alguns institutos constantes no CPC revogado, visando a celeridade e a efetividade do processo. Pode-se dizer, sem medo de errar, ao se constatar as inúmeras vezes em que foi utilizado o termo "efetividade" nos dispositivos do Novo Código3, que a nova legislação processual civil brasileira está comprometida com a efetividade do procedimento.
Um dos principais fatores que determinam a efetividade processual é a postura ativa do magistrado na condução do processo e do cumprimento das suas ordens. Sobre o tema, o artigo 8º abriga importantes nortes interpretativos que o juiz deve considerar, ao aplicar a norma ao caso concreto, tais como: "bem comum", "dignidade da pessoa humana", "proporcionalidade", "razoabilidade", "legalidade", "publicidade" e "eficiência". Este último vetor, a eficiência, não só orienta a aplicação das normas pelo magistrado, como serve de ferramenta para o bom gerenciamento do processo, de modo que seja apto a "alcançar o melhor resultado, no menor espaço de tempo e trazendo a maior satisfação possível para os jurisdicionados"4.
Com o propósito de conferir maior efetividade ao processo, o CPC/15 traz ferramentas hábeis a forçar o cumprimento das decisões judiciais pelas partes. O art. 139, IV coloca à disposição do magistrado "todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária".
A mesma lógica, de possibilitar que o juiz determine medidas para assegurar a efetividade no cumprimento da ordem judicial, está inserida no artigo 536 do CPC/15, relativo ao cumprimento da sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de fazer ou não fazer. Confere-se poderes ao juiz para que, “de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente”, determine as medidas necessárias à satisfação do exequente.
Dentre essas medidas destinadas a impelir o réu ao cumprimento da decisão judicial, a mais comum é a aplicação da multa cominatória, conhecida também por astreintes, de origem doutrinária francesa. Trata-se do que a melhor doutrina chama de medida de "execução indireta"56. O objetivo da astreinte não é obrigar o réu a pagar o valor da multa, mas coagi-lo a cumprir a obrigação legal de fazer ou não fazer, na forma determinada pelo comando judicial7.

O dispositivo legal que prevê a imposição dessa multa é o art. 537 do CPC/15, que autoriza a sua aplicação (na fase de conhecimento, por meio de tutela provisória, ou na fase executiva), sob a condição de atender os critérios de suficiência e compatibilidade com a obrigação, ajustando-se um prazo razoável para o cumprimento do comando judicial. Descumprida a determinação judicial de fazer ou não fazer, no prazo ajustado, a multa cominatória incidirá imediatamente (art. 537, §4º CPC), podendo ser fixa, periódica ou ainda, progressiva. O valor final de incidência da multa é devido ao seu exequente (art.537, §2º CPC).

Sempre foi consenso na doutrina e na jurisprudência, tanto sob à égide do CPC/73 como do CPC/15, que o valor da astreinte deve ser expressivo, de modo que seja mantida sua força coercitiva. A finalidade precípua é impelir o réu ao cumprimento da obrigação determinada pelo magistrado8. Contudo, na medida em que a multa cominatória deve ter potencialidade suficiente para influir na vontade do devedor em adimplir a obrigação, também deve o valor da astreinte ser sempre regido pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Isso significa que o juiz, diante das peculiaridades do caso concreto, deve estar atento se a multa é realmente útil/compatível a coagir o réu ao cumprimento da obrigação, e, em segundo momento, qual valor se afigura razoável e, ainda, sua periodicidade de incidência para influenciar a vontade do réu. Por isso, caso venha a ser constatado que o valor da astreinte se tornou ínfimo ou excessivo, é possível modificá-lo.
Situação que gerava bastante debate na doutrina e na jurisprudência durante a vigência do CPC/1973 era se uma vez incidida a multa, se seria possível a sua redução, numa espécie de anistia retroativa9. De acordo com o CPC revogado, no seu artigo 461, §6º, "o juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva". Ao ser aplicado esse dispositivo, os magistrados promoviam a redução do valor da astreinte, englobando nela tanto as parcelas vincendas como as vencidas.

A jurisprudência era pacífica no sentido de que sobre a multa cominatória não incidia a coisa julgada, sendo apenas um meio de coerção indireta ao cumprimento da decisão judicial e, por isso, poderia ser cominada, alterada ou suprimida posteriormente10. Inclusive, foi objeto de recurso repetitivo, proferido pela 2ª Seção do STJ, sob a vigência do CPC/73, a consolidação de tese (tema 706) nos seguintes termos: "a decisão que comina astreintesnão preclui, tampouco faz coisa julgada".

Muitas decisões, ao fundamento que a multa cominatória havia alcançado valor elevado e que seu pagamento implicaria enriquecimento sem causa da outra parte, reduziam o montante de toda a multa. Tais decisões acabavam por dar uma alternativa à parte destinatária de decisões de fazer ou não fazer, diante da possibilidade futura de redução da multa cominatória: a de não pagar.

Por isso, diversos julgados demonstravam a preocupação de não se permitir que a multa fosse reduzida quando verificado o descaso do devedor11.

Com o advento do NCPC de 2015, a prerrogativa do magistrado de alterar o valor ou a periodicidade da astreinte sofreu impactante novidade, pois, tal como dispõe o art. 537, §1º, "o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la", quando verificar que "se tornou insuficiente ou excessiva" ou ainda "o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para descumprimento".
Considerando que o vocábulo “vincenda” foi acrescentado ao texto legal, resta claro na lei e, portanto, livre de dúvidas, que uma vez incidida a multa, o valor se torna crédito do exequente (direito adquirido12), não sendo possível sua revisão com efeitos retroativos, ou seja, a decisão que altera-la tem efeitos ex nunc (futuros). Todavia, e infelizmente, tem-se constatado divergência jurisprudencial quanto ao tema.

Tem-se verificado neste início de vigência do CPC/15, ainda que em pequena escala, julgados que apontam a inovação constante do art. 537, §1º do CPC, mostrando-se atentas a impossibilidade de alteração da multa cominatória vencida13. No entanto, há inúmeros provimentos judiciais exatamente em sentido contrário, que reduzem o valor da multa com efeitos ex tunc (isto é, alterando o valor das parcelas já vencidas)14-15. E o fazem sob o mesmo argumento das decisões que assim o faziam durante a vigência do CPC/73.

Tal entendimento, segundo nos parece, além de ser flagrantemente contrário ao que dispõe a lei, enfraquece os mecanismos de coerção que o juiz tem a sua disposição e premia o executado recalcitrante, pois sabendo da possibilidade de ter a multa futuramente reduzida, num juízo de “custo-benefício”, escolhe não respeitar a determinação legal. Tal esperança de “perdão da dívida” não deve ser dada ao executado.

Além disso, é claramente possível refutar o argumento de que, quando o valor da astreinte atinge um patamar elevado acarreta no enriquecimento sem causa do devedor. Nas lições do ilustre magistrado Alexandre Freitas Câmara, há, de fato, uma causa que resultou naquele montante final da astreinte fixada: uma decisão judicial e seu consequente descumprimento16.
Vale também ressaltar que há forte argumento contrário às decisões que limitam o valor da astreinte ao valor da obrigação principal. A multa cominatória não se confunde com a cláusula penal prevista no artigo 412 do Código Civil17. Enquanto esta se refere a um instituto de direito material vinculado a um negócio jurídico, onde se tem um acordo de vontades, aquela é um instrumento de direito processual, que tem o escopo de compelir o devedor ao cumprimento de uma obrigação18.
Isso porque a astreinte "não possui função compensatória ou indenizatória, mas inibitória e coercitiva, ou seja, de coagir a parte ao cumprimento da decisão judicial na forma e prazos determinados"19.
A possibilidade do valor se tornar elevado (inclusive superando o valor da obrigação principal), em caso de descumprimento da determinação judicial, é, justamente, o elemento psicológico de coação ao executado para o cumprimento da determinação judicial. A ausência de limitação, e a impossibilidade de redução da multa que já incidiu, é que tornam a imposição da astreinte como um modo eficiente de coerção do executado.

Além disso, se a multa vier a resultar em altos valores, é importante que se verifique não isoladamente o montante final devido a se pagar, pois o enfoque deve ser posto sobre o período de tempo em que a conduta ilegal do executado foi reiteradamente praticada20. O judiciário não pode restar "vencido" pelo cansaço e pela ausência de cumprimento da decisão judicial pelo executado, não mais exigindo o pagamento da multa incidida. Verificando-se que a imposição de multa cominatória não é capaz de coagir a parte, pode, o magistrado, de ofício, aplicar outra medida que entenda render maior poder de coerção sobre seu destinatário.
O risco de dano ao império da jurisdição estatal, pela proliferação de decisões judicias que aplicam a redução da multa vencida é altíssimo. Não é possível tolerar que a parte descumpra provimento judicial, sob pena de multa cominatória e, posteriormente, afrouxar-se a pena deste que, deliberadamente, se eximiu de cumprir a determinação judicial. Além disso, é contraproducente um sistema com decisões contraditórias quanto aos efeitos das decisões que fixam multa sob pena de seu descumprimento, pois isso enfraquece a jurisdição em razão da sua falta de harmonia. Prejudica-se, como um todo, a própria ordem, inclusive a do juiz, que "nasce", já podendo ser descumprida sem punições efetivas.

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