Boa-fé no novo CPC: uma velha novidade, por André Barabino

Cooperação, respeito, lealdade e ética são alguns dos elementos que compõem a chamada boa-fé objetiva, buscada em todas as relações sociais. Antes mesmo de passar a ostentar natureza jurídica, ela apresenta uma profunda vinculação a fatores éticos, morais e axiológicos, campos nos quais há uma marcada disparidade de critérios. Nessa linha, a boa-fé objetiva é tratada pelo direito desde a antiguidade. No Direito Romano Arcaico, por exemplo, antes do surgimento da boa-fé (bona fides), havia a fides, advinda da deusa com o mesmo nome, com aparência e comportamento de pessoa confiável. A infringência da fides transformava o bom e probo em mau e improbo. Tal conceito era relacionado com pessoa com crédito para fazer negócios à época. Tamanha era a importância da boa-fé nesse período, que Cícero chegou a dizer que ela era o fundamento da justiça.
Assim, o princípio ético-jurídico da boa-fé objetiva tem origem no Direito Romano. Hoje, a boa-fé é pressuposto de todas as relações jurídicas e traz à mente condutas como honestidade, lealdade e ética. Trata-se, pois, de uma cláusula geral, dever anexo, acessório, de consideração, que deve ser rigidamente observada em toda e qualquer relação jurídica.
Não se deve confundir a boa-fé objetiva, norma de conduta objetiva, que é objeto do presente artigo, com a boa-fé subjetiva, que se trata do aspecto psicológico, subjetivo da pessoa, crença ou ignorância de uma pessoa acerca de um fato, a boa intenção do agente.
A compreensão da boa-fé objetiva no direito brasileiro encontra relevância acentuada nos dias atuais, tendo em vista as modificações introduzidas pela Constituição Federal de 1988, pelo Código Civil de 2002 e as constantes decisões judiciais que a utilizam como fundamentação. Essa consagração da boa-fé objetiva e da confiança depositada entre os contratantes formam a base do negócio jurídico, um dos alicerces de todas as vinculações jurídicas e um importante princípio das relações contratuais.
No Direito Privado, com o passar do tempo, percebeu-se que a ideia de que a lei deveria estabelecer, inflexivelmente, todas as situações possíveis de acontecer no cotidiano, merecia ser deixada de lado, a fim de dar lugar ao entendimento de que em um código devem estar presentes normas abertas e flexíveis, capazes de possibilitar a evolução do Direito sem que a constante intervenção legislativa seja necessária.
Diante de um mundo globalizado, em que os fatos acontecem de maneira extremamente veloz, o ordenamento jurídico não deve ter a ambição de prever todas as possíveis hipóteses geradoras da criação humana, sob pena de ser classificado como ultrapassado e desacreditado em uma velocidade incrível e, sobretudo, não dispor de meios para fazer com que o Estado cumpra com eficácia o seu dever de prestar a adequada tutela jurisdicional, tal como previsto na Constituição Federal.
Diante disso, o fato de o Novo Código de Processo Civil passar a partir de agora a considerar a boa-fé objetiva como princípio a ser observado pelas partes não é propriamente uma novidade, na medida em que a boa-fé objetiva sempre foi uma regra de conduta que deve pautar toda e qualquer relação social. Assim, não haveria necessidade de se positivar tal preceito em qualquer diploma legal, pois a boa-fé deveria ser inerente a qualquer relação social.
No entanto, por opção legislativa, a boa-fé foi inserida no ordenamento jurídico por meio de normas de caráter aberto voltadas ao desenvolvimento do bem-comum, especialmente após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Em relação ao direito processual, ela deve ser observada pelos litigantes e de todos os demais participantes do processo em suas respectivas atividades.
Como princípio geral de direito, agora também positivado no novo Código de Processo Civil, a boa-fé tem a função de pautar a conduta dos contratantes e litigantes de acordo com lealdade, correção, honestidade, fidelidade e de forma cooperativa em todas as fases do contrato e processo judicial, respectivamente. Por consequência, havendo a conscientização da necessidade de se adequarem a um padrão ético de conduta.
Dessa maneira, passa-se a palavra aos nossos tribunais, para que eles possam aplicar adequadamente o princípio da boa-fé objetiva aos casos apresentados, revigorando questões éticas e morais, que de um tempo para cá se mostraram esquecidas por alguns. Aliás, nossos tribunais terão papel fundamental na imposição da observância à boa-fé em questões processuais, evitando-se, dessa forma, a prática de atos processuais maliciosos, chicanas processuais, enfim, a já conhecida litigância de má-fé de uma forma geral.
Ainda é muito rara a aplicação das penas de litigância de má-fé por nossos tribunais, o que acaba por incentivar o litigante malicioso que se utiliza da mentira como ferramenta de trabalho. No entanto, espera-se que, com a nova sistemática e com a positivação da boa-fé objetiva processual, nossos tribunais passem a punir com penas mais severas tais condutas, para desestimular o comportamento antiético, assim como sinalizar que tal prática não é mais tolerada pelo sistema jurídico processual brasileiro.

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