Reflexões sobre o Novo CPC: o fatiamento da sentença, por Flávio Pereira Lima

O novo Código de Processo Civil abrirá espaço à possibilidade de que sejam proferidas sentenças parciais no curso do processo, isto é, decisões que julguem definitivamente parte do mérito da controvérsia, deixando para um momento processual posterior o julgamento das demais matérias que remanescerem controvertidas.
Com efeito, o artigo 356 do novo CPC é claro ao estabelecer que o juiz pode decidir parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso ou estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do artigo 355.
O artigo 355, por sua vez, autoriza o julgamento antecipado do pedido, por meio de sentença com resolução de mérito, quando não houver necessidade de produção de outras provas ou o réu for revel e não houver requerimento de outras provas.
É interessante notar que o artigo 356 faz expressa referência ao julgamento de parte dos pedidos, fazendo remissão às hipóteses do artigo 355, por meio do qual a decisão que resolve os pedidos é expressamente definida como sentença.
E, no artigo 203, a sentença é definida como “pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à parte cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução”. No artigo 487, a resolução do mérito ocorre, dentre outras, quando o juiz “acolher ou rejeitar o pedido”.
Assim, interpretando esses dispositivos de forma sistemática, verifica-se que o Código autoriza que, no curso do processo, o Juiz resolva, em definitivo, parte dos pedidos, por meio de sentença que colocará fim à parte cognitiva relacionada àqueles pedidos específicos, prosseguindo o processo com a instrução relativa àqueles pedidos que não estiverem prontos para julgamento.
O novo CPC disciplinou, portanto, a figura da sentença parcial que nada mais é do que a decisão que julgará definitivamente o mérito de uma parcela dos pedidos formulados. Essa sentença parcial poderá ser impugnada por meio de agravo de instrumento, nos termos do parágrafo 5o do artigo 356 e, de outro lado, a parte poderá liquidar ou promover o cumprimento da decisão em autos suplementares (parágrafo 4o do mesmo artigo). A decisão de mérito do artigo 356 poderá, ainda, ser desafiada por ação rescisória, tal como qualquer sentença, nos termos do artigo 966 do novo Código.
É bem verdade que o parágrafo 6o do artigo 273 do CPC de 1973 já autorizava o julgamento parcial do mérito no caso de um pedido mostrar-se incontroverso. Embora essa decisão tenha sido denominada como “antecipação de tutela”, já se tratava de uma sentença parcial, pois havia o julgamento definitivo de um dos pedidos. De todo modo, o novo CPC alargou as hipóteses de prolação de sentenças parciais e essa nova possibilidade poderá ser extremamente útil no dia-a-dia da atividade forense.
De fato, sempre que houver cumulação de pedidos independentes entre si, a parcela dos pedidos que for incontroversa ou que estiver provada poderá ser julgada no curso do processo, ao invés de aguardar-se a sentença final para a decisão conjunta de todos os pedidos.
O exemplo clássico seria a cobrança de mais uma dívida, em que uma delas é incontroversa ou independe da produção de novas provas, ao passo que as outras dívidas dependem de dilação probatória. O Juiz, nesse caso, deve julgar desde logo o pedido de cobrança incontroverso ou independente da produção de novas provas, com o prosseguimento do processo para apreciação das provas referentes ao pedido de cobrança remanescente.
Pedidos Indenizatórios Cumulativos (dano material e lucros cessantes), sendo que um depende de perícia (lucros cessantes) e outro não (reembolso). O Juiz deve julgar primeiro o líquido e depois, após o desenvolvimento da instrução probatória, julgará o pedido ilíquido.
Na ação de investigação de paternidade, cumulada com alimentos, também é possível julgamento por sentença parcial. Com a produção do chamado exame de DNA, o Juiz reconhecerá a paternidade e, após o restante da instrução probatória, julgará o valor ou a necessidade da fixação de alimentos.
A Jurisprudência a respeito das sentenças parciais também será alterada. O STJ, por exemplo, ao apreciar o RESP 1.281.978, entendeu pela impossibilidade da sentença parcial, mas o exemplo esclarece muito bem a eficiência do uso desse novo mecanismo processual, a saber: “Noticiam os autos que o recorrente ajuizou ação de cobrança contra BRADESCO VIDA E PREVIDÊNCIA S.A. visando o pagamento de indenização securitária sob o argumento de que contratou seguro de vida em grupo específico para militares (FAM Militar, apólice no 850563, plano D), com coberturas para invalidez permanente por acidente (IPA) e por doença (IFPD), tendo ocorrido o sinistro garantido. Alegou que se encontra incapacitado para as atividades militares, porquanto foi acometido de hérnia de disco na região lombar (L4-L5), resultando na sua exclusão do serviço ativo do Exército e na impossibilidade de exercer atividades laborais da vida civil. A seguradora, em contestação, asseverou, entre outros fundamentos, que a incapacidade permanente do autor não era decorrente de acidente, mas de doença. Acrescentou também que essa invalidez era parcial, não tendo acarretado a perda de sua existência autonômica (invalidez funcional), de modo que não era devida a indenização postulada. O magistrado de primeiro grau, entendendo que era hipótese de prolação de sentença parcial de mérito, com base no princípio da celeridade, cindiu o feito e, em julgamento antecipado, julgou procedente o pedido considerado menor para condenar a demandada a pagar o valor atinente à invalidez funcional (correspondente à metade da cobertura de invalidez permanente por acidente). Condenou-a, ainda, a pagar ônus sucumbenciais. Todavia, como havia a necessidade de instrução probatória (produção de prova pericial) para aferir-se a origem da incapacidade do demandante, se relacionada a um “acidente” ou a uma “doença”, foi determinado o prosseguimento do feito quanto ao pedido remanescente, considerado maior”.
Como se vê, nos pedidos independentes entre si o julgamento de parte dos pedidos por meio de sentenças parciais será uma prática extremamente valiosa para dar mais efetividade e celeridade à prestação jurisdicional.
Mas a sentença parcial não se aplica a todos os casos em que um dos pedidos estiver pronto para ser julgado.
Realmente, se houver prejudicialidade lógica e jurídica entre os pedidos, somente será possível o julgamento do pleito que antecede logicamente os pedidos restantes.
Eu explico. No caso de haver um pedido de reconhecimento de um ato ilícito e pedidos de lucros cessantes, danos emergentes e danos morais decorrentes do ato praticado, se o réu, por exemplo, não impugnar ou até mesmo reconhecer a ocorrência dos danos emergentes, somente poderá o Juiz julgar esse pedido se antes decidir se houve o ato ilícito e se o réu tem o dever jurídico de reparar o dano. Ou seja, ainda que o pedido de danos emergentes, em tese, pudesse ser julgado antecipadamente, está impedido o Juiz de assim proceder em função da prejudicialidade lógica que exige que o juiz previamente decida se o réu tem ou não o dever de reparar o dano. E essa necessidade de apreciação prévia da questão prejudicial visa justamente evitar o risco de decisões contraditórias que deve ser sempre ponderado pelo juiz ao aplicar a técnica prevista no art. 356 do novo CPC.
É importante ressaltar, por fim, que a utilização das sentenças parciais pelo magistrado não é uma mera faculdade. Consta do artigo 356 que o Juiz decidirá, não que pode optar por julgar o pedido que estiver maduro para julgamento. Deve o Juiz, portanto, julgar o pedido que estiver pronto para ser julgado, até para dar efetividade ao princípio da duração razoável do processo, previsto no inciso LXXVIII, do artigo 5o,da CF.

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