Novo CPC e execução de alimentos, por Rodrigo Becker e Victor Trigueiro

O filósofo grego Epicuro (341 a.C. – 270 a.C.), na carta enviada a seu amigo Meneceu, disse: “os alimentos mais simples proporcionam o mesmo prazer que as iguarias mais requintadas, desde que se remova a dor provocada pela falta”[1].
Para Epicuro, a filosofia tinha a função de ensinar as pessoas a interpretar corretamente seus próprios impulsos físicos e, também, a dominá-los. Defendia ele, assim, a maneira como o homem deve encarar a vida e da busca da felicidade, a partir dos prazeres mais simples.
Muito embora Epicuro não estivesse tratando da necessidade de alimentos, e sim da simplicidade com que se deve usufruí-los, deixou clara essa necessidade, afirmando a dor que provoca a falta de alimentos.
É nesse contexto que se pode analisar recente acórdão do Superior Tribunal de Justiça, que decidiu que, na execução de alimentos pelo rito do artigo 733 do CPC/1973 (com correspondência no artigo 528 do CPC/2015), o executado pode comprovar a impossibilidade de pagamento por meio de prova testemunhal, desde que a oitiva ocorra no tríduo previsto para a justificação.
A discussão posta no processo resumia-se em saber se o devedor, instado a pagar alimentos atrasados, pode pedir a oitiva de testemunhas para demonstrar a sua incapacidade de pagamento.
Nesse sentido, o art. 528 do CPC/, que reproduz, na essência, o art. 733 do CPC/73, afirma que “no cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo”.
Destarte, a lei autoriza que o devedor justifique a sua impossibilidade de efetuar o pagamento, no prazo de 3 dias, para se eximir da prisão. Note-se que essa justificativa, se acolhida, não exclui o débito, mas tão somente a prisão do devedor (art. 528, § 3º, do CPC/15).
A Terceira Turma do STJ, por maioria, decidiu, portanto, que a justificativa pode ser feita por prova testemunhal, ainda que a lei não diga nada expressamente, mas deve ser ela realizada no prazo regulado para a justificação:
CIVIL.  PROCESSUAL CIVIL.  RECURSO ESPECIAL.  DIREITO DE FAMÍLIA. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS.  PRISÃO CIVIL.  ESCUSA.  PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL. POSSIBILIDADE.
  1.  O exíguo prazo de três dias concedido ao alimentante para pagar ou justificar o não-pagamento de pensões alimentícias em atraso, tem como objetivo primário garantir a sobrevida do alimentado, pois o atraso nos alimentos pode leva-lo à carência crônica dos mais básicos meios de subsistência.
  2. Nessa senda, não se verifica, a priori, nenhuma impossibilidade de a escusa ao pagamento ser realizada por meio de oitiva de testemunhas, prova perfeitamente aceitável, mesmo na excepcional execução do art. 733 do CPC/73.
  3. No entanto, o tríduo é peremptório, porque o risco alimentar do executado é premente, devendo a justificativa ser produzida neste intervalo e, nessa linha, o mero protesto pela produção de prova testemunhal não pode ser aceito, poquanto fatalmente se estenderá além da janela temporal de justificativa permitida na legislação.
  4. Recurso não provido. (REsp 1601338/SP, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe 24/02/2017)
É de se destacar que o Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, relator originário do processo, era mais flexível, e admitia a justificação após o referido prazo.
Afirmou ele em seu voto vencido:
“Não obstante a defesa do executado por dívida alimentar não possua a mesma abrangência de outras espécies de execução, dada a sua relevantíssima natureza jurídica de satisfação de necessidades vitais de quem não pode provê-las por si só, deve-se permitir a produção de prova oral no rito do art. 733 do Código de Processo Civil de 1973, por ampliar a defesa daquele submetido a medidas demasiadamente coercitivas.”
Todavia, em menor extensão, restringido a possibilidade de justificação por prova testemunhal apenas durante os três dias estabelecido no art. 733 do CPC/73 (art. 528 do CPC/15), a Min. Nancy Andrighi, que conduziu o voto majoritário, aduziu:
“nessas circunstâncias, o tempo processual, que é propositadamente exíguo, seria indevidamente dilatado, em detrimento da segurança alimentar da recorrida.
E deve se afirmar, ao fim, que as condições peculiares do pensionamento da recorrida – que tem quatro filhos dividindo os encargos alimentares – não pode servir de cunha para uma flexibilização desse posicionamento, porquanto a condição do STJ como Corte de Precedentes, exige, no mais das vezes, uma definição de tese aplicável a hipóteses símeis, e de regra, há um único alimentante, que entrando em mora, põe em risco a própria sobrevida do alimentado.” (Destaque nosso)
Percebe-se do voto da Min. Nancy Andrighi, que o “como provar” não pode flexibilizar o “em quanto tempo provar”. O tríduo é peremptório, porque o risco alimentar do executado é premente.
Em comentários ao art. 528 do novo CPC – que reproduz parcialmente a redação do art. 733 do CPC/73 –, Daniel Assumpção Neves ratifica que a impossibilidade absoluta de adimplemento da obrigação pode ser realizada por todos os meios possíveis:
“O executado poderá no prazo de 3 dias de sua intimação se justificar pelo não pagamento, indicando com seriedade e de forma fundamentada as razões que efetivamente o impossibilitaram de satisfazer o direito do exequente. A seriedade da alegação decorre geralmente de prova documental juntada com a defesa, mas o executado tem direito a produzir provas em momento procedimental posterior, em especial a testemunhal, que não pôde ser produzida no momento da defesa. A justificativa impede a prisão porque, segundo o art. 5º, LXVII, da CF, somente o inadimplemento voluntário e inescusável da obrigação alimentícia permite a prisão civil.
Sendo acolhida a defesa, a prisão civil não será decretada, devendo o juiz extinguir a execução, podendo o exequente requerer a instauração da execução por quantia certa contra devedor solvente pelo procedimento comum, nos próprios autos ou em autos apartados.”[2]
O autor não se posiciona expressamente quanto ao prazo que tem o devedor para fazer uso da prova testemunhal, contudo, da leitura do trecho acima, extrai-se que parece admitir a produção da prova mesmo em momento posterior ao tríduo legal, na medida em que afirma que “o executado tem direito a produzir provas em momento procedimental posterior, em especial a testemunhal, que não pôde ser produzida no momento da defesa”.
No nosso entendimento, agiu bem a terceira turma, ainda que por maioria de votos.
De fato, como explicou a Min. Nancy Andrighi, o tempo corre contra o alimentando (credor dos alimentos) que, a depender da situação, não pode aguardar a disponibilidade do devedor em produzir prova testemunhal em momento posterior. O decurso desse tempo prejudica, antes de qualquer pessoa, o próprio credor.
O objetivo da decisão é tratar dos alimentos, bem maior que alguém pode usufruir, e de uma eventual justificativa pelo seu inadimplemento, porque, retornando à Epicuro, a falta deles provoca uma dor injustificável.
Destarte, a justificativa pelo devedor, de sua incapacidade de adimplir com a obrigação alimentar, é exceção que, respeitado o contraditório, deve ser utilizada em casos específicos, desde que devidamente comprovado. Essa comprovação, por certo, não pode fugir das regras probatórias do processo civil, notadamente diante da generalidade com que o código trata tal justificação, quando cuida dos alimentos.
Por outro lado, o respeito ao contraditório deve ser harmônico com o direito aos alimentos e a necessidade que os credores têm de recebê-los. Assim é que, compatibilizar o contraditório e a ampla defesa com o direito de o alimentante ver assegurado de forma célere o seu direito de receber alimento, é medida justa e que faz merecer aplausos a decisão do Superior Tribunal de Justiça.  
Entendeu a Turma, assim, que, em tese, a justificativa pela escusa no pagamento de alimentos, regulada pelo art. 733 do CPC/73 (art. 528, § 1º, do CPC/15), pode ser realizada por prova testemunhal, contudo, essa justificativa deve ser realizada no prazo legal de 3 dias, fixado para a justificativa (art. 528 do CPC/15).
Vale ressaltar que a decisão do Superior Tribunal de Justiça se deu por maioria, em que dois Ministro acompanharam o entendimento da Min. Nancy Andrighi, enquanto o Min. Villas-Boas Cuevas foi seguido por outro julgador.
O placar apertado demonstra que a questão ainda não está resolvida no âmbito do Tribunal, podendo ser modificada, a depender da composição da Turma julgadora no momento da decisão.
O ideal é que o Superior Tribunal de Justiça se posicione, em breve, por sua composição ampliada e competente para dirimir conflitos entre turmas de direito privado (segunda seção), definindo o marco temporal em que o devedor pode utilizar prova testemunhal para justificar o inadimplemento da obrigação. 



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