Tutela da Evidência com fundamento em precedentes ou tutela de urgência?

No perfil do Código de Processo Civil de 2015 as chamadas tutelas provisórias podem ser requeridas com fundamento na urgência ou na evidência (art. 294). A tutela da evidência a qual se ocupam as hipóteses do art. 311 ganha destaque no perfil do novel Código de Processo Civil, em especial as situações previstas nos incisos II, III e IV, as quais não possuem correspondência no CPC/73. Como já pudemos examinar em outra oportunidade, o art. 311 cuida da tutela provisória que prescinde da demonstração do elemento urgência.1
Disciplina o inciso II do art. 311 a autorização para a concessão da tutela de evidência quanto as alagações de fato puderem ser comprovadas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante. Portanto, o critério eleito pelo legislador para referida hipótese autoriza a concessão da medida fundada em precedente firmado em casos repetitivos2 ou súmula vinculante.
Recentemente o tribunal de justiça do Estado de São Paulo, quando do julgamento de recurso de agravo de instrumento, concedeu a tutela da evidência sob o fundamento, em primeira leitura, da tese apontada pelo recorrente estar firmada em precedentes do tribunal e do Superior Tribunal de Justiça:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. Tutela provisória em ação declaratória cumulada com repetição de indébito. Cálculo de ICMS sobre cobrança de consumo de energia elétrica. Entendimento jurisprudencial de que as Tarifas de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) e Distribuição (TUSD) não incidem no cálculo do ICMS. Requisitos da tutela de evidência que restaram preenchidos (art. 311, inciso II, do CPC). Precedentes do C. STJ e deste E. TribunalDecisão reformada. RECURSO PROVIDO."
(TJ/SP, Agravo de Instrumento n. 2236595-24.2016.8.26.0000, 8ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Antonio Celso Faria, j. 20/3/2017)
A ementa do julgado em referência permite aferir que a tutela de evidência restou concedida com base em precedentes do Superior Tribunal de Justiça e do tribunal de justiça Estadual, a ampliar o rol restritivo do art. 311, II, do CPC. De igual modo, os fundamentos postos no voto condutor estão assentados em precedentes de qualificação distinta do art. 311, II, do CPC, pois tratam de precedente firmado pela corte especial Superior Tribunal de Justiça3 e diversos julgados do tribunal de justiça Estadual:
"(...)
No mesmo sentido TJSP: Agravo de Instrumento nº 2179938- 2.2016.8.26.0000, Rel. Fermino Magnani Filho, j. em 16/11/2016; Agravo de Instrumento nº 2201814-73.2016.826.0000, Rel. Osvaldo Magalhães, j. em 07/11/2016; Agravo de Instrumento nº 2209219-63.2016.8.26.0000, Rel. Venicio Salles, j. em 09/11/2016; Agravo de Instrumento nº 2118858-97.2016.8.26.0000; Rel. Marcos Pimentel Tamassia, j. em 19/07/2016; Apelação nº 1049375-66.2015.8.26.0053, Rel. Ponte Neto, j. em 29/06/2016; Apelação/ Reexame necessário nº 1012339-53.2015.8.26.0032; e Rel. Ronaldo Andrade, j. em 08/06/2016. Sendo assim, considerando que o ICMS incide sobre operações relativas à circulação de mercadorias, serviços de transporte e comunicação, nos termos do art. 155, inciso II, da Constituição Federal, e que a energia elétrica, para fins de tributação, é considerada como mercadoria, a hipótese de incidência do imposto restringe-se ao efetivo consumo pelo destinatário.
Portanto, em que pese o entendimento do ilustre Juízo singular, na hipótese em apreço, é de reconhecer-se a presença dos requisito da tutela de evidência, que são a comprovação da alegação documentalmente e a existência de tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante (art. 311, inciso II, do CPC/2015), o que afasta a necessidade de comprovação da urgência."
(Voto condutor do Agravo de Instrumento n. 2236595-24.2016.8.26.0000, 8ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Antonio Celso Faria, j. 20/3/2017, TJ/SP)
A despeito do fundamento acima não corresponder à hipótese prevista no art. 311, II, do CPC, qual seja, tutela da evidência fundada em casos repetitivos ou súmula vinculante, a corte bandeirante houve por prestigiar a inteligência do art. 927 do CPC, no sentido de se observar a eficácia persuasiva de entendimentos firmados pelas Cortes Superiores a respeito de dada matéria.
Em verdade, o julgado acima não reflete hipótese restrita de tutela provisória concedida com fundamento na evidência (até porque, repita-se, a evidência do direito apontada estava fundada em precedente do STJ e do tribunal de justiça Estadual ao invés de casos repetitivos ou súmula vinculante), mas pela leitura do voto constante ao final do v. acórdão depreende-se também o fundamento da urgência:
"(...)
Por outro lado, no caso de entendimento diverso, também é possível a concessão da tutela de urgência, nos termos do art. 300 do CPC/2015, tendo em vista que as razões expostas nos julgados convencem da probabilidade do direito alegado e há quase certeza da procedência da demanda, diante da cobrança de flagrante aparência como indevida.
"O risco de dano de difícil reparação decorre do pagamento de imposto ilegítimo, que levará o contribuinte à necessidade de postular a repetição de indébito, meio oneroso de recuperação do numerário indevidamente exigido.
Frente aos precedentes citados, sendo firme a orientação do Colendo Superior Tribunal de Justiça, recentemente reiterada, assume diminuta importância a alegação de suposta irreversibilidade da medida, diante da eventual impossibilidade do contribuinte saldar o débito, caso vencido na demanda.
Assim, em virtude de tese já confirmada pela jurisprudência deste E. Tribunal e do C. STJ, no sentido que a transmissão e distribuição de energia elétrica não compõem o fato gerador de ICMS, restam preenchidos os requisitos necessários à concessão da tutela provisória requerida, razão pela qual deve o recurso ser provido."
(Voto condutor do Agravo de Instrumento n. 2236595-24.2016.8.26.0000, 8ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Antonio Celso Faria, j. 20/3/2017, TJ/SP)
A despeito do v. acórdão objeto deste comentário em verdade revelar a fusão de fundamentos para a concessão da tutela provisória (evidência e urgência), tem-se que a observância do art. 927 do CPC deve servir fundamento hábil a ensejar a concessão da tutela provisória de urgência na perspectiva de se preencher o requisito da probabilidade do direito (art. 300 do CPC).
Vale dizer, precedentes reiterados do STJ e do tribunal de justiça Estadual ou tribunal regional, enunciados de súmula, acórdãos em incidente de assunção de competência, enunciados de súmula do STF e STJ e orientação do plenário ou órgão especial aos quais estiverem vinculados, a despeito de não se enquadrar na hipótese do art. 311, II, do CPC, certamente terão o condão de preencher o requisito da probabilidade do direito que, aliado ao elemento urgência, autorizarão a concessão da tutela provisória de urgência. Neste cotejo, imperiosa a observância do art. 927 do CPC a fim de se aferir o grau de persuasão do precedente que se firma a existência da probabilidade do direito e, ainda, sua aplicação em consonância com o art. 489, § 1º, VI, forte em dizer que não se considera fundamentada a decisão que deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
As conclusões acima já vêm sendo postas em prática pelo tribunal de justiça do Estado de São Paulo em julgados realizados recentemente. Apesar de se tratar da mesma matéria posta para reexame, alguns julgados afastaram a concessão de tutela da evidência por não se tratar de precedente que se enquadre no art. 311, II, do CPC, muito embora reconheceram que razão assistia à tese do recorrente4. Por sua vez, a mesma tese posta, porém aliada ao elemento urgência, foi suficiente a autorizar a concessão da tutela provisória5.

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