O artigo 334 do novo Código
de Processo Civil[1] tem sido
alvo de elogios e de críticas. Os que lhe são favoráveis defendem a necessidade
de se exterminar o complexo de “otoridade”, isto é, desmitificar o juiz como
único capaz de decidir conflitos, chamando as partes não só para responderem
pelos atos que geraram a situação conflituosa, mas também para, juntas,
encontrarem uma solução para o impasse. É cultura do povo brasileiro que qualquer
pessoa ou instituição que venha a substituir o juiz togado não seja confiável.
Puro preconceito, e como tal, demanda tempo para ser banido. Já os que lhe são
contrários, defendem que a mediação tem por protagonista a autonomia da vontade
que exclui, por completo, qualquer caráter impositivo.
Particularmente, muito me
chama a atenção os ensinamentos de Osvaldo Gozaíni no sentido de que acesso à
Justiça é difrente de acesso aos juízes,
bem como que acceso no es entrada, es desarrollho, protección, seguridad y
satisfacción sin resentimiento[2].
Irretocável! Mas como colocar em prática o “acesso a uma ordem jurídica justa[3]”?
O prazo razoável da duração
do processo é tema de preocupação mundial e não precisamos atravessar o
continente para aprender com outras Nações. Humberto Theodoro Júnior vai além
ao reverenciar a etapa prévia da mediação[4]
instituída no ordenamento jurídico argentino[5]:
(...) Na América Latina, merece destaque a
posição da Argentina, que há algum tempo alterou o seu Código de Processo Civil
para instituir em caráter obrigatório a mediação prévia a todos os juízos,
destinada a promover a comunicação direta entre as partes em busca da solução
extrajudicial da controvérsia.
Para
a doutrina argentina, a implementação de formas alternativas de resolução dos
conflitos produz duplo e relevante efeito:
a)
a curto prazo, tende a aliviar a sobrecarga de trabalho dos juízes; e
b)
a longo prazo, se pode esperar uma mudança de mentalidade da sociedade,
especialmente dos operadores do direito, por meio da qual, a um só tempo, será
possível “um maior acesso à justiça” conjugado com uma redução do ingresso de
causas no sistema jurisdicional. (Grifos nossos).
Há inúmeras vozes (e com
razão) sustentando que a mediação não tem por objetivo descongestionar o Poder
Judiciário. Entretanto, não há como se negar que a diminuição da sobrecarga
judicial é um efeito natural de sua adoção.
A sociedade brasileira tem
que ser pragmática e ousada, se efetivamente quiser mais preservar as relações
e litigar menos, o mesmo valendo para o legislador e, com mais contundência,
para os operadores do direito.
O Poder Judiciário
brasileiro está abarrotado. E se existem outros métodos que resolvem os conflitos,
nada mais inteligente do que recorrer a eles. Ademais, não há informações na
literatura de que a adoção dos meios alternativos de solução tenha sido
negativa para o Estado ou para os usuários do sistema.
É notória e excessiva a preocupação
da lei em reduzir o “gargalo” recursal e repetitivo o esquecimento em incrementar
a atividade impeditiva do nascimento ou da continuação do processo no primeiro
grau de jurisdição. É o mesmo que tratar os sintomas sem tratar a doença.
O fundamento das críticas ao
dispositivo legal em comento é forte (ausência de voluntariedade), mas não
irrefutável. Efetivamente, a mediação terá início com um “chamado” judicial e
não por iniciativa das pessoas envolvidas no conflito. Entretanto, não podemos
deixar de considerar que a grande massa da população brasileira apenas
conhecerá e participará de um procedimento de mediação que tenha curso na
iniciativa pública. Assim, a meu ver e nas circunstâncias aqui colocadas, disseminar
a mediação é preponderante frente a autonomia da vontade.
Os operadores do direito têm
lição de casa para fazer (e eu, como aprendiz, me incluo, obviamente): i) fomentar
e valorizar a pacificação dos conflitos, abandonando a cultura de que apenas o
juiz tem capacidade e poder para solucionar as pendengas e a falsa ideia de que
a mediação acarretará diminuição ou perda do mercado de trabalho; ii) reformar
a lei com os olhos voltados para o início e não para o meio ou para o fim da
linha do tempo processual.
__________
[1] Art. 334. Se a petição inicial preencher os
requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o
juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima
de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de
antecedência.
§ 1o O conciliador ou mediador, onde
houver, atuará necessariamente na audiência de conciliação ou de mediação,
observando o disposto neste Código, bem como as disposições da lei de
organização judiciária.
§ 2o Poderá haver mais de uma sessão
destinada à conciliação e à mediação, não podendo exceder a 2 (dois) meses da
data de realização da primeira sessão, desde que necessárias à composição das
partes.
§ 3o A intimação do autor para a audiência
será feita na pessoa de seu advogado.
§ 4o A audiência não será realizada:
I - se
ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição
consensual;
II - quando
não se admitir a autocomposição.
§ 5o O autor deverá indicar, na petição
inicial, seu desinteresse na autocomposição, e o réu deverá fazê-lo, por
petição, apresentada com 10 (dez) dias de antecedência, contados da data da
audiência.
§ 6o Havendo litisconsórcio, o desinteresse
na realização da audiência deve ser manifestado por todos os litisconsortes.
§ 7o A audiência de conciliação ou de
mediação pode realizar-se por meio eletrônico, nos termos da lei.
§ 8o O não comparecimento injustificado do
autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à
dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da
vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União
ou do Estado.
§ 9o As partes devem estar acompanhadas por
seus advogados ou defensores públicos.
§ 10.
A parte poderá constituir representante, por meio de procuração
específica, com poderes para negociar e transigir.
§ 11.
A autocomposição obtida será reduzida a termo e homologada por sentença.
§ 12.
A pauta das audiências de conciliação ou de mediação será organizada de
modo a respeitar o intervalo mínimo de 20 (vinte) minutos entre o início de uma
e o início da seguinte.
2 GOZAÍNI, Osvaldo A. Elementos de derecho procesal civil. 1ª
ed. Buenos Aires: Ediar, 2005, pág. 85.
3 Nos dizeres de Kazuo Watanabe.
4 A Lei 24.572, de 1.995
instituiu a obrigatoriedade da etapa da mediação prévia para os processos civis
e comerciais com conteúdo econômico. O mediador não tem vínculo com o Poder
Judiciário, tampouco o representa. Ele é dependente do Poder Executivo, o que
implica gastos do Estado. A mediação, instância administrativa prévia, coloca
os interessados frente a frente, expondo os seus argumentos sem as formalidades
do processo judicial. O mediador, por sua vez, não apresenta a eles uma solução
para o conflito; apenas os auxilia a chegar a ela. Não desejando um dos
interessados encerrar o conflito em tal instância, passa-se, então, para a fase
judicial. A mediação não será compulsória quando se desejar submeter a questão
à arbitragem.
5 THEODORO, Humberto
Júnior. Efetividade da Prestação
jurisdicional. Insuficiência da reforma das leis processuais. Disponível em: <http://www.abdpc.org.br/artigos/artigo51.htm>. Acesso em: 21 jun.
2013.
Sandra Regina Pires. Doutora em Direito com área de conhecimento
em Direito Internacional - Arbitragem Comercial Internacional: circulação de
sentença arbitral estrangeira e o perfil do Superior Tribunal de Justiça.
Pós-Graduada em Direito Processual Civil com Formação para o Magistério
Superior. Mediadora e Conciliadora capacitada para atuar nas iniciativas
pública e privada, cadastrada no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Advogada militante há 25 anos nas áreas cível e família. Atuação no Magistério
Superior por 9 anos nas disciplinas: Prática Jurídica Civil I e II, Direitos
Reais, Responsabilidade Civil e Direito Civil I (Parte Geral). Professora na
Escola Superior da Magistratura (ESMA) de João Pessoa e Campina Grande nas
disciplinas Ação Popular/Ação Civil Pública, Atualidades em Processo Civil,
Direitos Reais e Direito Civil I (Parte Geral).
Comentários
Postar um comentário