Novamente sobre a responsabilidade civil ambiental dos bancos, por Marina Gadelha

Em 15 de outubro de 2015, o STF decidiu, na ADI 5127, que o Congresso Nacional não pode mais incluir, em medidas provisórias (MP) editadas pelo Poder Executivo, emendas parlamentares que não tenham pertinência temática com a norma, o chamado “jabuti”.
Com base nessa decisão, a Advocacia-Geral da União acrescentou aos vetos do Projeto de Lei de Conversão 3, de 20171 (MP 752/16), que “Estabelece diretrizes gerais para prorrogação e relicitação dos contratos de parceria definidos nos termos da lei 13.334/16, nos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário da administração pública federal”, o veto ao artigo 35, que assim dispunha:
"Art. 35. As instituições supervisionadas pelo Banco Central do Brasil e as entidades governamentais de fomento somente responderão por dano ambiental nos contratos de parceria se comprovado dolo ou culpa, bem como a relação de causalidade entre sua conduta e o dano ocorrido.

Parágrafo único. As entidades referidas no caput deste artigo serão subsidiariamente responsáveis pela reparação do dano para o qual tenham contribuído, no limite de sua participação na ocorrência do referido dano."
O dispositivo tinha, como é nítido, o propósito de retirar das instituições bancárias a responsabilidade objetiva pelos danos ambientais causados por atividades empresárias que tenha financiado. Essa responsabilidade descende da aplicação dos artigos 3º, IV; 12 e 14, §1º da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (lei 6.938/81).
O artigo 3°, IV conceitua poluidor como sendo aquele que é responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental. O artigo 12 determina que as entidades financiadoras condicionem a aprovação de projetos ao cumprimento das normas ambientais e que incluam nos projetos financiados “a realização de obras e aquisição de equipamentos destinados ao controle de degradação ambiental e à melhoria da qualidade do meio ambiente”. Por fim, o § 1° do artigo 14 explicita que o poluidor é obrigado, “independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”.
Por meio de uma interpretação sistemática desses três dispositivos, os responsáveis indiretos pela poluição vêm sendo objetivamente responsabilizados pelos danos ambientais. Assim, os bancos, como financiadores das atividades, são considerados poluidores por via indireta e, consequentemente, objetiva e solidariamente responsáveis pelos danos causados ao meio ambiente.
Ainda que algumas decisões tenham investido contra essa concepção, por entenderem que a responsabilidade ambiental da instituição financeira necessita de comprovação do conhecimento de que a atividade do tomador teria causado danos ambientais2, o posicionamento do STJ é pela responsabilidade objetiva e solidária dos financiadores3”.
Sem adentrar no mérito do veto – especialmente porque as razões dizem, exclusivamente, com a “inconstitucionalidade formal, por configurar situação de impertinência temática ao objeto inicial da Medida Provisória” – certo é que a questão necessita de uma abordagem legislativa apropriada.
Primeiro, porque os bancos já são signatários do “Protocolo Verde”, datado de 1992 e do “Equator Principles”, de 2003. Hoje, os projetos considerados de alto ou médio risco ambiental exigem, para fins de financiamento, a elaboração de um documento de avaliação ambiental do projeto e que aborde, ainda, os métodos de prevenção e controle dos impactos ambientais esperados.
Segundo, porque a responsabilidade civil ambiental além de objetiva é também solidária4, de tal sorte que as instituições financeiras costumam ser alvo de ações judiciais por danos ambientais antes mesmo dos verdadeiros poluidores, a despeito de serem considerados pela própria legislação como poluidores indiretos.
A essas duas razões anteriores há que se somar uma terceira, que, na prática, reforça os argumentos já apresentados: a de que os bancos não possuem poder de polícia administrativa e não podem, por conseguinte, realizar uma fiscalização intensa e profunda das atividades que financiam. É dizer: as instituições financeiras não são legalmente autorizadas a supervisionar os empreendimentos que financiam; logo os dados ambientais que obtêm ou têm origem exclusiva nas informações repassadas pelo empreendedor ou em fiscalizações previstas apenas contratualmente, isto é, bastante limitadas.
Dessarte, ainda que a MP 752/16 não tenha sido feliz ao inserir o “jabuti”, a matéria precisa ser revisitada pelo legislativo, de modo a garantir aos bancos um tratamento proporcional à sua responsabilidade e, sobretudo, à capacidade de fiscalização das atividades que financiam.

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