Contrato 'built to suit': em defesa da atipicidade contratual, por Alexandre Junqueira Gomide

O contrato built to suit, modalidade contratual emprestada dos Estados Unidos da América, há pouco mais de quinze anos, vem sendo firmado com frequência no Brasil.
Trata-se, basicamente, de contrato em que uma empresa (ocupante), interessada em instalar ou ampliar suas atividades, contrata outra (construtor ou investidor) para construir ou reformar galpões, escritório, polos industriais, dentre outros, sob suas especificações.
As empresas, portanto, que não possuem em seu objeto social as atividades da engenharia civil, preferem outorgar todas essas obrigações e custos a terceiros, de forma a receberem imóvel pronto, mediante suas especificações, sem se preocupar com os problemas decorrentes de qualquer obra. Além disso, há enorme economia quando não há necessidade de custear a aquisição e/ou construção do imóvel, ficando responsável apenas por uma remuneração mensal, ao longo dos anos. Os atuais tempos de crise tornam ainda mais evidente o interesse das empresas em não arcar com os custos para aquisição e construção de imóveis.
Frise-se, ainda, que não havendo necessidade de imobilizar o seu capital, as empresas dão maior eficiência ao seu core business, ganhando, assim, capital de giro. Além disso, melhoram seus índices de liquidez e contabilizam a remuneração paga ao empreendedor como despesa operacional, permitindo uma redução de sua carga tributária¹.
Por outro lado, aos investidores ou construtores, há enormes vantagens, eis que firmam contratos longos (normalmente dez, vinte ou trinta anos) com empresas de grande porte, podendo, ao longo dos anos, obter lucro substancial suficiente para remunerar o investimento da construção, além de obterem lucro com a cessão do uso de tais imóveis.
Por ter se tornado um contrato corriqueiramente firmado entre as empresas, algumas vozes do legislativo passaram a defender a necessidade de sua regulamentação pelo ordenamento brasileiro, sustentando a necessidade de conferir mais segurança jurídica a essa nova modalidade contratual.
Alguns, por sua vez, defendiam a desnecessidade de regulamentação do built to suit. Para esses, as regras da Lei do Inquilinato não deveriam ser aplicáveis, por se tratar de contrato atípico, com prestações decorrentes do contrato de locação, mas também outras decorrentes da empreitada e compra e venda.
Diante disso, por iniciativa do deputado Carlos Bezerra (PMDB-MT), inicialmente, propôs-se Projeto de Lei, para consignar que o contrato built to suit seria classificado pela sua atipicidade e restasse claro, na Lei do Inquilinato, que as disposições daquele diploma não seriam aplicadas a referidos contratos.
Ocorre que após discussões legislativas e, sobretudo, com o apensamento de outro PL, agora de autoria do deputado Julio Lopes (PP-RJ), este passou a defender que o contrato built to suit era "modalidade muito utilizada nos países desenvolvidos e que no Brasil não evolui a contento, visto não encontrar a necessária segurança jurídica que brota da ausência de previsão legal, consequentemente de regulamentação, seja no formato do Código Civil, seja na lei do inquilinato".
Pouco tempo depois da tramitação legislativa, foi sancionada pela Presidente Dilma Rousseff, em 19 de dezembro de 2012, a lei 12.744/12, que alterou a Lei do Inquilinato para conferir nova redação ao art. 4º e incluir o art. 54-A.
Ao incluir referido contrato na Lei do Inquilinato, o operador se deparou com a seguinte questão: o built to suit, modalidade contratual que possui prestações da locação e da empreitada passou a ser considerado um contrato típico locativo?
Embora o art. 54-A, da lei 8.245/91 refira-se ao built to suit como "locação", o que nos faria pensar que estamos a tratar de um contrato típico da locação, por outro, determina, o mesmo dispositivo, que "prevalecerão as condições livremente pactuadas no contrato respectivo e as disposições procedimentais previstas nesta lei", o que poderia significar que estamos a tratar de um contrato atípico, uma vez que as disposições contratuais sobrepõem-se às demais regras da Lei do Inquilinato. O texto legal, portanto, pode ensejar dubiedade de interpretação.
A doutrina está dividida. Enquanto alguns autores entendem que se trata de um contrato típico de locação², a maioria dos autores defende a sua atipicidade³.
Somos partidários da atipicidade desse modelo contratual. A considerar a prestação da empreitada, não nos parece suficiente a classificação do contrato built to suit como um contrato típico de locação. A prestação da empreitada extrapola completamente a tentativa de tentar qualificar os elementos essenciais do contrato built to suit como tão somente um contrato locativo. Além disso, as determinações da lei 12.744/12 não são suficientemente completas para regular esse tipo de contrato4.
E a divisão da doutrina poderá ensejar os mesmos problemas decorrentes dos contratos de utilização de unidade em shopping center (art. 54, da lei 8.245/91) que até o presente momento não possui pacificação na jurisprudência sobre sua tipicidade e disciplina jurídica.
Em nossa opinião, agiu precitadamente o legislador brasileiro com a edição da lei 12.744/12. Segurança jurídica não significa regulamentação no texto da lei. O art. 425, do Código Civil, permite que as partes firmem contratos atípicos, desde que verificados os elementos de existência, requisitos de validade e fatores de eficácia. A considerar as partes envolvidas e o objeto do contrato, não haveria necessidade do legislador regulamentar o built to suit. A regulamentação poderá trazer mais problemas do que soluções.
Diga-se, ainda, que a discussão sobre tipicidade e atipicidade não é meramente acadêmica. A tipicidade traz consequências na disciplina jurídica dos contratos. Sendo um contrato atípico, prevalecem as disposições contratuais firmadas entre as partes e as regras das prestações que compõem aquele contrato podem ser utilizadas, por analogia, se for o caso. Sendo o contrato típico, prevalecem as disposições legais do contrato tipificado e as cláusulas contratuais não poderão ultrapassar os limites impostos pela lei.
Pois bem. A nossa opinião é que o contrato built to suit é um contrato atípico (mesmo sendo previsto na Lei do Inquilinato) e, nesse sentido, a disciplina jurídica deve respeitar a seguinte hierarquia:
(i) A lei 12.744/12, que alterou o artigo 4º e inseriu o art. 54-A, na lei 8.245/91, a cujos limites estarão adstritas as partes, inclusive nas disposições procedimentais da Lei (à exceção da ação revisional que as partes poderão renunciar).
(ii) "as condições livremente pactuadas no contrato respectivo" (art. 54-A);
(iii) as normas e princípios estabelecidos no Código Civil para a generalidade dos contratos;
(iv) usos e costumes da operação econômica dos contratos built to suit e
(v) por fim, valendo-nos de uma aplicação analógica, (a) as demais disposições da lei 8.245/91; (b) as disposições do contrato de empreitada no Código Civil (artigos 610 a 626) e (c) as disposições do contrato de compra e venda no Código Civil (artigos 481 a 504) e (d) as disposições do contrato de locação previsto no Código Civil (artigos 565 a 578).

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