Da extinção da obrigação alimentar entre cônjuges e companheiros Mário Luiz Delgado

O STJ decidiu, recentemente, em mais um Recurso Especial, tendo por objeto demanda de exoneração de alimentos, que deve ser extinta a "obrigação alimentar quando a alimentada for pessoa saudável, com condições de exercer sua profissão e tiver recebido a pensão alimentícia por tempo suficiente para que pudesse se restabelecer e seguir a vida sem o apoio financeiro da ex-cônjuge". Isso aconteceu no julgamento do REsp 1.531.920 – DF relatado pela ministra Nancy Andrighi1. A mesma 3ª Turma do STJ já havia decidido, em fevereiro deste ano, que "os alimentos devidos entre ex-cônjuges devem ser fixados por prazo certo, suficiente para, levando-se em conta as condições próprias do alimentado, permitir-lhe uma potencial inserção no mercado de trabalho em igualdade de condições com o alimentante2."
Os precedentes refletem a evolução da obrigação alimentar entre cônjuges e companheiros, ao longo dos últimos anos no Brasil, notadamente no que tange à substituição do binômio tradicional necessidade/possibilidade pelo trinômio contemporâneo da necessidade/possibilidade/proporcionalidade, e que trouxe aos alimentos devidos entre ex-cônjuges e ex-companheiros o conceito de excepcionalidade, que repudia a anacrônica presunção de que aquele que recebe os alimentos possa permanecer inerte - quando tenha capacidade laboral, deixando ao outro a perene obrigação de sustentá-lo.
O dever de assistência material, que se converte em obrigação alimentar quando da dissolução do vínculo, não se presta como supedâneo de "aposentadoria" ao cônjuge ou companheiro que se mantém omisso e que não procura, por seu próprio esforço, obter os meios necessários à sobrevivência, sob pena de enriquecimento sem causa.
Por outro lado, o Princípio Constitucional da Solidariedade, que se manifesta de forma muito expressiva nas relações de família, não pode fundamentar qualquer pretensão de se manterem os deveres conjugais e convivenciais, especialmente o da assistência material, de forma permanente, definitiva ou vitalícia, depois de rompida a convivência, de modo a que um ex-cônjuge ou companheiro se torne eternamente devedor do outro, pouco importando o tempo decorrido desde o divórcio ou a dissolução da união estável.
A jurisprudência consolidada no âmbito do STJ mostra-se consentânea com a nova realidade de isonomia entre os parceiros conjugais e aponta para um norte muito claro de extinção dos alimentos devidos entre ex-cônjuges, que só devem ser fixados em situações muito excepcionais, quando um dos cônjuges encontra-se impossibilitado de trabalhar e, simultaneamente, não possua outra fonte de renda. Verificada tal situação, os alimentos podem ser expressamente fixados com lastro na incapacidade laboral permanente ou na impossibilidade prática de inserção no mercado de trabalho.
Acrescente-se que, mesmo nesses casos, a obrigação de sustento, decorrente do princípio da solidariedade, deve ser direcionada preferencialmente aos parentes, especialmente aos filhos maiores e capazes, quando os houver, e não ao ex-cônjuge ou ex-companheiro, em relação aos quais já foram rompidos todos os laços de afetividade que poderiam justificar a continuidade da prestação de assistência material3.
Entretanto, não se pode negar que esse novo momento da jurisprudência brasileira tem causado situações de perplexidade, como nos casos em que pessoas, há muitos anos em situação de dependência dos alimentos, são surpreendidas com a cessação do pagamento, sem qualquer período de transição. Nem mesmo a idade de quem recebe os alimentos tem sido determinante para manutenção da obrigação alimentar. Em um julgamento paradigmático, o STJ determinou a exoneração da obrigação alimentar que perdurava por mais de 18 (dezoito) anos, cuja alimentanda contava com 60 (sessenta) anos quando do julgamento do recurso4.
Em outros casos, pessoas que se divorciam ou dissolvem uma união estável após décadas de convivência e estando, por idêntico período, fora do mercado de trabalho, recebem alimentos transitórios, limitados a períodos muito curtos, o que se mostra absolutamente insuficiente para uma apropriada reinserção no mercado, especialmente em um país com tamanhas distorções, como sói acontecer no Brasil.
No caso ora comentado, a sentença de primeiro grau havia fixado pensão alimentícia para a autora no percentual de 10% sobre a remuneração da parte ré, pelo período de 3 (três) anos. Decorrido menos de um ano e meio, o STJ assentou que a demandante não deveria continuar a receber a verba alimentícia, por se tratar de "pessoa aparentemente jovem, que não sofre de nenhum problema que a incapacite para o trabalho e tenha curso técnico de enfermagem".
A decisão é coerente com a opção que vem sendo trilhada pelo Tribunal da Cidadania, mas, no caso concreto, o tempo de transitoriedade dos alimentos (pouco mais de um ano) talvez não tenha sido o bastante para assegurar a tão sonhada inserção no mercado de trabalho em igualdade de condições com o alimentante.

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