Execução de fornecimento de medicamentos não perde objeto, por Líivia Scocuglia

O processo em que se obriga o Estado a fornecer suplemento alimentar gratuito não perde o objeto, ainda que o medicamento não seja mais necessário para o paciente. A decisão é da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), proferida nesta quinta-feira (2/2), por maioria de votos.
No caso analisado pelos ministros, a família de uma criança exigia que o Estado do Rio de Janeiro fornecesse um leite especial para ela, portadora de uma doença crônica. De acordo com o processo, a criança precisava do suplemento para sobreviver. 
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) negou o fornecimento, com a justificativa de que o leite especial não era classificado como medicamento necessário à preservação da vida e da saúde. Além disso, apontou que o ente público somente estaria obrigado ao fornecimento do medicamento, não incluído o suplemento alimentar.
A família da criança recorreu ao STJ. No tribunal superior, o relator do caso, ministro Napoleão Nunes Maia Filho entendeu que o Estado não poderia se negar a  garantir acesso ao medicamento para tratamento de problema de saúde.
“Comprovado o acometimento do indivíduo, ou de um grupo, por determinada moléstia e necessitando de medicamento para combatê-la, este deve ser fornecido pelo Estado de modo a atender ao princípio maior da garantia à vida e à saúde”, determinou o ministro, em decisão monocrática. 
Para Maia Filho, as ações e serviços de saúde devem ser desenvolvidos pelo Poder Público, de forma integrada, por meio de um sistema único. Dessa forma, não seria possível afastar a responsabilidade do Estado mediante a alegação de que os medicamentos/tratamentos pleiteados não integram a lista de sua competência.
“Cabe ao ente demandado judicialmente prover a prestação dos serviços necessários à saúde do recorrente, sob pena de ofensa ao direito fundamental à saúde”, acrescentou. 
Objeto
O Estado fluminense não cumpriu a obrigação de fornecer o medicamento. Mas, com o tempo, a hoje adolescente deixou de precisar do suplemento alimentar para sobreviver. Com isso, o a procuradoria do Rio recorreu internamente no STJ, por meio de agravo regimental. Alegou que, como o adolescente não mais necessita do leite especial, o processo teria perdido o objeto, ou seja, deixou de ter motivo para existir.
Para a maioria dos ministros da 1ª Turma do STJ, o processo não perde o objeto porque o requerente deixou de necessitar do medicamento.
O ministro Napoleão Nunes Maia Filho afirmou que o alimento era essencial à criança e o dever de fornecê-lo está elencado na Constituição Federal, por isso, segundo ele, não há perda de objeto.
Assim também entenderam os demais ministros, Benedito Gonçalves, Gurgel de Faria e Sérgio Kukina.
Para Gonçalves, a perda de objeto pelo tempo decorrido sem a resposta do Estado seria um incentivo para tal desobediência. 
Apenas a ministra Regina Helena Costa não concordou com a tese. Segundo ela, a pretensão do direito não é mais possível pelo decorrer do tempo. A ministra entende que a ação peca pela não necessidade e utilidade e diz que há carência do interesse de agir do adolescente. “Não vejo como a pretensão, na fase de execução, será transformada em perdas e danos”, ressaltou.
Danos morais e morais
A turma chegou a discutir a possibilidade de se converter a pretensão do adolescente, de receber o medicamento, em indenização.
“O pedido deve ser interpretado na extensão das possibilidades de sua execução. Se não, a mora judiciária pode beneficiar o devedor, no caso o Estado do Rio. Muitas vezes acontece do paciente se curar ou ir ao encontro da casa de Deus e aí fica tudo em vão. Dentro do pedido do fornecimento pode se analisar uma pretensão indenizatória”, defendeu Napoleão.
No entanto, os demais ministros argumentaram que por estarem analisando um recurso apresentado pelo Rio de Janeiro não seria possível agravar a situação do Estado. Além disso, afirmaram que não houve pedido para converter o pedido em indenização por danos morais e materiais.
“Não poderíamos ir além e já antecipar que eventual cumprimento “in natura” já determina conversão em pecúnia. É prejudicial ao impetrante porque poderia dar mais de uma nulidade”, sustentou o ministro Gurgel de Faria.
Após ouvir os argumentos dos colegas, o ministro Napoleão mudou o seu voto para reconhecer apenas a perda de objeto do processo.

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