Limites da confidencialidade na audiência de mediação e litigância de má-fé, por Marcelo Mazzola

Na tentativa de racionalizar a entrega da prestação jurisdicional, o CPC/15 estimula os meios autocompositivos de resolução de conflitos, especialmente a conciliação e a mediação (art. 3º, §§ 2º e 3º), valorizando a autonomia da vontade e o maior "empoderamento"1 das partes.
Dentro da sistemática delineada pelo legislador, preenchidos os requisitos do art. 334, caput, do CPC/15 c/c art. 27 da lei de mediação, a designação da audiência de mediação/conciliação será a regra, observadas apenas as exceções previstas na Lei de Ritos (art. 334, § 4º, I e II)2, que devem ser interpretadas em harmonia com o art. 3º da lei especial.
Caso seja designada a audiência de conciliação/mediação, o prazo da contestação só começará a fluir a partir do dia seguinte da última audiência frustrada (art. 335, I, CPC/15). Lamentavelmente, tal previsão normativa – interessante para evitar atos processuais desnecessários – vem sendo utilizada como subterfúgio para abusos e deslealdades processuais.
Explica-se: como a audiência de mediação só não será realizada se ambas as partes manifestarem desinteresse, alguns réus vêm adotando a prática de informar, por petição, o interesse no ato processual, ou simplesmente se omitir, mesmo já sabendo de antemão que não têm qualquer interesse na composição consensual. Fazem isso, de forma velada, para postergar o início do prazo da contestação.
Não raro, notamos, nas audiências de mediação, que a parte ré comparece e permanece calada, não demonstrando o menor interesse em cooperar e evoluir na busca da construção do consenso. Certa feita, o advogado de um dos réus disse que estava ali somente para "ouvir" a parte autora, que, pasmem, já havia declinado expressamente nos autos seu desinteresse pela audiência de mediação, em razão das tentativas extrajudiciais frustradas.
Surgem então as seguintes indagações: nessas hipóteses de total leniência do réu e de falta de compromisso com a prestação jurisdicional, é possível a sua condenação por litigância de má-fé? Quais são os limites da confidencialidade da mediação? Como comprovar, perante o juiz, a postura desidiosa e anticooperativa do demandado?
Pois bem, como se sabe, o microssistema3 da mediação é formado por inúmeros princípios.4Um dos mais importantes é o da confidencialidade. Com efeito, o sigilo e a confidencialidade são cânones fundamentais e compõem a medula do procedimento.
Isso porque, sem a confidencialidade, a mediação provavelmente não alcançaria todo o seu potencial e impediria a maximização dos resultados. De fato, os mediandos não se sentiriam tão à vontade para um diálogo aberto5 e para revelarem preocupações, incertezas, desconfortos e, principalmente, seus interesses. A confidencialidade é uma espécie de antídoto contra o medo – justificável – de que algo revelado na mediação possa ser usado desfavoravelmente em eventual ação judicial.
Não é à toa que a Resolução 125/10 do CNJ (art. 1º), o CPC/15 (art. 166) e a lei de mediação (arts. 2º, VII, 14 e 30), além de outros importantes diplomas internacionais6, consagram a importância da confidencialidade. Justamente em razão do dever de confidencialidade, o mediador não poderá depor como testemunha em processos judiciais envolvendo o conflito em que tenha atuado (art. 7º da lei 13.140/15 c/c 448, II, do CPC/15).
Vale lembrar também que todos aqueles que participam da mediação – membros da equipe do mediador, partes, prepostos, advogados (arts. 166, § 2º do CPC/15 c/c 30, § 1º, da lei de mediação) – devem observar o dever de confidencialidade.
Quanto ao conteúdo protegido pela confidencialidade, estão abrangidas as declarações, opiniões, promessas, manifestações sobre as propostas de acordo, bem como os documentos preparados unicamente para o procedimento em questão e os fatos reconhecidos por uma ou ambas as partes (art. 30, § 1º, I a IV, da lei de mediação), além de todas as informações apresentadas no curso da mediação (art. 166, § 1º, do CPC/15).
Porém, a confidencialidade na mediação não é absoluta. As informações ali veiculadas podem ser utilizadas a) com expressa autorização dos mediandos, não podendo o respectivo teor "ser utilizado para fim diverso daquele previsto" (art. 166, § 1º, do CPC/15); b) nos casos em que a lei exija a sua divulgação ou seja necessária para cumprimento de acordo obtido pela mediação (art. 30, caput, da lei 13.140/15); e c) quando estiverem relacionadas com a ocorrência de crime de ação pública (art. 30, §3º, da lei de mediação).
Cumpre observar, ainda, que a regra de confidencialidade não afasta o dever dos envolvidos de prestarem informações à administração tributária após o termo final da mediação, aplicando-se aos servidores públicos a obrigação de manterem sigilo das informações compartilhadas, nos termos do art. 198 do Código Tributário Nacional.
Importante destacar que, além de não ser absoluta, a noção de confidencialidade deve ser interpretada à luz de uma lógica sistêmica. O dever de sigilo não pode, em hipótese alguma, servir de escudo para comportamentos abusivos e protelatórios, em flagrante violação aos princípios da boa-fé e da cooperação (arts. 5º e 6º do CPC/15), desestimulando e infantilizando a mediação, sobretudo nesse momento de sedimentação do CPC/15.
Nesse compasso, entendemos que o réu que sinaliza seu interesse na audiência de mediação, ou mesmo se mantém inerte diante da designação do ato – quando o autor já manifestou desinteresse7 –, mas, na audiência, não apresenta qualquer proposta de acordo ou, ao menos, um direcionamento possível para a construção do consenso, litiga de má-fé e deve ser condenado às penalidades legais (art. 81 do CPC/15).8
Pelo menos duas condutas previstas na Lei de Ritos podem ser invocadas: oferecimento de resistência injustificada ao andamento do processo e atuação temerária em qualquer incidente ou ato do processo (art. 80, IV e V). Sim, porque, nessas hipóteses, a realização da audiência de mediação terá, na prática, alongado desnecessariamente o processamento do feito9, violando a duração razoável do processo (arts. 5º, LXXVIII, da CF e 4º, 6º e 139, II, do CPC/15).
Mas, como comprovar essa postura do réu? A questão não é simples, reconhecemos, mas alguns mecanismos podem ajudar. De plano, é importante que o mediador, no início da primeira sessão (art. 14, § 1º, da lei 13.140/15), alerte as partes sobre as regras de confidencialidade e os limites do sigilo, deixando claro que, na condição de auxiliar da Justiça, pode ser instado pelo juiz a reportar eventual conduta protelatória e comportamento descompromissado com o espírito da mediação.
É óbvio que a ausência de composição amigável, por si só, não tem o condão de materializar um ato procrastinatório e tampouco significa que uma das partes não tenha colaborado. Na verdade, o que se repudia é aquela completa inação do réu, que revela uma conduta premeditada e maliciosa, com a finalidade de ganhar mais tempo para preparar a sua defesa.
Nessa hipótese, a parte contrária pode (e deve) relatar os fatos ao juiz, requerendo a condenação do "pseudomediando" por litigância de má-fé. Com base no contraditório participativo (arts. 9º e 10 do CPC/15) e à luz de seu dever de cooperação (art. 6º), o magistrado deve intimar o réu para se manifestar a respeito, podendo, inclusive, oficiar o mediador que atuou na audiência frustrada para atestar, única e exclusivamente, a leniência e a total falta de colaboração do demandado, respeitando, no mais, os limites do sigilo e da confidencialidade.
Em resumo, dentro da perspectiva de uma "jurisdição multifacetada"10, em que a mediação tem status de equivalente jurisdicional, não se pode permitir que a audiência de mediação se transforme em "mecanismo de procrastinação"11 e odioso álibi para comportamentos desleais, ímprobos e anticooperativos, sob pena de ferir a lógica do sistema e a própria mens legis do CPC/15.

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