A lei de recuperação e falência de empresas (lei 11.101/05) e o critério de competência territorial do juízo concursal – uma proposta de mudança, por Guilherme Carvalho Monteiro de Andrade e Henrique Cunha Barbosa

No final de 2016, foi criado pelo Ministério da Fazenda um grupo de trabalho multidisciplinar para elaborar um projeto de reforma da Lei de Recuperação e Falência de Empresas (lei 11.101/051), conforme previsto na Portaria 467/16.
Após mais de uma década de vigência da referida legislação, não se pode deixar de registrar que houve evolução de alguns institutos concursais, seja na falência ou na recuperação judicial. Mas, nem tudo são flores. É importante registrar também que ocorreu muito desvirtuamento do texto legal, por parte da jurisprudência, bem assim que a legislação não conseguiu apresentar respostas a várias demandas das partes que figuram nos feitos concursais.
Com a crise econômico-financeira (e política) instalada há tempos no Brasil, os nossos empresários e seus credores precisam, mais do que nunca, de uma Lei de Insolvência que permita a proteção da empresa viável, sem se descurar da preservação dos interesses creditórios.
O objetivo deste breve artigo é apontar um ponto da atual legislação– qual seja, o critério de competência territorial do juízo concursal - que merece mudança, na visão destes autores, para adequá-lo à realidade/necessidade dos processos de falência e recuperação judicial.
Segundo define o artigo 3º da LRFE, "é competente para homologar o plano de recuperação extrajudicial, deferir a recuperação judicial ou decretar a falência o juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil." (grifamos).
O critério adotado pela legislação para identificar em que Comarca deve tramitar a ação concursal não é dos mais felizes, uma vez que se mostra necessária a interpretação da expressão equívoca "principal estabelecimento do devedor", para definição da competência absoluta juízo, revelando-se tal exercício hermenêutico bastante difícil em muitos casos.
Tanto a doutrina3 como a jurisprudência4 possuem divergência na interpretação dessa regra de competência e, volta e meia, ocorrem longas discussões processuais em ações de falência e/ou de recuperação judicial5 , unicamente para resolver-se qual é o juízo territorial competente para presidir o feito concursal. Ora se entende pela competência do juízo do local onde se encontra a sede administrativa (efetiva) do devedor, ora reputa-se que deve a ação seguir no juízo do lugar em que se localiza o "centro vital da empresa" (corrente adotada na maioria dos casos pelo STJ6).
Se se está diante de uma ação de recuperação judicial, o empresário devedor (único legitimado a propor tal demanda, segundo artigo 48 da LRFE) possui condições para saber tanto onde se localiza sua sede administrativa como o local do centro vital da empresa. Mas se isso não impede alguns "planejamentos" convenientes quanto ao foro de distribuição, não raro em detrimento de credores, o que dizer então quando o que está em pauta é uma ação de falência, em que o pedido pode ser formulado por credores ou pelo devedor (art. 97 da LRFE), a situação se complica. Isso porque, ao credor não é franqueada publicamente a informação sobre o lugar em que o empresário possui maior número de negócios na ocasião da propositura da demanda, restando-lhe a opção de consultar o cadastro público da Junta Comercial, para identificar onde deve propor a ação em tela. Nesse banco de dados, a informação que o credor conseguirá obter será a do local em que a empresa é administrada, pois o empresário não informa em que lugar ele está concentrando o centro de suas atividades no Registro Público de Empresas Mercantis.
O problema agrava-se ainda mais quando se está diante de um pedido de recuperação judicial ou de falência envolvendo um "Grupo Empresarial", estrutura jurídico-societária dentro da qual se encontram diferentes empresários, que podem se localizar em distintos locais. No caso do precedente citado na nota 5 deste breve artigo, o STJ reputou que a competência territorial do juízo concursal da recuperação deveria ser o local sede administrativa daquela que o referido Tribunal entendeu seria a principal empresa do Grupo.
Tanto na falência como na recuperação, a indefinição sobre a competência territorial do juízo concursal presta um desserviço à eficiência econômica do processo, uma vez que o custo da ação fica mais caro com o passar do tempo, dificultando e/ou obstando seja possível ao devedor e aos credores conseguirem materializar seus interesses/direitos.
Em função desses problemas ora apontados, não se pode admitir que o critério de competência (absoluta) territorial continue sujeito a tanta insegurança jurídica, devendo-se evitar discussões sobre um tema tão caro da legislação processual concursal. Para impedir-se tal tipo de incerteza, a lei poderia adotar o lugar da sede administrativa do empresário como referência de competência territorial do juízo, tanto para ações de recuperação judicial como de falência, consignando que essa competência é relativa (e não absoluta). Para os processos concursais envolvendo "Grupos Empresariais", a proposta de mudança é definir-se na LRFE como juízo competente aquele do local da sede administrativa do empresário que possuir o maior faturamento bruto no ano anterior ao da propositura da ação ou, sendo impossível obter-se tal informação com segurança, o juízo do lugar onde se encontra o empresário integrante do Grupo que iniciou sua atividade há mais tempo.
Mas, a versão preliminar do texto apresentado pela Comissão Reformista do Ministério da Fazenda não trata dessas mudanças no art. 3º da lei, apesar de criar uma regra para os casos da chamada "consolidação processual", no sugerido texto do art. 69-A, § 2º, da LRFE7.
E, se o tema é polêmico quanto a uma ou algumas sociedades, o que dizer de grandes conglomerados com pesados organogramas societários, que infelizmente são justamente os ramos mais afetados pelo cenário de crise nacional (veja-se, p. ex. a par das empreiteiras e companhias energéticas, o caso recente da incorporadora PDG, onde o pleito de recuperação abrange algo em torno de 500 empresas).
Pensamos, assim, que um dos pontos dramáticos que estão afetando o regular início e o tranquilo desenvolvimento das ações concursais será definido na lei de modo mais seguro, fato que contribuirá para a tramitação mais eficiente e célere do processo recuperacional ou falimentar.


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